Sem uma passagem de testemunho civilizada, feita com cabeça, tronco e membros e com a presença em campo de um jogador a mais, 2017 tinha de acabar mal.

Com os cofres públicos "raspados" em mais de 20 mil milhões de dólares - uma soma pouco distante dos 30 mil milhões de dólares tomados em 2013 pelo FMI como um roubo ao Tesouro Nacional, 2017 tinha de acabar mal.

Com mais do dobro dos actuais níveis das Reservas Internacionais Líquidas (R.I.L.) fora do circuito bancário e a "marinar" em grande escala por vários paraísos fiscais, 2017 tinha de acabar por mal.

Com os cofres públicos delapidados a níveis não muito distantes dos 33 mil milhões de dólares que, também em 2013, representaram o nível mais alto das R.I.L. - 2017 tinha de acabar mal.

Com o destapamento da porcaria que, debaixo do tapete, "imunizava" os escândalos de corrupção que transformaram Angola numa verdadeira pocilga, 2017 tinha de acabar mal.

Com uma oposição postiça e resignada "ao quarto do poder", com a justiça enjaulada, os jornalistas amordaçados, algumas vozes críticas no interior do partido do Governo arrebanhadas num círculo de servilismo e vergadas a uma nojenta exaltação do culto de personalidade, 2017 tinha de acabar mal.

Com políticas públicas sustentadas por governantes que se exibiam como autênticos marginais que consumiam mais do que produziam e gastavam mais do que investiam, ao alcandorarmos para os principais centros do poder "capitalistas sem escrúpulos, contrabandistas e traficantes de influência", 2017 acabou (mal) por obrigar o País a viver agora ligado ao ventilador...

Iniciada uma nova era, como sinalizava noutro dia Fernando Pacheco, era preciso "dar à manivela" para um novo arranque da máquina. Era preciso lavar todos os cantos da casa com potassa e esfregão, desinfectá-la de uma ponta à outra, mesmo estando muito longe de imaginar que o país haveria de ser fustigado pela actual praga pandémica.

Volvidos três anos, o descompasso que a dança do tango regista denota uma preocupante falta de sintonia entre o maestro e a orquestra. Com a voz desafinada e os passos trocados, há muito que muitos dos seus integrantes revelaram não ter passada para aguentar o ritmo da dança.

Volvidos três anos, a despoluição da tensão social e a introdução de um clima de abertura democrática que veio desanuviar o ambiente político ajudaram a restituir a confiança dos cidadãos nos novos poderes públicos e a conquistar avanços em vários domínios.

A partir de finais de 2017, passámos a viver num país diferente que, sem desfrutar das plenas liberdades democráticas, é incomparavelmente mais plural do ponto de vista político e mais interventivo do ponto de vista da cidadania.

Mas, volvidos três anos, a marcha da governação parece agora assemelhar-se à imagem de uma viatura que, diante da subida do Morro do M"Binda, a chiar por todos os lados, não pára de dar mostras de irreversível perda de gás.

Volvidos três anos, o motor está "a babar óleo", os mecânicos nas boxes estão sem soluções para auxiliar o comandante da escuderia e, se não for feita uma urgente substituição de peças e da equipa de apoio, a viatura vai acabar por gripar de vez...

Isto é o que se passa com uma governação que, confrontada com o alastramento do "fogo amigo" espalhado por gente de dentro pelos corredores do poder, está agora a patinar a olho nu.

E se não reabrirmos as janelas, "os que pagam impostos, os que não têm segurança no trabalho, os que pagam salários, os que arriscam, os que investem o que ganham, os que arriscam, os que nada esperam de um Estado que os tributa, os pune e os esquece nas horas duras", dificilmente renovarão a licença de contrato e dificilmente será restabelecida, com a folga desejada, a confiança que se requer entre governados e governantes.

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