O seu assassinato foi malvado, conta-se que foi lançado ao mar, um lugar de não retorno, assim referem afirmações jamais contrariadas. Este procedimento, esconder a vítima perpetuamente, não foi original, já tinha sido experimentado noutras paragens de má memória. Fazer sumir alguém, para lá do desaparecimento forçado, que pode vir a ser descoberto, é uma maneira de evitar as sepulturas, que se podem converter em lugares de culto, propensos a peregrinações devotas que incomodam os poderes.
Sendo assim, não há um santuário erguido para Nito Alves onde possam ocorrer rituais de veneração, mas, vão-se ouvindo cada vez mais alegados seguidores que, avessos aos princípios ideológicos por ele reconhecidos; «esta minha aquisição político-ideológica», assim o afirmava, se autoproclamam «Nitistas», como se alguma vez Nito Alves tivesse professado outra convicção que não aquela que os seus ditos seguidores abominam. É interessante observar que muitos dos seus críticos, assim como, alguns dos seus detratores, o consideram patrono do legado «Nitista». Dentre estes, há-os, sobreviventes à mortandade, resultante do 27 de Maio de 1977, que se julgam «Nitistas», e também atribuem os seus infortúnios à cor da sua pele, apoiando-se no facto, real, de muitos dos mentores e seus prosélitos na repressão, terem sido mestiços ou brancos. É evidente que o «27» não foi um ajuste de contas de contornos raciais, mas, se recuarmos no tempo, quando em 1962, Viriato da Cruz, então secretário-geral do MPLA, propôs um recuo táctico com afastamento dos de tês clara, ele incluído, dos órgãos diretivos do MPLA, pois à época a África não via com bons olhos um não negro ao leme do movimento de libertação nacional, foi Agostinho Neto que, ao se apoderar da direcção do movimento, catapultou os mestiços de novo para o poleiro, gerindo assim uma conveniência que o deixou sossegado quanto a eventuais cobiças à sua cadeira, concedendo-lhes em troca, um lugar cimeiro e perene no núcleo duro da organização. Quando em 1977 o «27» se deu, lá estavam eles, os mestiços, mas também os brancos e os negros, quer na preparação quer na repressão, a malhar nos negros e também nos outros. Para quem ainda não entendeu o processo, e confunde a luta de classes com racismo, recomendo a consulta à sétima das treze teses que Nito Alves escreveu em sua defesa:
«Há mesmo, entre elas [forças de direita] elementos com sérias responsabilidades neste processo, que ainda hoje vivem tristes, melancólicos, pesarosos por não serem negros numa Angola independente. Outros igualmente miseráveis, continuam a viver o sonho reacionário do privilégio e da supremacia raciais que a cor da sua pele ganhou na época do colonialismo. E outros ainda ostentam o seu oportunismo por serem negros»[1].
No aniversário de Nito Alves, não posso deixar de salientar a crueldade como o maltrataram e o destino traiçoeiro que deram aos seus restos mortais, e 40 anos passados, fazerem a entrega à família, com pompa e em urna fechada, - que restos mortais? - sem que se saiba como os foram resgatar ao fundo do mar. Contudo, como também presenciei uma equipa forense angolana, no Huambo, certificar e identificar ossadas recém exumadas, antes mesmo dos ossos serem sujeitas ao teste de ADN, aliás, uma tecnologia que Angola não dispõe, afirma-o o Professor Duarte Nuno Vieira, uma entidade neste assunto e fora de qualquer suspeita, posso concluir que Angola tem tecnologia secreta, o que, para os tempos que correm com a entrada em cena de novas tecnologias, não deixa de ser uma hipótese a considerar.
Face ao que acabei de descrever, isto é, encontrando-se o Estado Angolano em condições de entregar restos mortais difíceis de exumar, ( do mar não há retorno) mas fáceis de identificar, ( a técnica secreta ) então, as famílias dos restantes desaparecidos também consideram reclamar os seus entes, já que as suas identidades não provocam alarido social e podem ser sepultados em qualquer cemitério, sem animarem romarias ou outros género de tumultos. Então, as famílias crédulas pedem as certidões de óbito, estas são-lhes entregues, mas não satisfazem, estão incompletas, não revelam quer a causa, quer o momento da morte e tão pouco o seu autor, e, cúmulo do descaramento, não se fazem acompanhar dos respectivos restos mortais, o que impede a realização dos funerais, e por isso, é meu parecer, as famílias não as devem aceitar. Observem a subtileza ilusionista, que foi a entrega dos restos mortais de Nito, e de alguns outros desaparecidos; douraram a pílula, uma maneira subtil de convencer os renitentes e fizeram o gato passar por lebre. Foi um espectáculo aterrador, digno da mais indecente propaganda. Um Estado maduro e democrático não engana os cidadãos, fala verdade, procede de acordo com as regras internacionais, assume o erro, quando assim tiver que ser, pede perdão como já o fez, mas ao amnistiar e proteger os algozes e os seus mandantes, acaba a fomentar a impunidade.
Reabilitar-lhe o nome e ilibá-lo das transgressões que lhe assacaram, podia ter sido um grande passo, e estaríamos hoje, neste dia de aniversário a celebrar; porque foram abertos os arquivos da DISA e do MPLA, porque finalmente acedemos aos documentos, porque foram exumados os corpos abandonados nas valas comuns, porque se identificaram as causas, os momentos e os responsáveis pelas mortes, porque foi erigida uma comissão de verdade, e porque finalmente foi posto um ponto final na impunidade que gozam os mandantes e os algozes do morticínio. Conheceu-se a verdade e foi feita justiça, porém, caro Comandante, nada disto aconteceu, o País, entretanto, mudou de nome, já não é Popular, o MPLA é o mesmo, mas com outro nome, o líder também é outro e quanto à ideologia professada, creio não ser nenhuma, o que só por isso já o é, não se cumpriu o prometido e afinal Comandante, tinhas razão;
«Mas sabemos
que nas mãos venenosas de certos renegados da Pátria
jazem chaves destas portas fechadas.
A História fará justiça». [2]
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1" title="">[1]</a> Nito Alves, MPLA - A Revolução Traída, 13 Teses em Minha Defesa, pag.110
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2" title="">[2]</a> Nito Alves, Memória da Longa Resistência Popular, Portas Fechadas - I Região - Outubro de 1970.