Donald Trump não quer mesmo deixar a guerra prolongar-se na Ucrânia e já confirmou que é com a o Presidente russo, Vladimir Putin, num encontro a dois, que vai definir os contornos do processo de cessação das hostilidades no leste europeu, ignorando, para já, os ucranianos.

A realização e preparação de um encontro entre os Presidentes russo e norte-americano logo após a tomada de posse de Trump já está a correr nos meandros dos media alternativos e analistas, mas só nesta quinta-feira é que tudo ficou claro: Putin e Trump estão em contacto.

Foi na sua residência particular em Mar-a-Lago, na Florida, antes da conferência de imprensa que abalou o mundo (ver aqui e aqui) que o Presidente-eleito dos EUA, segundo a Reuters, disse sem muitos detalhes, a um jornalista que se ia encontrar com Putin.

"Ele (Putin) quer-se encontrar e é isso que vai acontecer e já está a ser preparado", disse Trump, naquele que é, sem paralelo, a grande viragem no fluxo da guerra na Ucrânia em perspectiva nos quase três anos que o conflito já leva.

A palavra de Trump

Em pano de fundo a estas surpreendentes, para a generalidade dos jornalistas ocidentais, mas já em discussão aberta nos canais das redes sociais dedicados ao conflito, evolução dos preparativos para extinguir o conflito, está a ideia de que Trump quer mesmo acabar com ele em "24 horas" após tomar posse.

A ideia de 24 horas para acabar com o mais devastador conflito na Europa desde a II Guerra Mundial, que já leva quase três anos e centenas de milhares de mortos de ambos os lados, é vista como absurda, mas para o fazer rapidamente, Trump sabe que é com Putin que tem de falar.

E em Moscovo, este encontro está a ser bem visto, seguindo o rasto das declarações de Vladimir Putin ao longo deste conflito, onde sempre se mostrou disponível para negociar, mesmo que apenas nos termos definidos pela Rússia.

O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, citado pela RT, já veio dizer que Vladimir Putin está dispon+ivel para um encontro com Donald Trump "desde que o Presidente-eleito mantenha o plano de regressar aos contactos formais com a Rùssia".

Peskov adiantou ainda que não estão em cima da mesa quaisquer requisitos especiais por parte do americano para que esse encontro tenha lugar, não se sabendo ainda onde tal poderá suceder, mas é conhecido que há cerca de um mês, o primeiro-ministro da Eslováquia, Robert Fico, ofereceu-se para ser anfitrião desse reencontro entre Putin e Trump.

Trump, a "bela" mais cortejada

Apesar de o Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, estar, desde que Trump ganhou as eleições, nas quais apoiou a candidata democrata Kamala Harris, a tentar cortejá-lo com elogios à sua "força, coragem e inteligência", há muito que Trump tem vindo a deixar claro que prefere falar com Putin que com o ucraniano.

O cenário mais razoável de antecipar por estes dias é que o ainda Presidente dos EUA, Joe Biden, se esforce para enviar o máximo de armamento e dinheiro que puder, faltando ainda cerca de 5 mil milhões USD do pacote de 61 mil milhões USD aprovado em meados de 2024.

E que os aliados europeus da Ucrânia se empenhem em tentar substituir o volume de apoio militar e financeiro que os EUA mantinham desde o início do conflito, a 24 de Fevereiro de 2022, como o demonstra a recente decisão da Noruega em reforçar esse apoio em 2 mil milhões USD.

Sendo que todos os analistas, mais pró-Ucrânia, pró-Rússia ou neutros, coincidem num ponto: sem a capacidade da indústria de armamento e financeira dos Estados Unidos, a Ucrânia está condenada porque a União Europeia, além de cada vez mais dividida, não tem, nem de perto nem de longe, semelhante capacidade.

Além disso, na frente de batalha, as forças ucranianas estão à beira do colapso, com os russos a ganharem terreno ao ritmo mais acelerado em mais de dois anos e meio, e sem que se perceba, como notou recentemente o major-general Agostinho Ciosta, analista militar da CNN Portugal e da RTP3, como é que Kiev poderá resistir sem o apoio norte-americano.

