Como o Novo Jornal admitia na segunda-feira, 16, que seria uma decisão natural face aos seus mais recentes posicionamentos, fortemente críticos do crescente apoio em armas e dinheiro de Washington a Kiev nos últimos dias de Biden na Casa Branca, Trump anunciou já hoje uma alteração profunda a esse apoio assim que assumir o poder, a 20 de Janeiro.

A autorização anunciada há cerca de um mês por Joe Biden para que os ucranianos usem os misseis balísticos norte-americanos de médio alcance, ATACMS, no território russo além da geografia em disputa pelas armas, será revertida assim que Trump chegar à Casa Branca.

Isso mesmo disse já esta terça-feira, 17, o ainda Presidente-eleito numa declaração a jornalistas, numa conferência de imprensa na sua casa de Mar-a-Lago, na Florida, e em resposta a uma pergunta directa: Vai reverter a autorização? "Posso muito bem reverter essa decisão estúpida!".

Ao mesmo tempo que deixava como forte possibilidade reverter a autorização de Biden para que os ucranianos disparem os ATACMS contra alvos russos na profundidade do território da Federação Russa, Trump mostrava a sua indignação por não ter sido consultado sobre esse passo, visto que já estava na condição de Presidente-eleito.

"Acho que essa autorização não deveria ter sido dada em primeiro lugar porque acontece a semanas de eu tomar possse. Porque fariam eles uma coisa destas sem me consultar? Sem quererem saber se eu estava de acordo! Foi um enorme erro...!", atirou Trump às dezenas de jornalistas que o ouviam em sua casa e também para ser ouvido em Kiev...

...onde o Presidente Volodymyr Zelensky está sobre brasas nestes derradeiros dias de poder do seu principal aliado, o Presidente Joe Biden e a sua Administração, e está a receber sucessivos sinais de que o apoio norte-americano está por um fio.

A ajudar a esta retórica, Putin voltou a usar o verno a partir de Moscovo, naquilo que pode ser mesmo um empurrão para o caminho que está a ser seguido por Trump.

Vladimir Putin disse esta segunda-feira, 16, num discurso para o sector da Defesa, que o apoio ocidental a Kiev está a empurrar a Rússia para uma posição em que não tem outra alternativa ripostar directamente.

O chefe do Kremlin relembrou, citado pela RT, que os países da NATO visam conseguir uma "derrota estratégica" da Rússia no campo de batalha ao continuarem a apoiar o regime ucraniano com armas e dinheiro sem limite, incluindo mercenários e conselheiros militares.

"os americanos estão-nos a empurrar para a linha vermelha, onde somos obrigados a ripostar, e depois manipulam a informação, convencendo e assustando as suas populações com a ameaça russa", sugerindo mesmo que a então União Soviética foi alvo das mesmas tácticas.

Colocando de novo a possibilidade de um confronto directo entre a Rússia e a NATO, que levaria, indiscutivelmente a uma catástrofe nuclear global, o Presidente russo está, com esse próposito, claramente, a dar tracção à estratégia do novo Presidente-eleito dos Estados Unidos, que choca de frente com as opçoes do ainda Presidente Joe Biden.

Biden e Trump odeiam-se e isso é evidente nas opções que assumem quanto à guerra

Isto porque, se a guerra entre russos e ucranianos é de uma violência aterradora, a maior carnificina na Europa desde a II Guerra Mundial, como tem repetido o Presidente-eleito, o braço-de-ferro entre Donald Trump e Joe Biden não está a ser menos flamejante...

Desde que foi conhecido o vencedor das eleições de 05 de Novembro, a Administração Biden está num corre-corre para dificultar a chegada de Trump ao poder fornecendo todas as armas e todo o dinheiro disponível nos cofres para esse efeito que pode à Ucrânia.

Com essa atitude, Biden pretende permitir um novo fôlego às forças de Kiev que estão a passar o pior momento dos quase três anos de guerra no campo de batalha, deixando Donald Trump com a batata quente nas mãos, que é retirar o tapete ao Presidente Zelensky podendo ficar como o responsável histórico pela derrota fulminante da Ucrânia face à Rússia de Vladimir Putin.

Parecendo ter percebido a intenção de Biden, Trump tem dado repetidos sinais de que quer evitar encontrar-se nessa posição, o que só será possível se, antes de assumir o poder oficialmente, conseguir convencer Putin e Zelensky a sentarem-se à mesa para acordar, no imediato, um cessar-fogo e, posteriormente, um acordo de paz.

O que é outro problema. Volodymyr Zelensky sabe que Trump, por carácter e personalidade, não gosta de se ver do lado dos derrotados, porque em caso de derrocada de Kiev, os EUA, apesar de com nova Administração, são, essencialmente, o líder da NATO, e a NATO é a força motriz da resistência ucraniana, Washington estaria, nesse caso, do lado dos que perdem...

Zelensky pode não ter alternativa a tentar escalar o conflito

Face a este cenário, o Presidente ucraniano pode ver-se tentado a manter a chama da guerra o mais alta possível de forma a não deixar espaço de manobra para Trump impor a via negocial para acabar com o conflito e ver-se na contingência de ter de manter o apoio a Kiev.

