Marlon tem nome de actor, mas não faz cinema. A sua vida, contudo, dava um filme. Aos 27 anos de idade, o jovem, filho de pai angolano e mãe cubana, está a um passo de concretizar um dos seus sonhos: fazer o mestrado numa das melhores universidades do mundo.

Cumpriu, com êxito, o difícil percurso que é necessário percorrer para ingressar no mestrado em Economia e Estratégia de Negócios no Imperial College London.

A entrada é feita por convite da própria universidade, depois de ultrapassado um conjunto de etapas. São milhares de candidatos de todo o mundo a disputar as 50/60 vagas disponíveis.

A percentagem de aspirantes que concluem o complicado processo de selecção ronda os 15%. Marlon é um deles. Mas está com um pé dentro e outro fora, por falta de dinheiro para pagar a propina. Só precisa de um empurrão.

Se até Setembro de 2016, não conseguir ajuda, perde o lugar. Para quem se habitou a lutar por objectivos, este é só mais um na vida deste angolano, nascido em Cuba.

O jovem arregaçou as mangas e foi à luta. Inspirado pelas palavras da empresária Isabel dos Santos - que reconheceu numa entrevista à BBC, dada em 2015, que Angola tem de fazer mais na Educação - Marlon resolveu escrever para várias instituições do Governo a pedir ajuda. Só que até hoje nenhuma respondeu.

O jovem tentou também a Embaixada de Angola em Londres. Mais uma vez veio de mãos a abanar. A sua mãe procurou apoio na embaixada de Angola em Lisboa, mas a directora do sector "disse-lhe que não podia fazer nada e deu-lhe o e-mail do Departamento de Bolsas em Angola". Mas os vários e-mails que já enviou para o INAGBE nem sequer entram na caixa de e-mails da instituição.

De Cambridge, onde Marlon vive com a namorada, seguiram cartas para mais de duas dezenas de instituições, empresas e até particulares. Mas o silêncio continua a imperar.

Isabel dos Santos, eleita uma das mulheres mais influentes do mundo, afirmou na entrevista à BBC que se alguém quiser ajudar África, no capítulo da Educação, "tem de procurar encontrar a melhor forma de criar mais universidades" e "aumentar o conhecimento académico". Marlon fez a sua parte. Ao contrário de muitas pessoas com talento, mas que têm medo de arriscar, foi à luta. Arriscou e está disposto a retribuir a ajuda.

Marlon tem até Setembro para agarrar o mestrado, altura em que tem de pagar a primeira prestação da propina de 26 mil libras (37.500 dólares). A segunda prestação, no montante de 13 mil libras, é regularizada até ao final de Janeiro de 2017. São valores significativos, mas é preciso notar que se trata de um mestrado numa das universidades mais exclusivas do mundo.

QS Higher Education System Strength Ranking de 2014/2015, o Imperial College London ficou classificada em segundo lugar, ao lado da Universidade de Cambridge, com uma pontuação de 99.4. Acima só o MIT (Massachusets Institute of Tecnology), nos EUA, que liderou o ranking, com 100 pontos.

Com 14.400 alunos de 126 países, dispersos por 242 cursos, em 2014, o Imperial College foi fundado em 1907. Junto com Cambridge e Oxford forma o triângulo dourado das universidades britânicas. O seu corpo docente conta com 14 prémios Nobel.

O mais difícil já está

Até conseguir o convite do Imperial College London, que chegou no dia 24 de Abril, Marlon teve de enfrentar um duro processo de selecção. "A candidatura foi complexa. É um processo de muita ansiedade e impaciência, mas no final consegui. Fizeram-me uma oferta", resume.

A síntese esconde muitos obstáculos que teve de vencer, num processo de candidatura baseado em Rolling Admissions. Isto significa, como explicou ao Novo Jornal, que "assim que a universidade escolhe os melhores candidatos as vagas encerram".

