Isto significa que 66% da área preparada e a totalidade da área cultivada para as restantes operações é trabalhada exclusivamente com instrumentos manuais e à custa de energia humana. E mais, porque essas operações são feitas principalmente por mulheres, a introdução do tractor na agricultura familiar, se não for acompanhada por outra tecnologia, faz com que o trabalho da mulher seja mais penalizado e agravado pelo crescente abandono da força de trabalho masculina jovem em busca de outras oportunidades nos centros urbanos. Este é outro absurdo, que deveria merecer atenção de quem de direito. Apenas 10% das explorações agrícolas familiares usam adubos químicos, 23,4% estrume e 5,1% pesticidas. O consumo de adubos per capita em Angola é inferior a 3 quilos, quando, de acordo com a FAO, o mundial é de 62 e o da África subsaariana é de 8. Na Zâmbia, vizinho com o qual temos certas afinidades ecológicas, mas que dispõe de muito menores recursos financeiros, o consumo per capita é de 67 quilos, mais de 20 vezes superior ao nosso.
Estes indicadores testemunham o atraso e a baixa produtividade da agricultura angolana. Apesar do inegável aumento do seu peso político desde 2017, e do crescimento da produção em 5-6% nos últimos anos, a continuada e persistente existência de pontos de estrangulamento de carácter estrutural e institucional, de recursos humanos, de conhecimento e financeiros estão longe de ser superados.
É verdade que Angola já dispõe de uma agricultura mais avançada do ponto de vista tecnológico com características correspondentes à designada Agricultura 4.0, por oposição à Agricultura 1.0 que predomina largamente no nosso País. É representada por algumas fazendas privadas com níveis de produtividade e de produção relativamente elevados. Porém, a sua expressão é muito reduzida no cômputo nacional, não passam de 30 de acordo com respectiva associação (AAPA), e é-lhe atribuída quota inferior a 20% da produção total nacional. A baixa percentagem (10%) de aproveitamento dos 3,1 milhões de hectares de terras concedidas ao sector privado explicado um absurdo mais que parece não preocupar o Executivo. Por outro lado, em Angola, como noutros países africanos, confunde-se modernização agrícola exclusivamente com um certo tipo de agronegócio. Todavia, as políticas agrárias são pouco estáveis, erráticas e de curto prazo, com reduzida intervenção reguladora do Estado; há fortíssima dependência tecnológica e do conhecimento em relação aos países desenvolvidos; e os efeitos sociais e ambientais são relevantes pela inexistência de salvaguardas sociais e ambientais, ou, quando existem, porque são pouco efectivas.
Contudo, estas anomalias não são exclusivas do sector agrário. São resultado de problemas estruturais e culturais e reflexo da policrise angolana que se arrasta há anos, fenómenos para os quais o Executivo não tem soluções, não me canso de dizer. O deputado Paulo de Carvalho, insuspeito de ser um "crítico", denuncia na sua recente, lúcida e corajosa entrevista, alguns dos males actuais responsáveis, segundo ele, por uma taxa de popularidade do Presidente da República inferior a 40%, a mais baixa de sempre de um presidente em Angola. Ele aponta para a necessidade da comunicação social mudar de rumo, de modo a servir de escape para as frustrações dos cidadãos, pois o que se está a fazer é mau para o MPLA, cujas bases desejam abertura. Outro absurdo, pois, ao fazer letra morta da sua própria divisa - produzir mais e comunicar melhor - a liderança do MPLA não entende que esta política vai contra os seus próprios interesses. Se quase ninguém se revê ou vê a comunicação social pública, para que serve gastar tanto dinheiro com ela?
Foi neste panorama que se relizou a Conferência dos Chefes de Estado da União Africana de Kampala sobre o Programa Integrado para o Desenvolvimento da Agricultura em África (PIDAA). Em 2014, Ano da Agricultura e da Segurança Alimentar em África, numa cimeira de Chefes de Estado africanos em Malabo, estes assumiram o "Compromisso de acabar com a fome até 2025", e, para esse fim, se propuseram afectar 10% dos seus orçamentos de Estado para conseguir o crescimento agrícola através da duplicação da produtividade. Ao longo do tempo transcorrido desde Malabo, o Executivo angolano não deu qualquer importância ao assunto, em nenhum documento de política se notou qualquer referência ao mesmo - as únicas excepções foram documentos da ADRA ou textos de opinião de membros seus. Preparou a participação angolana em Kampala na maior confidencialidade e sem envolvimento do sector não estatal, o que fez com que o nosso País, ao contrário de muitos outros, primasse pela ausência de actores não-governamentais. No seu discurso na abertura da conferência, o Presidente João Lourenço afirmou: "Apelamos para a necessidade de honrarmos o compromisso assumido na Declaração de Malabo, de afectarmos pelo menos 10 por cento dos orçamentos nacionais à agricultura, mesmo sabendo dos condicionalismos de natureza financeira que todos enfrentamos". Como fazer esse apelo com os níveis orçamentais da despesa de Angola, sempre inferiores a 2% do OGE nos últimos anos (o de 2025 é de 1,9%) e com uma execução quase sempre abaixo dos 70%, despesa essa com qualidade muito questionável?
No rescaldo da Conferência de Kampala ouvimos as habituais promessas, e bem que gostaria que desta vez não fossem ilusões. Mas a nossa trajectória e o passado recente não me deixam optimista. Embora esta afirmação possa parecer um lugar comum, Angola precisa de uma mudança de paradigma. Que permita encontrar um modelo de desenvolvimento agrícola que tenha em conta as realidades do País e a resolução dos pontos de estrangulamento de atrás referidos. Que acabe com projectos megalómanos sorvedouros de divisas e quase sempre ineficazes e ineficientes. Que tenha suporte em leis e planos que considerem as circunstâncias económicas e sociais e sejam exequíveis; que tenha em conta a diversidade de actores e os seus interesses diferenciados tendo em vista os grandes objectivos nacionais e locais; que ponha cobro à interferência político-partidária e às relações promíscuas entre o Estado e os políticos-empresários, enfim, que garanta a independência dos tribunais. Um paradigma que faça uso da comunicação social para a mobilização e motivação dos actores para a batalha da produção.
Angola produz manga de excelente sabor, muita dela de variedades importadas, e alguns empresários já exportam. Uma das variedades mais apreciadas, que eu saiba, é autóctone e conhecida no mercado informal como manga da Cabala. As zungueiras, no seu alegre cantar, já só precisam de gritar "é cabala!", para os potenciais compradores perceberem. A qualidade tem vindo a melhorar ao longo dos anos, mas sem qualquer intervenção de instituições do Estado ou dos grandes empresários, que seria preciosa para se combater a mosca da fruta que prejudica essa qualidade. Dou este exemplo para fundamentar as minhas propostas. Com coisas simples, é possível ajudar os produtores da Cabala, estimular o mercado e o consumo e pensar, quem sabe, na exportação. Onde está o problema, senhores?