Victor Silva entende que o presidente do MPLA e ex-Presidente da República, José Eduardo dos Santos (JES), não vai reagir publicamente a estas movimentações que afectam directamente quatro dos seus filhos, mas admite que pode agir através dos mecanismos internos do MPLA.
O que se espera, nota, é que, para o exterior, o MPLA "faça o que é costume: fazer de conta que os problemas não existem", porque qualquer acção mais ríspida do líder do partido poderia "despertar a ideia de que as suas nomeações tiveram como génese o nepotismo", coisa que "o próprio sempre negou".
Mas aponta que isso não deixará de trazer à tona da água a velha tese do MPLA de que "quem manda é o partido" e é "nessa perspectiva que esta situação deve ser vista e analisada".
Para começar, Victor Silva admite que a alteração em curso no secretariado do Bureau Político do MPLA vai proporcionar a JES colocar ali pessoas da sua confiança para que, a partir deste órgão, "de onde é feita a gestão diária", procure "condicionar a acção governativa" de João Lourenço.
"Mas essa tentativa de amarrar curto João Lourenço não deverá ter sucesso", defende, explicando: "José Eduardo dos Santos poderia ser vítima do seu próprio sucesso na alteração à Constituição que colocou quase todo o poder no Presidente da República", e a partir de onde João Lourenço pode "criar condições para uma nova remodelação da Constituição".
Sabe-se que qualquer alteração ao corpo da Constituição carece de dois terços no Parlamento, o que torna esta opção particularmente, aparentemente, difícil, tendo em conta que o MPLA conseguiu uma maioria qualificada nas eleições de 23 de Agosto.
No entanto, sobre este particular, Victor Silva recorda que "isso poderá ser conseguido com relativa facilidade porque toda a oposição defende a alteração da Constituição e não parece ser muito complicado convencer 70 deputados do MPLA - entre os 150 que tem - para apoiarem uma proposta nesse sentido com o apoio do Presidente da República".
E essa remodelação poderia, admite Victor Silva, passar por alterar o método de eleição do Chefe de Estado, de cabeça-de-lista dos candidatos a deputado para a sua eleição directa através de voto secreto e universal, "onde, a ser esse o caminho, com muita probabilidade João Lourenço ganharia, mesmo contra um candidato proposto pelo MPLA, ou, no limite, mesmo contra o próprio José Eduardo dos Santos".
Situação que o MPLA não se pode dar ao luxo de aceitar, mesmo como escassa possibilidade, até porque o Presidente da República "conta com um largo apoio popular nesta opção por destapar claramente os poderes da sociedade angolana", dizendo mais: "As pessoas querem mesmo ir mais longe".
Até onde? "Por exemplo, a seguir às exonerações, avançar para, a existirem razões para isso, processos de investigação judicial para averiguar eventuais responsabilidades criminais" daqueles que ocupam ou ocuparam cargos em empresas e organismos do Estado.
Experiência aconselhará JES a não reagir
Ismael Mateus, analista político e jornalista, não tem dúvidas de que o ex-Presidente, "que, para além de pai, é um político muito experimentado", sabe que o apoio que o seu sucessor tem no país, dentro e fora do MPLA, lhe retira espaço para sair em defesa dos seus filhos.
Com este sortido de mexidas que visaram cargos e contratos, seja de Isabel dos Santos, na petrolífera estatal, de Tchizé dos Santos e José Paulino dos Santos, 'Coréon Dú', na gestão da TPA 2 e TPA Internacional, na Bromangol, ligada a José Filomeno dos Santos, ou ainda, envolvendo também este último, no Fundo Soberano, para onde se esperam movimentações nos próximos dias, ou mesmo horas, enfatiza Ismael Mateus, "o Presidente João Lourenço deixa claro que é ele quem manda".
João Lourenço manda e, nota ainda o analista, mostra à evidência que "não se coloca aquela possibilidade de que o país viveria uma liderança partilhada", segundo a qual João Lourenço teria a sua acção, enquanto Chefe de Estado, condicionada por José Eduardo dos Santos (JES) a partir do cargo de presidente do MPLA.
"E não nos podemos esquecer que o slogan que acompanhou a campanha eleitoral - "Mudar o que está mal, melhorar o que está bem" - não é de João Lourenço, é do MPLA", disse, acrescentando que este foi definido sob a liderança de JES, o que ajuda a entender que o próprio sabe que "o melhor é deixar João Lourenço governar, resguardando-se" por forma a não condicionar o seu legado.
Questionado sobre o que se espera agora de José Eduardo dos Santos, Ismael Mateus é de opinião que este deverá deixar também a liderança do MPLA já no início de 2018, até porque, reafirmando a ideia de que se trata de "um político muito experiente", sabe que dentro do MPLA se está a impor claramente a convicção de que é João Lourenço que comanda o país.
Mas o jornalista admite que o "partido" se esteja a confrontar com uma ala constituída por pessoas que não estão satisfeitas, porque "só conseguiram crescer como políticos influentes e empresários importantes graças a expedientes apenas possíveis na governação de José Eduardo dos Santos" e que agora possam ou estão a ver o chão fugir-lhes debaixo dos pés.
Ismael Mateus admite que haja "pessoas preocupadas no MPLA porque viveram sempre à sombra do ex-Presidente e que a sua saída pode significar a sua exclusão da cena política" nacional.
"Mas José Eduardo dos Santos está também a observar que João Lourenço tem vindo a preparar as pessoas, nos seus discursos, para estas medidas, referindo-se às exonerações, mas também às que visam alterar a estrutura macroeconómica do país, enquadrando-se aqui, por exemplo, o recentemente conhecido Plano Macroeconómico de acção para ser aplicado até Março de 2018, que inclui medidas que podem ser, como o próprio Governo admite, impopulares.
Sobre eventuais problemas internos no MPLA ou no país, o analista é peremptório: "Não vai acontecer nada!", porque João Lourenço "tem o apoio claro da população e tem controlo absoluto no seio do MPLA".
Governo cumpre Programa de Governo do MPLA
Sobre a actualidade política nacional, Paulo de Carvalho, sociólogo e analista que integrou a lista de candidatos a deputados pelo MPLA, lembrou, em conversa com o Novo Jornal Online, que o programa que está a ser executado pelo Governo de João Lourenço é o Programa de Governo do MPLA e que, "seguramente", as recentes mexidas ocorridas em empresas estatais estão enquadradas por esse mesmo documento.
O sociólogo nota ainda como "natural" que as pessoas mantenham alguma dificuldade em interpretar a actual situação política porque, durante muitos anos, os cargos de Presidente da República e de presidente do MPLA eram ocupados pela mesma pessoa.
"Hoje não é assim. São dois cargos com as suas funções devidamente separadas e ocupados por duas pessoas distintas", sublinhou.
Paulo de Carvalho é ainda de opinião que o Presidente da República não tem quaisquer condicionamentos na sua acção governativa, e que "isso vê-se facilmente pela forma como tem tomado as medidas sem entraves de qualquer espécie".