Primeiro há que concluir a licenciatura com, pelo menos, uma média de 70 (o equivalente a 17-18, em Angola). Embora Marlon tenha concluído a licenciatura em International Business Strategy (estratégia de Negócios Internacionais) com a melhor nota da turma, isso não garante entrada à partida, porque pode haver vários candidatos com excelentes classificações finais.

"Os alunos seleccionados são sempre os que têm resultados académicos excelentes e normalmente são os melhores do seu curso ou turma", explica Marlon, que recusa o epíteto de bom aluno: "Acho que sempre fui esforçado e sempre procurei ir para além dos requisitos académicos".

As notas por si só não chegam. Os alunos que pretendam ingressar no Imperial College London têm de apresentar referências de, pelo menos, dois tutores. Os dois professores têm de atestar a solidez do percurso académico do candidato e indicar o seu potencial. Como fazer referências dá muito trabalho, nem todos os professores têm disponibilidade ou tempo.

Depois, segue-se a carta de motivação (Personal Statement). O Departamento de Admissões tem um cuidado meticuloso com tudo o que envolve a elaboração desta carta: a habilidade escrita, a capacidade de influência, a motivação, os objectivos de carreira, o uso de linguagem negativa, razões por que o estudante é adequado para o curso e a contribuição que irá dar ao mestrado.

Antes de submeterem a candidatura, os aspirantes ainda têm de responder a quatro perguntas relacionadas com os objectivos de carreira e o conhecimento do sector de negócios. Quem passa para a segunda fase é sujeito a uma entrevista de personalidade e conhecimento. É um novo teste à solidez académica e à paciência.

Marlon recorda que, todos os dias, consultava o e-mail para ver se chegava correspondência do Imperial do College. É preciso nervos de aço para aguentar, reconhece. "Depois de o departamento ter analisado a entrevista, fui contactado para mostrar que tive horas suficientes de estudo em Macro-Economia, durante a licenciatura", recorda ao Novo Jornal, durante uma conversa pelo skype.

É a partir daí que surge o convite para o mestrado. Devido à linguagem exigente do curso, alguns candidatos "são obrigados a fazer mais uma entrevista ou teste de inglês para mostrar a aptidão e o domínio da língua".

Felizmente, Marlon passou sem se submeter a nova prova, uma vez que na primeira entrevista demonstrou "alta aptidão para o inglês".

"Devido a isto e à pressão para que tudo seja perfeito, o processo foi complexo e com altos níveis de ansiedade. A universidade recebe milhares de candidaturas de toda a parte do mundo, por isso o processo de selecção é altamente exigente".

Marlon teve de enfrentar todo este percurso com dificuldades acrescidas. Um problema nas costasobrigou-o a ser submetido a uma intervenção cirúrgica, com uma recuperação lenta e complexa.

Contudo, não é homem para desistir. O espírito combativo ficou bem demonstrado, quando em 2012 resolveu deixar Portugal, onde concluiu o secundário, para tirar a licenciatura em Cambridge, consciente de que seria um passaporte para ingressar nas melhores universidades do mundo.

"Sempre quis desenvolver o intelecto e obter o conhecimento necessário para ter um impacto positivo na vida das pessoas", confidencia, quando questionado sobre o que o motiva. Um dia, ainda há-de estar sentado ao lado de grandes líderes mundiais, como Obama ou Cameron, para, juntos, tentarem "reduzir a pobreza e a desigualdade social e financeira", permitindo, assim que "as pessoas beneficiem de uma melhor economia, um sistema de saúde e educação melhores".

Disciplina, esforço e dedicação são atributos que Marlon reconhece em si. A ajuda da família sempre foi determinante. Apesar de reservado sobre a vida pessoal, sente-se a influência que a mãe tem na vida deste jovem. Ela passou muito para criar três filhos sozinha e nunca vacilou. O irmão e a irmã também estão presentes nos momentos-chave, como quando terminou a licenciatura. E agora a namorada.

Todos surgem nas fotografias de graduação. Marlon quer vê-los reunidos de novo, quando terminar o mestrado. Vai lutar por mais este objectivo, até ao limite. Já provou antes que é capaz.