O recebimento de dinheiro sem mérito é o mesmo que a emissão de dinheiro em vazio, ou ainda, sem lastro. Quando alguém recebe dinheiro derivado da corrupção, não há troca de bens ou serviços, provocando o aumento da quantidade de meios de pagamento em circulação na economia, sem o correspondente aumento de mercadorias, ou serviços que estes meios podem comprar ou adquirir.

Um exemplo pode clarificar melhor essa asserção: suponhamos que um funcionário corrupto recebe 10 milhões de kwanzas e usa parte do dinheiro para comprar um carro. O vendedor de automóveis pode agora adquirir roupa nova, o que coloca dinheiro nas mãos do comerciante de roupas, e assim por diante, colocando a cada momento mais pressão sobre os preços domésticos, uma vez que agora há mais pessoas a exigir mais carros, roupas, etc. Mas num ambiente de oferta limitada de produtos, não haverá oferta de carros suficientes, nem haverá oferta de roupas suficiente (particularmente na realidade de não haver produção nacional), pelo que, com o aumento da procura, os preços sobem. Eventualmente, poderá haver um aumento na importação de mais carros e mais roupas, mas, nessa altura, a inflação terá corroído a economia. Portanto, o dinheiro que as pessoas adquirem impulsiona a procura de produtos e serviços para os quais nem sempre existe a correspondente oferta, forçando o desequilíbrio entre a oferta e a procura, o que, como se sabe, força para cima a variação de preços. Sendo a moeda também uma mercadoria sujeita a mecanismos de oferta e procura, também é pressionada com os dinheiros da corrupção, porquanto, força a procura de moeda externa. São os dinheiros ganhos sem mérito que forçam os preços imobiliários para cima, pois como ouvimos nos casos de corrupção mediático trazidos pela comunicação social, os bens apreendidos figuram património imobiliário (casas), veículos de luxo e outros bens que até são escassos, forçando mesmo a pressão sobre os preços.

O recebimento sem mérito tem ainda o efeito negativo na economia, na medida em que generaliza a percepção de que o aproveitamento compensa, o trabalho não compensa. Por isso, os actos de corrupção, quando detectados, devem ser exemplarmente punidos. Estou recordado da condenação exemplar de um Senador do Estado do Alasca, nos Estados Unidos da América. Ele recebeu luvas de companhias de exploração de petróleo ao privilegiar algumas delas na obtenção de concessões de exploração no Alasca. Quando denunciado por uma investigação jornalística, foi acusado, julgado e condenado a 35 anos de prisão efectiva. Também acompanhei a desgraça do ex-primeiro-ministro canadiano Brian Mulroney, do partido Conservador, fora acusado de ter recebido luvas da Airbus, tendo caído em desgraça desde então.
O roubo e/ou o peculato acontece essencialmente por 3 razões: a primeira razão é a oportunidade; a desorganização contribui para que as pessoas se aproveitem. Diz-se que o bagre é apanhado em água turva. A segunda razão é a racionalização; as pessoas racionalizam dizendo que todos roubam neste País, e que estão apenas a tirar um pouquinho. As histórias contadas pelos programas televisivos "Banquete" e "Caranguejo", contribuem, ainda hoje, para que as pessoas racionalizem o roubo. Vê-se com frequência pessoas a roubar cargas de camiões carregados de mercadorias, com o argumento de que pertence aos gatunos de coisas maiores.

A terceira razão é a de querer viver a vida dos outros; alguém que tem rendimento para suster um Hyundai i10, compra um Toyota Land Cruiser GXR, ou o Range Rover, cuja manutenção custa um balurdo de dinheiro, ou ainda, como é costume entre os africanos, arranja mais uma mulher. Para suster esse estilo de vida, vai pegar no que não lhe pertence.
Creio que não bastará apenas a punição, tem de se trabalhar os aspectos educativos sobre o não pegar em coisa alheia. Aprendi que roubar é pecado, e, além disso, se fosse apanhado a mexer em coisas alheias, apanhava uma boa sova. Hoje, na sociedade angolana, o mexer em coisa alheia passou à norma, enquanto a honestidade, à excepção de uma minoria. A corrupção passou a ser um fenómeno normal na sociedade angolana. Contei, numa das minhas reflexões neste espaço, a história dos roubos nas lavras no vale da Catumbela. Dessa vez fui também vítima, roubaram na minha horta mais de 200 maçarocas, na calada do feriado prolongado do 4 de Fevereiro. Felizmente, não teve grande impacto na colheita total. Esses roubos têm também um impacto muito negativo na pressão dos preços no mercado, pois os produtores agrícolas depois ficam desincentivados a aumentar a produção, o que tem implicação na oferta de produtos, consequentemente, a redução da oferta, que tem impacto no aumento dos preços.