Zelensky vai aceitar a derrota?

Ainda não é certo que Donald Trump vá fechar totalmente a torneira a Kiev assim que tomar posse, a 20 de Janeiro, num prazo de 10 dias, mas ele sabe que a única forma de conseguir um acordo que leve ao fim da guerra, tal tem de passar, seguramente, por Zelensky aceitar a derrota.

Ou seja, Trump não vai conseguir de Putin mais que pequenas cedências de forma a que o "negociador" possa dizer que levou o Kremlin a também aceitar perdas negociais, e que as grandes cedências terão de vir de Kiev, desde a questão dos territórios anexados por Moscovo às garantias de neutralidade no futuro, como a questão da adesão à NATO ficar fora de quaisquer possibilidades.

E, considerando que Zelensky não mostra sinais de aceitar esse tipo de cedências, mantendo, ainda, todo o seu esforço em tentar levar para o seu "campo" Donald Trump, a quem já pediu publicamente que o ajude a "forçar Putin a aceitar as condições" de Kiev para negociar o fim da guerra, o próximo Presidente dos EUA já percebeu que só conseguirá vergar o ucraniano fechando-lhe a torneira.

A ideia que ainda não foi descartada por Trump, que tem sido vendida pelo seu enviado especial para Kiev e Moscovo, o general Keith Kellogg, de congelar a guerra por agora de forma a conseguir espaço e tempo para negociar, garantindo que Kiev fica fora da NATO por 10 a 20 anos, já foi totalmente rejeitada pelos russos.

Putin ainda não alterou as suas condições para aceitar acabar com uma guerra que está, claramente, a ganhar: Kiev deve aceitar que as cinco regiões anexadas, Lugansk, Donetsk, Zaporizhia e Kherson (2022) e Crimeia (2024) são parte inteira da Rússia, o país jamais entrará na NATO, a língua, cultura e religião russas serão respeitadas na Ucrânia que restar da guerra e "a total desnazificação" e desarmamento devem ser igualmente uma realidade...

Putin também terá de ceder para Trump poder brilhar

Entre estes pontos, provavelmente Putin dará para a sua parte de cedências a questão da desnazificação, modelará a parte do desarmamento e poderá ainda ceder que as questões da língua, cultura e religião sejam postas de lado no oeste da Ucrânia.

Já Zelensky, pelo contrário, tem vindo a mudar a rigidez das suas condições, admitindo que a questão territorial venha a ser discutida, especialmente a Crimeia e o Donbass (Lugansk e Donetsk), está receptivo a trocar a entrada, por ora, na NATO por garantias de segurança dadas pelos EUA e aliados europeus, tendo esquecido por completo a questão do julgamento de Putin num tribunal internacional, entre outras.

Para que tal venha a ser possível, recorde-se, o que ainda não aconteceu, o Parlamento ucraniano, a Rada, deve anular a lei aprovada sob proposta de Zelensky de que o Presidente ucraniano está impedido legalmente de negociar com Vladimir Putin, de retirar da Constituição o objectivo maior de adesão à NATO e da extinção dos artigos que proíbem a língua russa no país, a religião ortodoxa russa e a cultura russa, como a literatura, a dança ou o teatro...

Esta informação passada por Trump de um iminente encontro com Putin ocorre quando o ainda secretário da Defesa da Administração Biden, Lloyd Austin, está na Alemanha, na base militar dos EUA em Ramnstein, a receber cerca de 50 aliados de Kiev para analisar o futuro do apoio ao seu esforço de guerra.

Os europeus têm sublinhado, em consonância com o secretário-geral da NATO, Mark Rutte, que se os EUA se retirarem, após a posse de Trump, a 20 de Janeiro, o apoio deve manter-se de forma a garantir que a Ucrânia não colapsa com estrondo, tendo mesmo o chefe da NATO afirmado que o objectivo é "permitir o prolongamento da guerra".

