O antigo homem forte do Serviço de Inteligência e Segurança Militar (SISM), general começou a ser julgado em Setembro por crimes de insubordinação, desvio de documentos militares, onde se incluem os referentes à batalha do Cuíto Cuanavale, e conduta indecorosa.

O caso está a ser julgado no Supremo Tribunal Militar (STM), no interior das instalações do Comando do Estado-maior do Exército, e os factos remontam a Novembro de 2017, quando o réu foi informado pelo ministro da Defesa que seria exonerado das suas funções e que posteriormente passaria à reforma.

"Na reunião do Conselho de Segurança Nacional realizada no dia 20 de Novembro de 2017, foi decidida a referida exoneração e a indicação do substituto do mesmo. Uma vez exonerado, devia ocorrer um acto formal de passagem de pasta, do anterior chefe para o substituto", disse o representante do Ministério Público, revelando que sem que este acto ocorresse, o general Zé Maria ordenou ao coronel Eurico Manuel, então chefe dos transportes do Serviço de Inteligência e Segurança Militar, que fosse ao seu gabinete e retirasse documentos e os guardasse em local por ele indicado".

"Entre os documentos retirados do gabinete do general pelo seu subordinado constam documentos classificados como sendo de caractér militar, onde se incluem também os referentes à batalha do Cuíto Cuanavale", explicou, no início do julgamento, o Ministério Público.

Segundo a acusação, os documentos referentes à batalha do Cuíto Cuanavale "foram obtidos de forma onerosa, conforme atestam as folhas 106 e 140 dos autos, num valor acima de mais de dois milhões de dólares norte-americanos, e cujo receptor foi o cidadão luso-sul africano-moçambicano, Manuel Vicente da Cruz Gaspar", continuou.

"O novo chefe do Serviço de Inteligência e Segurança Militar, general Apolinário Pereira, declarante nos autos, ao tomar conhecimento da atitude do réu, informou o declarante Fernando Garcia Miala, actual chefe do Serviço de Inteligência e de Segurança de Estado", contou.

"Fernando Garcia Miala levou o assunto ao Presidente da República e comandante-em-chefe das Forças Armadas Angolanas (FAA), tendo-lhe sido ordenado que contactasse o general Zé Maria, para que, no prazo de 24 horas fizesse a entrega de todos os documentos retirados por serem património do Estado angolano", explicou.

O MP fez saber ainda que na data dos factos o réu foi contactado e convidado a fazer-se presente nas instalações do Serviço de Inteligência e Segurança de Estado para que fosse transmitida a ordem do Comandante-em-Chefe.

"Ele (o réu) negou-se a aparecer, propondo, em contrapartida, que o encontro com o general Fernando Garcia Miala ocorresse no restaurante Jango Veleiro, situado à entrada da Ilha de Luanda... Embora contrariado, porque o local não é uma área de serviço, o general Miala sentiu a necessidade e a responsabilidade de cumprir a ordem que lhe havia sido dada pelo Comandante-em-Chefe, acedeu e deslocou-se ao local proposto", descreveu.

"No local, o general Miala entrou na viatura onde se encontrava o réu, uma vez transmitida a ordem do Comandante-em-Chefe. O réu negou-se a cumprir, e, de forma perentória, disse que só faria a devolução se lhe fosse ordenado pelo ex-Presidente José Eduardo dos Santos", contou, destacando que a atitude do réu levou a que o assunto fosse levado ao conhecimento dos órgãos de justiça e deu lugar ao presente processo-crime.

"Os documentos foram recuperados já no decorrer do processo, por ordem dos representantes do Ministério Público, diante de mandato e auto de apreensão tal como espelham as folhas 54 e 56 nos autos", apontou, divulgando que o réu vem acusado "por crime de insubordinação, em concurso real com os crimes de resistência a superior, extravio de documentos, aparelhos ou objectos que contêm informação de carácter militar, e conduta indecorosa.

Na sua contestação, o advogado de defesa, Sérgio Raimundo, pediu a absolvição do arguido "por não ter praticado os crimes de que vem acusado".

Sérgio Raimundo alegou ainda que não foi respeitado o princípio do contraditório, porque o tribunal recebeu a acusação do Ministério Público "sem antes ouvir a contra-parte", e que "não colhe" o crime de extravio de documentos, porque os documentos não estão desaparecidos, sustentando que consta dos autos o mandado de revista, busca e apreensões.

Estão arrolados como testemunhas no processo-crime contra o general Zé Maria os jornalistas da TPA Ernesto Bartolomeu, Isidro Sanhanga e Mário Vaz, pelo facto de os mesmos terem apresentado documentários e programas que reportavam factos sobre a batalha do Cuíto Cuanavale.

Estão de igual modo arrolados no processo como declarantes os deputados Higino Carneiro e Monteiro Leal Ngongo e o ex-presidente da República de Angola, José Eduardo dos Santos.

Fazem parte do colectivo de juízes o conselheiro presidente do Supremo Tribunal Militar, general António dos Santos Neto, e os adjuntos tenente general Carlos Vicente e Fernando Tavira, juízes conselheiros.