Acha, então, que, com a institucionalização das autarquias, o MPLA teme que divida o poder?

É disto que o MPLA tem medo também. Deixa de existir o vínculo directo do chefe que decide tudo, da lista que o chefe aprova, passa a haver prestação de contas ao soberano, o local, e isto é fortalecimento de direitos, isto é fortalecimento do País em si, de formatação de participação. Com as autarquias, essa CNE, que controla tudo, vai deixar de ter, efectivamente, esta brincadeira que existe hoje. Estou a dizer-lhes com toda a responsabilidade: é uma brincadeira. Nós podemos aceitar, enquanto cidadãos inteligentes, que uma eleição local, mesmo no âmbito autárquico, seja declarada a nível nacional? Isto é aceitável? Mas, afinal, as pessoas pensam que aqui toda a gente é destituída de inteligência? Isso não existe em lado nenhum do mundo. Então, nós vamos fazer eleições locais autárquicas, mas quem declara os resultados do Miconje, dos municípios do Cunene, do Kuando Kubango... é a CNE? O que é que tem a ver a CNE nacional com o espaço municipal? Isso é manipulação. É contra isso que estamos a lutar. Estamos a dizer que não queremos mais a Indra e a Sinfic, porque a Indra e a Sinfic são empresas que têm as sociedades nos gabinetes do Presidente da República, têm, e eu reafirmo isto. Aqueles dinheiros que vimos depositar, muitos dinheiros que até hoje não foram sujeitos a um processo da PGR, aquilo que é a suspeição, aquilo que é a denúncia, que podem ter tido origem na intervenção da gestão eleitoral... e era importante que não houvesse esse proteccionismo, que o combate à corrupção fosse, efectivamente, universal, porque não adianta nada andarmos aqui a falar de combate à corrupção quando temos casos desses.

Proteccionismo?

Combate-se a questão da fraude de muitas maneiras: combate-se a fraude assumindo, cada vez mais, um Estado Democrático e de Direito, com plenitude das liberdades, plenitude dos direitos de cidadania, com a realização e concretização do Estado a todos os níveis enquanto ente protectora de todos. As leis que se fazem são uma forma de criar cenários de regulação, mas, no nosso País, não é apenas a regulação que o Governo faz, faz a intervenção. Este é que é o lado problemático. A maior parte dos serviços devem ser reguladores, mas não o são, não se limitam a isso, são intervenientes em todas as disputas, com carácter partidário, e aqui se perde o equilíbrio, a equidistância dos actos. Os institutos Checks and Balances, que regulam a democracia, não existem, porque são todos comités de especialidades, a começar pelo Tribunal Constitucional. Vejam a pouca vergonha que aconteceu com o PRA-JA e outras. Nas eleições de 2017, que elegeram João Lourenço, entrou um processo de corrupção eleitoral contra ele. O que é que o Tribunal Constitucional fez? Arquivou-o e nem o abriu. Isso é interesse público? Isso não é interesse público nenhum. É preciso corrigi-lo. É preciso dar efectividade, isenção e acção aos institutos que nos garantem bom funcionamento da democracia e do Estado de Direito.

Como é que esperava que pudesse ser?

Mais alto. Houve lados positivos, sim, houve uma belíssima audiência, muita abertura, uma resposta que não existia, as cartas, a comunicação, mas, depois, interrompido através, hoje, de inexistência de luzes sobre o futuro. Não há caminhos, não sabemos como estamos a caminhar. Queremos aprovar a Lei da Institucionalização das Autarquias há dois anos na Assembleia, já votada há um ano e meio na generalidade, mas não é agendada, porque o MPLA não o quer, não quer o registo. Precisamos de um novo registo eleitoral, tínhamos todas as condições de fazer eleições autárquicas em 2020. Só espero que isto não se repita em 2021. Somos todos inteligentes. Só não haverá se o MPLA não quiser. Temos um grande problema: continuamos a ter um Estado que é partidário, onde, de manhã, o Presidente trata dos assuntos do Estado e, à tarde, pode sentar-se e tratar dos assuntos do partido. Isto não é bom.

Como é que a UNITA pensa em fazer uma oposição séria ao MPLA, com os deputados que tem na Assembleia Nacional?

Temos feito no limite do possível. Se Angola respeitasse o Estado de Direito, a acção era bem mais diferente do que é hoje. Não se respeita o Estado de Direito, e eu dou-lhe um pequeno exemplo: as iniciativas parlamentares que a UNITA toma, mesmo as iniciativas legislativas, são substantivamente importantes e equilibradoras do funcionamento do Estado e do funcionamento e da regulamentação dos órgãos. Vou começar até por este assunto público, o combate à corrupção: quem, pela primeira vez, levou à Assembleia a Lei de Repatriamento de Capitais foi a UNITA, não foi o MPLA. E foi apresentada por quem? Na altura, estava eu como presidente do grupo parlamentar. Trabalhámos a Lei de Repatriamento de Capitais, que não só nós íamos atrás dos desvios de dinheiro para fora, como também perseguíamos patrimónios adquirido lá fora dos dinheiros desviados. Também tinha efeitos internos, íamos atrás de fundos financeiros e patrimónios comprados internamente por frutos de desvios e de roubos claros. Acabámos essa lei até à altura das eleições e, em Outubro de 2017, levámo-la a uma universidade de grande prestígio para poder fazer uma crítica àquela iniciativa. Estou-lhes a dar uma novidade. A universidade ficou com aquilo durante dois meses e meio, e, no início de Dezembro, devolveu-no-la com algumas sugestões, e nós adoptámos...

Qual era a universidade?

Angolana, naturalmente, de grande prestígio... Adoptámos, sim, e remetemos formalmente a lei em Dezembro de 2017, mas ela não foi agendada nem em Dezembro, nem em Janeiro, nem em Fevereiro. Foi preciso fazer um barulho enormíssimo para ela ser agendada, mas, já na altura, o MPLA produziu, a correr, uma pequena lei, uma leizinha, tinha nada a ver com a nossa proposta, e cometeu erro terrível, de todos os níveis. Aquilo foi tiro nos pés, votou-se, em simultaneidade, nas duas leis. A maioria dos parlamentares são do MPLA e votaram contra a proposta de lei da UNITA, que era a melhor Lei de Combate à Corrupção.

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