Braço-de-ferro euro-atlântico

O desfecho deste braço-de-ferro entre europeus e norte-americanos na era Trump que se avizinha tem gerado muita discussão em Bruxelas, até porque a divisão é agora mais saliente que nunca, com a Hungria, a Eslováquia e a Áustria a colocarem-se de fora da continuação do apoio a Kiev, e em países como a Roménia, ou mesmo a Alemanha, onde haverá eleições em Março, começam a surgir receios de vitórias de forças políticas anti-guerra.

Olhando para este cenário, onde sobressai a deliquescência do apoio ocidental aos ucranianos, a questão que emerge é saber até que ponto Trump e Putin se vão entender para dar um golpe final no conflito.

Até lá, vai ainda ser necessário confirmar onde será o encontro, sendo os locais mais prováveis para este histórico momento, Budapeste, na Hungria, devido às boas relações do primeiro-ministro Viktor Orban com Putin e com Trump, ou Bratislava, igualmente porque o chefe de governo eslovaco, Robert Fico, é amigo também de ambos.

Há ainda Istambul como possibilidade, visto que foi naquela cidade turca que primeiro russos e ucranianos tentaram a paz, logo em Março de 2022, antes de o então primeiro-ministro britânico Boris Johnson ter feito implodir um acordo que estava iminente, prometendo a Zelensky acesso rápido à NATO e apoio sem limites se optasse pela guerra em vez da paz com Moscovo.

Entretanto, citado pelo britânico The Guardian, o Presidente Volodymyr Zelensky dá mostras de não estar particularmente impressionado com a chegada de Trump à Casa Branca, porque acaba de se vangloriar de poder continuar a guerra por bastante tempo depois de ter recebido garantias de mais 2 mil milhões USD em armas para manter a guerra com a Rússia.

Zelensky insiste

E, ainda segundo The Guardian, Zelensky aproveitou a sua ida a Ramsntein para rogar aos seus aliados para não deixarem de fornecer armas a Kiev por longo prazo, apesar de reconhecer que a cegada de Trump ao poder nos EUA "trará dramáticas mudanças" no quadro dos apoios com que tem contado até aqui.~

E voltou a insistir que o envio de forças militares ocidentais para a Ucrânia seria a melhor forma de travar a invasão russa e "forçar Moscovo a negociar" porque o que "a Ucrânia procura é juntar todas as ferramentas possíveis de forma a obrigar Putin a negociar".

Com a chegada de Trump à Casa Branca, disse o líder do regime ucraniano, "é um novo capítulo que se abre para a Europa e para o mundo inteiro", com mudanças dramáticas para o decurso do esforço de guerra ucraniano.

Também o ministro da Defesa alemão, Boris Pistorius, está ciente de que com Donald Trump a mandar em Washington, nada ficará como dantes, mas prometeu, aparentemente contra a vontade do seu chefe, o chanceler Olaf Scholz, que a Europa "tomará as suas decisões", enquanto a italiana Giorgia Meloni prefere pensar que "Trump saberá balancear as suas decisões com diplomacia".

O chefe do Governo alemão, segundo a publicação Der Spiegel, não quer que seja enviado mais apoio para Kiev e vetou mesmo uma tranche de 3 mil milhões de euros que estavam a ser programados fazer chegar à Ucrânia, o que acrescenta ainda mais turbulência ao apoio europeu aos ucranianos.

Antes do Verão a guerra acaba

Não é possível antecipar em quanto tempo esta guerra vai acabar, sendo certo que não é nas "24 horas" de Trump, mas é possível perceber que, face à vantagem quase total dos russos na frente de batalha, perante o iminente colapso das forças ucranianas, e a desvitalização do apoio popular na Europa ocidental a Kiev (ver links em baixo), se Trump não opar por baralhar e voltar a dar cartas, até ao Verão de 2025 já haverá um calendário claro para o disparo do último tiro.