Os esquemas de sobrefacturação são uma prática muito utilizada pelos corruptos e corruptores, e, tem, igualmente, um impacto muito negativo. Para além dos males já referidos, os de aumentar o bolso de quem não fez nada, tem a consequência de que, o corrupto, ou vai reduzir a qualidade do serviço para o qual foi contratado, ou reduz o volume de bens que devia entregar. No entanto, o maior impacto negativo está na qualidade do serviço. Vejamos, em Angola, o que se designa de obras descartáveis. Endividou-se o País com a reconstrução de estradas e pontes. Muitas das estradas, passado menos de um ano, voltaram a estar esburacadas, hoje, temos a malha rodoviária, essencial para impulsionar o crescimento económico, totalmente degradada, a exigir o dispêndio de avultadas somas de dinheiro do Orçamento Geral do Estado (OGE), para a sua reabilitação. Essas acções implicam que o Estado volte a gastar avultadas somas de dinheiro em obras que já tinham sido feitas. Este tipo de comportamento dos servidores públicos empurrarou o País para a situação que nos encontramos hoje, em que 49,8% da despesa destina-se a pagar a dívida, o que faz com a moeda nacional, o Kwanza, perca valor todos os dias, impactando os preços gerais.

Em 2010, altura que regressei da diáspora, uma nota de $100 trocava-se a 10 mil Kwanzas, a data que escrevo esse texto, uma nota de $100 é trocada próximo dos 100 mil Kwanzas na banca comercial e cerca de 120 mil Kwanzas no mercado informal.
Outro grande mal que a acumulação de dinheiro sem mérito faz é o seu mau direccionamento. Geralmente, como esse dinheiro não custou ganhá-lo, os seus detentores usam-no de forma supérflua, desperdiçam-no, comprando coisas que não têm valor, por norma bens de luxo que são importados. Já li nas histórias da corrupção de Angola tornadas públicas, que alguém tinha 900 fatos e mais de 700 pares de sapatos. Faz algum sentido que alguém possua essa quantidade de roupas e calçados? O dinheiro nas mãos dos endinheirados, como os chamou o escritor moçambicano Mia Couto, não tem utilidade até mesmo para quem o detém, pois até para o gastar não se sente à vontade. Uma das características do dinheiro ganho com mérito é o merecimento, esse individuo não se sente merecedor pelo esforço feito de que resultou na situação de prosperidade, pelo contrário, com o dinheiro da corrupção, a pessoa vive assombrada, não se sente merecedora.

A corrupção deve ser considerada um crime contra a humanidade, pelos danos que causa às sociedades. Alguém que sobrefactura a construção de uma escola, ou posto de saúde, ou a construção de uma estrada, quando apanhado devia ser severamente punido. Aqui, questiono-me obre qual tem sido o papel dos órgãos de segurança. O ex-primeiro-ministro da Singapura, Lee Kuan Yew, foi implacável contra a corrupção no seu pequeno país, disse, uma dessas vezes, que «estamos os mandar para a cadeia, mas continuam a roubar, agora vamos mandá-los para o cemitério». Sabe-se também como o Presidente Paul Kagame, do Ruanda, trata os corruptos no seu pequeno país, é implacável. Os dois países citados são exemplos de progresso económico, frequentemente citados na literatura económica. Não sou a favor da pena de morte, mas os casos de corrupção merecem um tratamento severo! Não os condenaria à prisão perpétua, pois gastariam dinheiros públicos para a sua manutenção. Haveria de encontrar uma forma própria de os enviar para o inferno! Os casos de corrupção que se ouvem pelo continente africano adentro são deploráveis, causam muito sofrimento às pessoas.

A inflação é um mal devastador para a economia. Referi em artigos passados as consequências da instabilidade macro-económica, que se manifesta por altas taxas de inflação, desemprego e fraco crescimento económico. Os decisores de economia estão, com razão, focados na consolidação fiscal, no controlo da massa monetária em circulação (agregados M1 e M2), na austeridade para redução dos gastos públicos e na diversificação da economia, para o aumento da produção nacional. Porém, sem um controlo interno efectivo do uso dos dinheiros públicos, para reduzir o descaminho dos dinheiros, ou seja, dos actos de corrupção lesivos ao interesse público, que estão sempre presentes, não se conseguirá inverter o quadro das elevadas taxas de inflação, pois no caso de Angola, os desvios de dinheiros públicos têm sido  recorrentes e expressivos.