De facto, Macron tentou mostrar, contrariando o que se vem ajuizando no Continente e no seu próprio país, que a França está activa e pujante nas suas relações com África, e que procura reafirmar-se no Continente face às continuas e naturais investidas das grandes potências (EUA, Rússia e China) e, agora dos novos players internacionais, como são os casos da Índia, Turquia e EAU (principalmente destes dois últimos, que emergem como grandes fornecedores de material bélico, em particular no Ghana, Nigéria e RDC - drones -, ou com Angola - navios de guerra, num acordo de mil milhões de euros para o fornecimento de corvetas BR71 MK II; mas não esquecendo que França também se apresenta, e sempre, como uma potencial candidata a fornecimento de material militar).
Uma visita onde Macron tentou mostrar mostrou que a nova estratégia de França para África é para levar a sério. Aliado - e é bom não o esquecermos, - ao facto de a França ir, em breve, a eleições e Macron estar com uma popularidade muito baixa (a questão das reformas dos franceses - uma das mais baixas, se não mesmo a mais baixa da Europa - de aumentar de 62 para 64 anos, tem sido a que mais impacto, ultimamente, está a ter). Uma vitória diplomática pode ser - em regra, é quase sempre - um passo importante para uma boa recandidatura.
A nova estratégia procura deixar para trás ou deseja fazer esquecer a ancestral política da Francafrique (a do domínio reservado e que foi recordado e reafirmado pelo Macron, há cerca de 5 anos, na Universidade de Ouagadougou, Burkina Faso) e avançar para uma nova política de parcerias e investimentos estratégicos com África.
Os recentes Golpes de Estado, na África Ocidental (Mali - que levou ao fim da operação militar franco-maliana Barkhame -, Burquina Faso e Guiné), aliados às sucessivas críticas da presença de militares e bases militares franceses no Continente (Côte d" Ivoire, por exemplo), foram - têm sido - alguns dos leitmotiv para esta nova política.
Acresce que Eliseu definiu que França carece de novos players em África, a que denominaria e Pays Partenaires Africains - ou, usando a mesma terminologia adoptada pelos EUA na sua US Africom, de uns News African Nations Partners - em que Senegal, Nigéria, Quénia e, agora, Angola se assomem como os vértices destes "novos parceiros estratégicos" para as e nas novas parcerias.
Parcerias que Paris considera, repito, terem de ser baseadas em relações "responsáveis e equilibradas", nomeadamente em áreas como o ambiente, agricultura (celebradas no Gabão) e saúde e em investimentos estratégicos que os países africanos considerem necessários e França tenha capacidade para os concretizar.
Dois factos - diria, os dois mais importantes factos - destacam desta visita:
i) Em Angola, a assinatura de vários acordos comerciais - não esquecer que, no período económico, entre 2020 e 2022, as relações comerciais entre Angola e França ascenderam a cerca de 3,7 mil milhões de eurouros - e empresariais, com especial relevo para a assinatura do acordo que Luanda celebrou com a Airbus para a construção do novo satélite, este de observação terrestre (o Angeo-1);
ii) e para as conversas com o Presidente Tshisekedi - ainda que, por vezes, pouco cordiais - e, sobre a situação na RDC, em particular no Leste do país, com os ataques do M23 e ao propalado - já confirmada pela ONU - apoio do Rwanda a estas milícias para o que Macron optou por nada se referir ou criticar o apoio de Kigali - não esquecer que várias empresas francesas operam no Rwanda, entre elas a Elf-TotalEnergie, que é, igualmente, protegida pelas forças rwandesas em Moçambique. No entanto, Macron não deixou de considerar, diplomaticamente, que a situação político-militar no Leste da RDC tinha de ser revertida para o melhor equilíbrio pacífico do Continente e na área.
Mas como, por vezes, muitas vezes, a diplomacia faz-se em corredores e em lugares incomuns e discretos, o certo é que, pouco mais de 24 horas após a visita, Luanda afirmou que o M23 aceitou um cessar-fogo na RDC - por quanto tempo, veremos mais adiante no tempo... -. Talvez um gesto simpático de Kagame para Macron por este ter optado pelo silêncio às críticas de Kinshasa a Kigali (mas não se calou, visivelmente incomodado, quando Tshisekedi reafirmou que a França teve impacto directo no genocídio burundi-rwandês)
A discrição é a melhor conselheira da diplomacia, e os bons resultados desta, não poucas vezes, reflectem-se nos actos eleitorais, principalmente se os habituais parceiros estão de costas voltadas para a habitual potência "protectora" e se as críticas a Paris são contínuas, em particular, junto dos referidos países onde acorreram os Golpes de Estado que, não esqueçamos, foram e são assessorados por agentes do grupo para-militar russo Grupo Wagnera, ou grupo Wagner (como é habitualmente reconhecido).
De qualquer forma, este ciclocross de Macron parece ter sido o princípio de uma nova era das relações franco-africanas. E os 4 países centro-africanos, Gabão, Angola, Congo e RDC, foram o primeiro passo.
Veremos quais serão os próximos. Talvez uma vista ao Senegal para reafirmar a inconveniência de Macky Sall procurar soluções que lhe permitam ir a um terceiro mandato, torneando os condicionantes jurídico-constitucionais - algo que parece, nos últimos tempos, muito em voga em certos sectores políticos do Continente ...
NOTA: Este texto foi escrito pouco após esta visita de Macron e, por esse motivo, factos que tenham ocorrido e que possam levar a outras interpretações e, ou, análises posteriores, serão naturais. n
*Investigador Integrado do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE-IUL (CEI-IUL) e Investigador-Associado do CINAMIL e Pós-Doutorado da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Agostinho Neto**
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