Mas é pedir muito?, é pedir muito que a água potável chegue a (perto de) todos os lares, não digo encanada e posta na torneira, mas com tantos «planos nacionais» disto e daquilo, poderia já ter havido o plano nacional de água para todos, seguido de «já agora o plano nacional de nenhum mosquito para todos», misturado com o plano «saúde básica garantida para todos», e logo um espanto geral quando a ideia se reproduzisse quase que por milagre, «programa nacional de luz para todos», ora combinando grandes energias vindas das grandes barragens, ora desenvolvendo (dimensionando?) devidamente as estruturas às necessidade, talvez alguns kimbos precisem apenas de um bom sistema autónomo de energia solar, e ainda sobraria vento para outras instalações eólicas.

Permanece, teimoso, o sonho de termos um governo na direção de «escutar», ouvir, receber as sugestões e as críticas mas, desta feita, fora do papel e das gravatas, fora dos tantos conselhos nacionais, não é tanto necessário que o conselho de auscultação seja enorme e diversificado, mas antes, que a auscultação tenha algum efeito para além de morrer no papel e nas reuniões, há muita gente com muito para dizer, parece-me, mas (muito) pouca vontade de ouvir o que está a ser dito.

Desculpem a franqueza, mas isto vê-se em todas as áreas

por exemplo, taxas de estradas mas as estradas não melhoram, imposição de impostos mas as condições de vida continuam precárias, «falação-de-boca-para-fora» de obrigações e lutas à corrupção, mas num sentido (e no sentido de alguns) com mais veemência e pressa do que para outros, e etc. e tal

e a saudade a voltar: «mas saudade de quê então?»,

de uns líderes que ainda não tivemos, ou que nunca mais voltámos a ter, que não receiam circular à vontade, que vão aos lugares, que conheçam as pessoas e os problemas, que conheçam a realidade do país (até os há) mas que possam agir em conformidade com a realidade do país (esses, pouco os há), talvez tudo isso dependa de uma palavra simples, mas difícil: «adequação». Isto é, adequar as ações governativas às realidades mais prementes ou mais duras do país; adequar a forma de agir, e de convencer, e até mesmo a forma de passar normas, à realidade social e cultural deste país, e não copiando a de outro(s), quando convém, e esquecendo a de outros, e até a nossa, quando mais convém.

O que me dá saudades do presidente Mujica não é o facto de ele ter andado de volkswagen e com roupas simples; o que comovia era o modo de auscultar as prioridades do seu povo, de acordo com o seu tempo e os dilemas que a (sua) sociedade enfrentava.

Por aqui, é preciso não esquecermos das duras condições de vida da maioria da população. Já cansa ouvir isto? Deve cansar a quem não vive entre o lixo e as águas da chuva, entre o mosquito e a mosca, entre a fome e a pandemia, entre a espera do candongueiro e a falta de direitos dos trabalhadores, entre o medo da malária e o medo da subnutrição. Entre a saudade de alguém que escute a maioria e a necessidade de rever a constituição que foi alterada sem ouvir a maioria.

Serão necessários mais 17 anos para que os sorrisos do povo não sejam sempre temporários e (apenas) em tempos de eleição? Será pedir muito que os dirigentes do povo respeitem o povo que os elege?

Amanhã, perto do futuro, poderá ser tarde demais.

*Escritor