O padre Afonso Manuel (nome fictício) abandonou a batina em finais de 2011, depois de se apaixonar por uma amiga da sua irmã mais nova, que conheceu quando ela ainda era adolescente.
Afonso recorda que a decisão não foi fácil, porque esteve muitos anos no seminário, convicto de que ser padre era a sua vocação. "Não foi fácil, foi muito complicado, mas a minha decisão foi deixar a Igreja e constituir uma família. Fiz o que achava certo e não me arrependo". Como pároco, Afonso passou por duas províncias de Angola.
Durante os anos em que esteve à frente das duas paróquias nunca teve qualquer envolvimento com freiras ou com as mulheres que vão à procura de ouvir a palavra do senhor. Levou a sério o celibato imposto pela igreja católica e só o interrompeu quando resolveu seguir outro caminho. Ao todo, Afonso Manuel dedicou 23 anos à igreja, 10 anos como padre e 13 a estudar no seminário, antes da ordenação sacerdotal.
"Foi um grande choque para a minha mãe, porque foi sempre um sonho para ela ter um filho padre. Éramos três irmãos que estávamos a seguir a vida religiosa. Eu, a minha irmã mais nova e o primeiro filho da minha mãe. O meu irmão mais velho foi o primeiro abandonar, a seguir foi a minha irmã", recorda.
Questionado se foi obrigado pela mãe a seguir a vida religiosa, Afonso respondeu que não. "Eu, inicialmente, entrei porque queria estudar e os meus pais não tinham possibilidades de pagar a minha escola. Como eu, havia muitos jovens que entraram para o seminário para poderem estudar. Só que posto lá, comecei a gostar da ideia de ser padre e terminei o curso. Depois de quase três anos de sacerdócio, reencontrei a Magda em casa da minha mãe, porque ela era amiga da minha irmã", conta.
Começou aí o novo rumo na vida de Afonso. Aos 42 anos, o ex-padre é pai de duas meninas. Mais uma razão para não haver arrependimentos em relação à escolha que fez. Como ele próprio diz, ser pai é a "maior bênção que Deus pode conceder a um homem".
Novamente questionado se se considera ex-padre, o agora bancário respondeu que não. Só será reconhecido como ex-padre quando o Vaticano se posicionar sobre a dispensa do celibato. "Tudo depende do Papa Francisco. Há muitos padres que se casaram e querem continuar a exercer as suas funções na Igreja Católica. Acho que o celibato deveria ser opcional e não uma obrigação", defende.
Segundo Afonso Manuel, é muito mais fácil o celibato ser opcional e não uma obrigação. Era uma forma de acabar com a hipocrisia reinante na igreja, com muitas histórias de padres que têm filhos e não os assumem. "Não podemos tapar o sol com a peneira, porque isso é uma realidade", atira. "Sei que alguns responsáveis da igreja católica podem dizer que é mentira, mas é uma pura verdade. Tentamos tapar o sol com a peneira. Tenho amigos padres que sustentam as famílias (mulher e filhos) e não deixam a batina porque têm receio de ser crucificados. Abandonam os filhos e nem sequer os registam. As igrejas têm a missão de unir as famílias, não separar".
Ana, mulher de Afonso Manuel, descreve o marido como um homem "charmoso, gentil, companheiro e bonito". Atributos que, segundo ela, fazem com que seja o homem da sua vida. "Sou uma mulher apaixonada e feliz, mas tive que lutar por esse amor porque a família, no início, não queria aceitar a relação. Os pais dele pensavam que, por ele deixar a vida sacerdotal, tinha de casar com uma mulher escolhida pela família", explica Ana, de 37 anos. A decisão implicou sacrifícios que ambos assumiram para defenderem o seu amor e o direito a viverem uma vida em conjunto.
"Não sei se foi castigo de Deus"
Cristina Victor é outra das devotas que deixou o celibato para perseguir uma vida em comum. Mas, ao contrário de Afonso, a sua história tem mais espinhos. Casada há nove anos, esta mulher, que também optou por usar um nome falso para preservar a sua identidade, manifesta arrependimento pela decisão que tomou. A principal razão que a levou a deixar o hábito era o desejo de ser mãe. Mas esse desígnio não se concretizou. "Antes, fiz todos os exames, o médico disse-me que não tinha problemas e que poderia engravidar, mas, para minha tristeza, nunca aconteceu. Não consegui ter filhos, não sei se foi castigo de Deus, não sei mesmo", desabafa, com pesar.
A mulher, de 36 anos, não foi obrigada pelos pais a seguir a vida religiosa. Foi para o convento e fez os votos para madre por vontade própria. Decidiu em liberdade entrar, da mesma forma como em liberdade e consciência do passo que iria dar decidiu sair.
"Sou a única menina no meio de cinco homens e lembro-me que, quando decidi deixar a casa dos meus pais e entrar para o convento, os meus pais pediram-me muito para que não o fizesse. A minha mãe chorou muito e hoje vejo que não fiz o certo, brinquei com as coisas de Deus, que é um pecado grande. Uma coisa é uma pessoa não saber o que está a fazer, a outra é ter noção de tudo como foi o meu caso", revela.
De acordo com Cristina, várias colegas com quem esteve no convento abandonaram a vida cristã, depois do tempo de dispensa que é dado às noviças, para passarem alguns meses com a família e reflectirem se realmente é a vida que querem seguir. "Muita gente desiste depois da dispensa. Só se faz a devoção, depois deste tempo de reflexão. Quem volta e faz os juramentos é que se torna madre ou padre. Sei que foi um pecado muito grande que eu cometi, mas já não tem volta", lamenta.
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