Estas pessoas são, de facto, o intervalo do voto. Entre eleições, ninguém quer saber delas. As obras sociais não as incluem, tal como não são abrangidas pela dignidade com que cada cidadão tem o direito de viver. Não estamos sequer a falar de riqueza, mas de dignidade. E dignidade significa não ter que aceitar subir para um camião, sem paz no prato, para assistir a um comício, com cinco horas de antecedência, como se fossem animais transportados para uma feira. Dignidade é ser ouvido com respeito quando a exigência decorre de um Direito que está a ser negado vezes sem conta. Dignidade é não ser obrigado a ter um cartão de militante para poder trabalhar no serviço público. Dignidade é poder discordar sem ser mandado para a fronteira da província ou detido. Dignidade é não acharem que tudo quanto o cidadão diz é encomendado por uma força contrária aos interesses da paz. Dignidade é ter água, luz e duas refeições quentes, todos os dias, numa casa condigna.

Durante anos, a população rural foi e ainda é massacrada pelo desprezo, pela ocupação das suas terras, pela intimidação e pela fome. A sabedoria dos mais velhos foi e ainda é olimpicamente ignorada. O desespero das mães que perdiam os filhos, por ausência de posto de saúde, perdeu-se nos elogios feitos, de forma doentia, por um grupo de gente que foi ensinada a carregar qualquer pasta. A aberração dos números das crianças que não têm escola é uma desumanidade. Mas, a Lei do Universo funciona como um boomerang. O que atiramos é-nos devolvido. E é aqui que reside o busílis da questão relativamente às eleições autárquicas.

Adiar as autarquias é reconhecer que, afinal, não têm a certeza do amor e agradecimento do povo. Todos nós conhecemos casos de prepotência de alguns governadores e administradores que em muitos sítios agiram e agem como se fossem donos do Império. Não apenas na gestão danosa, mas também, sobretudo, pela falta de humildade com que se dirigem à população. E isto acontece porque nenhum representante do poder local foi eleito. São todos nomeados pela militância e, por isso, nem sempre a competência, o respeito pelos outros e, principalmente, o dever de servir fazem parte dos requisitos da nomeação. Com humildade, capacidade de ouvir quem tem outra opinião sobre a resolução dos problemas e respeito pelo povo é possível construir futuro. As pessoas aderem quando são chamadas para participar de forma genuína. Colaboram com entusiasmo quando são incluídas na resolução dos seus problemas se as soluções nascerem de consensos. A natureza humana é sensível a este tipo de chamamento quando ele é verdadeiro e justo.

Angola só será grande quando os nossos direitos forem adquiridos à nascença e isto se tornar universal. O resto não faz sentido em pleno século XXI, por mais volta que se dê. O menino da aldeia nunca terá as mesmas oportunidades que um menino da cidade. A igualdade de direitos à nascença engrandeceu vários países a exemplo da Noruega, Japão, entre outros, e continua a ser o garante da prosperidade destas nações, provando a sua eficiência na construção de sociedades equitativas. Há, claramente, uma avaria no sistema que urge consertar, se não mesmo substituir. Nos anos dourados, crescemos, mas não nos desenvolvemos. E o resultado foi uma mão cheia de nada no que à melhoria das condições de vida da maioria da população diz respeito.

(Leia este artigo na íntegra na edição semanal do Novo Jornal, nas bancas, ou através de assinatura digital, disponível aqui https://leitor.novavaga.co.ao e pagável no Multicaixa)