Este crédito adicional ao OGE respeitante ao exercício económico de 2021 é afecto ao Ministério da Indústria e Comércio e será concedido em função das necessidades de pagamento de tesouraria, determina o decreto presidencial 14/22.
Mas recuemos: No dia 10 de Dezembro de 2021, o Presidente da República autorizou um primeiro crédito adicional ao OGE, no valor de 15,5 milhões USD, também para o pagamento das despesas de reabilitação e expansão das infra-estruturas de apoio à gestão da Reserva Estratégica Alimentar, cuja operacionalização foi posta em marcha no final do ano, com o objectivo, segundo o Executivo, de "garantir a aquisição, armazenamento e distribuição de mais de 520 mil toneladas de produtos alimentares" .
A gestão dessa Reserva Estratégica Alimentar foi entregue à Gescesta, empresa constituída em Maio do ano passado (mas cuja escritura foi publicada em Outubro), com um capital social de 100 mil kwanzas, distribuídos por duas quotas iguais, divididas pela Gemcorp e pela Tools and Foodservice, Lda, que tem por trás o grupo Carrinho.
Também no final do ano, o coordenador de gestão do Entreposto Aduaneiro de Angola, Eduardo Machado, afirmou que, a partir dessa altura, é esperado, todas as semanas, pelo menos um carregamento com 30 a 35 mil toneladas no âmbito da operacionalização da Reserva Estratégica Alimentar (REA).
Foi o que aconteceu última semana de 2021, quando um navio com 30 mil toneladas de açúcar a granel chegou ao País, sendo seguido por outro com 35 mil toneladas de milho, que desapareceram "misteriosamente" depois de um camião ter sido alvo de um assalto.
A Reserva Estratégica Alimentar (REA), segundo o Executivo, prevê disponibilizar ao mercado 11 produtos da cesta básica de modo a "influenciar a baixa de preços", mas, por agora, apenas uns quantos, estão a ser colocados no mercado - os que são importados pela Gescesta, empresa que gere este "banco" de alimentos.
No dia em que foi apresentada a REA, perto de uma centena de funcionários do Entreposto Aduaneiro de Angola (EAA), em Luanda, que denunciam alegados despedimentos arbitrários e gestão danosa, forçaram a transferência do acto de lançamento, exigindo os empregos de volta, depois de terem tido acesso a uma circular da comissão de gestão do EAA que determina a redução da força de trabalho presencial e limita o acesso dos trabalhadores à instituição já a partir desta terça-feira. O coordenador da comissão de gestão do EAA afirmou mesmo que a nova entidade gestora, a Gescesta, "está no direito de trazer os seus meios técnicos e humanos e poderá ou não fazer recurso dos quadros do entreposto" (ler aqui).
A Gemcorp em Angola
A Gemcorp tem negócios com o Governo angolano desde 2015. Até ao final de 2018, com Archer Mangueira como ministro das Finanças e Valter Filipe como governador no BNA, a Gemcorp assinou com Angola - MinFin e BNA - acordos de financiamento na ordem dos 5 mil milhões de dólares. Foi também nesta altura que se tornou o maior gestor de activos externos do BNA, ao mesmo tempo que era também um dos maiores credores do banco central angolano.
Muitos dos seus negócios no País foram ruinosos para o Estado, conforme pode ler aqui, aqui e aqui, em reportagens que demonstram que parte destes financiamentos foi utilizada para a importação de bens alimentares e medicamentos, sendo a Gemcorp, através dos vários tipos de empresas que possui, simultaneamente gestora, intermediária, mutuante, trader e importadora.
Esta holding com sede em Malta, um dos principais paraísos fiscais da União Europeia, está também ligada, por exemplo, à refinaria de Cabinda, projecto avaliado em 920 milhões de dólares, sendo a GemCorp simultaneamente financiadora e proprietária. O projecto obteve a aprovação de vários benefícios fiscais (ler aqui, aqui e aqui) e está a ser construído pela Odebrecht, que também regressou em força ao País.
Grupo Carrinho
O grupo Carrinho tem vindo a ganhar notabilidade empresarial sobretudo desde que, em 2019, o próprio Presidente inaugurou um complexo industrial, um investimento de cerca de USD 600 milhões, com 17 fábricas, 15 das quais voltadas para a produção de bens alimentares e duas de bens não alimentares, segundo avançou a Angop na altura.
A Carrinho, fundada pela empresária Leonor Carrinho, beneficiou desde então de garantias soberanas do Estado.
A 17 de Dezembro voltou a ser notícia, ao comprar, por 29,3 milhões de dólares norte-americanos, o BCI, como pode ler aqui. Seguiu-se a entrega da gestão da Reserva Alimentar, o que a que o Presidente da República viesse a público negar qualquer favorecimento do Estado ao grupo Carrinho, bem como aos grupos Gemcorp, Mitrelli e Omatapalo.
"Fui eu que inaugurei em Benguela a indústria de transformação de produtos alimentares que creio ser a maior do País. Que eu saiba, o Estado não pôs um tostão nesse projecto do grupo Carrinho. Eles recorreram aos capitais privados que foram juntando ao longo dos anos e obviamente que não eram suficientes para erguer um gigante como aquele, por isso recorreram à banca comercial. E se a banca comercial confiou significa dizer que tem credibilidade, senão, a banca comercial não arriscaria", afirmou, num encontro com alguns jornalistas (ler aqui).
Mais recentemente, como o Novo Jornal informou, o grupo Carrinho passou a assegurar também o programa "merenda escolar" em 53 municípios. Serão, segundo o Executivo, 200 mil lanches por dia, distribuídos por 996 escolas, durante três anos, que custarão aos cofres do Estado pelo menos 3,5 milhões de dólares por ano.