Uma das suas jogadas mais repetidamente tentadas é procurar envolver os seus aliados directamente no conflito, entrando, por exemplo, de forma acelerada para a NATO, o que obrigaria franceses, britânicos, polacos e norte-americanos a enviar forças para a linha da frente...

É com esse complexo xadrez em pano de fundo que o Presidente-eleito tem apostado, nestas semanas que antecedem a chegada à Casa Branca, em ameaçar Zelensky com medidas que podem ferir de morte a capacidade militar da Ucrânia, fazendo-o encaminhar para a via negocial em vez de manter o foco nas trincheiras...

É que, ao ritmo de perdas de território actual, a Ucrânia, se se vir na contingência de uma derrota militar, terá muito mais a perder se for obrigada a negociar, segundo os termos já anunciados por Vladimir Putin.

Mas se o fizer agora, pela mão de Trump, terá cartas razoáveis para jogar esta mão no mortal jogo de póquer que se joga nas trincheiras do leste ucraniano e oeste da Rússia.

A vez da diplomacia pode ter já chegado

Como o Novo Jornal noticiava aqui, Trump tem ainda em curso um pressionante jogo diplomático para ver se consegue cumprir o que tem vindo a prometer antes e depois de ter sido eleito, que é acabar rapidamente com a guerra, tendo usado para isso a imagem das "24 horas".

Jogo esse que, no que se conhece publicamente, tem passado por uma teia de contactos em que o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orban, é o intermediário, com deslocações a Washington, a Kiev, a Moscovo, conversas demoradas com todos os intervenientes...

Mas há, num sanguinolento braço-de-ferro entre Moscovo e Kiev, as rígidas posições de um e do outro lado que teimam em salgar o caminho da paz.

Se Kiev diz que quer todos os militares russos fora dos territórios conquistados, a constituição de um tribunal internacional para julgar os dirigentes russos e que Moscovo assuma todos os gastos da reconstrução, só para aceitar começar a negociar, Moscovo não tem exigências menos sólidas...

Querem os russos, igualmente só para começar a falar em cessar-fogo, que a Ucrânia aceite que as cinco regiões anexadas desde 2014, Crimeia, Kherson, Zaporizhia e o Donbass (Lugansk e Donetsk), são territórios da Federação Russa indiscutíveis, que a Ucrânia desista formal e constitucionalmente de entrar na NATO e que a cultura, religião e língua russas passem a ser respeitadas no país após o fim das hostilidades.

A varinha mágica...

A Trump, para desatar este nó, não basta assumir o poder formalmente, terá de escolher qual o lado que vai obrigar a ceder, e o mais fácil, não sendo obrigatório que seja a sua escolha, é Kiev, porque, para isso, basta retirar o apoio dos EUA em armas e dinheiro e Zelensky fica sem chão para continuar a guerra.

E há sinais de que será esse o caminho a seguir, sendo que Moscovo terá igualmente de fazer cedências, que serão, no mínimo, abdicar de ficar com os territórios das regiões anexadas que ainda não conquistou pelas armas.

O que permite admitir essa possibilidade é que as forças russas estão, desde o início de Novembro, coincidindo com as eleições nos EUA e a vitória de Trump, a fazer uma pressão extra para ganhar quilómetros quadrados aos ucranianos, de forma a que, com a tomada de posse do novo Presidente, ter essa cartada para jogar, podendo Putin dizer que ganhou em laga medida, visto que ficará com muito mais que o Donbass e a Crimeia, que eram os seus objectivos iniciais.

A pressão sobre Kiev é a única forma de Trump ter sucesso nesta sua empreitada como pacifista porque não se lhe conhece ter uma varinha mágica... e os russos não podem ser vergados porque, não tendo poções mágicas, têm o maior arsenal nuclear do mundo...

Secreta de Kiev mata mais um general russo de topo

Depois de há cerca de uma semana ter sido abatido a tiro pelos serviços secretos ucranianos militares (HUR) Mikhail Shatsky, uma das figuras mais importantes da capacidade russa de desenvolvimento da sua indústria militar de misseis, nesta terça-feira foi morto um general de topo das Forças Armadas da Rússia.

O tenente-general Igor Kirillov, chefe das forças de protecção às unidades de guerra química, radiológica e biológica, foi morto, junto com o seu assessor, através de uma explosão de uma bomba colocada numa motorizada eléctrica estacionada junto à sua casa, em Moscovo.

A notícia foi confirmada pelos media russos com grande destaque, o que significa que o Kremlin decidiu usar este assassinato para salientar as acções "criminosas de Kiev" e com isso abrir espaço para, por um lado, ganhar tracção na pressão sobre as forças na frente de batalha...

... e, por outro, de forma a poder, por exemplo, usar o acontecimento para renovar as ameaças de uso extraordinário das novas armas, como o Oreshnik, o míssil balístico de alcance intermédio, hipersónico e com múltiplas ogivas, que fez, quando foi usado pela primeira vez, no conflito, há cerca de um mês, estremecer o ocidente pela surpresa que causou.