1. Como ponto prévio, dizer que estas linhas estão a ser escritas antes da Comissão Nacional Eleitoral (CNE) apresentar os resultados definitivos do acto eleitoral do passado dia 23 de Agosto, pelo que não sabemos se, de facto - e tudo parece indicar que sim - o MPLA venceu as eleições e, por extensão, o general João Manuel Gonçalves Lourenço e o Doutor Bornito de Sousa Baltazar Diogo foram eleitos, respectivamente, Presidente e Vice-Presidente da República. Ainda que a empresa de rating Moody"s já admita como definitivos os resultados provisórios e que o País vai entrar numa onda de estabilidade política. O que não parece pelas tomadas de posições da Oposição. E que, também, este texto é um pouco um lamento...
2. Como o título acima dá a perceber vou tratar de uma expressão e o seu contrário que levou João Lourenço a se pronunciar quanto à sua linha de pensamento político para o País, caso se confirme a sua eleição como o Mais Alto Magistrado da Nação.
3. Quando, em entrevista/análise ao matutino português Público, de 25 de Agosto e publicada no dia 26, logo após os primeiros números apresentados pela CNE, eu aventei que João Lourenço poderia ser um Gorbatchev (ou Gorbatchov) angolano, como intitulou o Público a minha entrevista/análise «Se o deixarem, João Lourenço "pode ser o Gorgatchov do MPLA"»; esta minha ideia, foi repetida na análise que concedi à secção portuguesa da emissora alemã Deutsche Welle quando, ma mesma linha do Público e segundo os primeiros resultados da CNE, me solicitou essa «Só haverá mudanças em Angola se o futuro Presidente tiver força para se impor, defende analista ouvido pela DW, que vê em João Lourenço um possível "Mikhail Gorbachev angolano" (..) criando uma "Glasnost". Espera-se uma "glasnostização" da política angolana».
4. De notar que a expressão "Glasnostização da política angolana" apareceu, pela primeira vez num artigo académico que escrevi para o Africa Monitor.
5. Surpreendentemente, logo no domingo seguinte num programa de análise política, onde o humor, não poucas vezes, prevalece, de uma televisão portuguesa, um comentador referiu que, citando-me sem me identificar, "alguns esperam que ele seja uma espécie de Gorbachov, (foi a expressão utilizada pelo comentador e por mais de uma vez...)".
6. Ora, poucos dias depois, veio a surpresa final. Nunca pensei - nem alguma vez cogitei - que uma expressão criada no decorrer se uma entrevista, ao Público, sobre a possível "glasnostização" do sistema político angolano - devido ao um artigo/análise publicado no Africa Monitor, pudesse ter tanto impacto, ao ponto de João Lourenço, "ter se sentido obrigado" a reformular a sua "necessária" reestruturação ou reforma política, em entrevista à espanhola Agencia EFE.
7. Este é o meu lamento. Todos falam no "Gorbatchov angolano", mas ninguém, como se o autor fosse um proscrito angolano, e nem o Público alguma vez procurou alertar sobre o autor, se refere, nominalmente, ao autor; ou seja, a mim. Fica o ego íntimo de ser citado como se fosse algo - que foi - espontâneo e adoptável pelas estórias da História. Pelo menos sei que ficará algo de mim para a História nacional, ainda que o meu nome só venha aparecer numa qualquer nota de rodapé, de alguma Wikipédia. Não surge o nome, guarda a expressão!
8. Pois na citada entrevista aos espanhóis da Agência EFE, João Lourenço quando questionado se sentia um "Gorbachov angolano" rejeitou a classificação, por suceder à prolongada liderança de José Eduardo dos Santos. Mas que como "Reformador" não se sentiria, certamente não Gorbachev, mas sim como um Deng Xiaoping.
9. Alude-se, antes, que a dita expressão - ou classificação, como lhe chama a agência espanhola - a que eu me referi a João Lourenço, não o foi por ser um sucessor (em Democracia, não há sucessores, mas pessoas eleitas), mas por se exigir mudanças no País e que o então candidato, também o referiu a elas como sendo necessárias, em alguns dos seus comícios, nomeadamente no último!
10. Há uma clara separação entre as políticas de Gorbatchov e de Deng Xiaoping. O primeiro, criou condições para que houvesse mudanças - esta é a palavra-chave - na liderança da antiga União Soviética; mudanças, políticas, económicas e sociais. Mas se o Mundo Ocidental o aplaude, dentro da antiga URSS - e mesmo na actual Rússia - há quem o odeia por ter sido o fragmentador da União. Já Xiaoping é visto como o pai da nova China.
11. Se João Lourenço se desejar ser um reformador na linha do antigo líder chinês, pois que seja que o País agradece. É que Deng Xiaoping protagonizou uma profunda reforma política, económica e financeira da China, mesmo que a corrupção - um dos claros ataques de Lourenço, durante a campanha eleitor - persista no sistema político chinês de 2 países, 2 sistemas, ainda que, quando às claras, seja fortemente punida.
12. Resumindo, João Lourenço, caso se venha a confirmar como o próximo Presidente da República - ainda não entendi porque teimam alguns comentadores e analistas nacionais em declarar a IV República; como se o Presidente José Eduardo dos Santos fosse um marco delimitador da República, o que é um erro, porque não há uma descontinuidade na nossa veia republicana - seja um Gorbatchov, seja um Xiaoping, vai ter de cumprir e cumprir uma das suas promessas eleitorais e que os angolanos tanto necessitam: MUDANÇA!! Esta, é, claramente, a palavra-chave e que todos, mas TODOS, seja João Lourenço, ou outro candidato eleito, teremos de ajudar a se tornar realidade.
13. Não posso, não quero, deixar de referir e lamentar a actual situação no Sudeste asiático, mais concretamente no Mar do Japão, devido à inopinada actividade de Kim Jong-un, líder da Coreia do Norte, com os exercícios de pretensos - espera-se que sejam só pretensos - mísseis de curo, médio e longo (os ICBM) alcance, e a réplica idiota de Dolnald Trump como se sentisse um miúdo a quem lhe estão a tirar um brinquedo ou uma celebridade. Esperemos que este seja mais um "13 dias que mudaram o Mundo". A Crise dos Mísseis em Cuba em 1962, que também parecia nos encaminhar para uma III Guerra Mundial e o bom senso prevaleceu.
Eugénio Costa Almeida é investigador do Centro de Estudos Internacionais (CEI-IUL) e Pós-Doutorando da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Agostinho Neto