Esta cimeira, a realizar na capital do Ruanda, marca a assinatura do acordo que cria a Zona de Comércio Livre Continental (ZCLC), que permitirá que a circulação de bens deixe de ter barreiras alfandegárias e, quando o processo estiver concluído, também que o trânsito de pessoas passe a ser feito sem obstáculos nas deslocações entre o ponto mais a norte do continente, Ras ben Sakka, na Tunísia, e o ponto mais austral, o cabo das Agulhas, na África do Sul.

O acordo deve ser rubricado por Angola, bem como pela maior parte dos países da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), como avançou Arcanjo do Nascimento, embaixador angolano na Etiópia e representante permanente do país junto da União Africana.

A construção de um mercado livre africano, projecto que África tem em carteira há décadas, é vista como uma forma de reequilibrar a actividade comercial interna e externa, profundamente desfavorável ao continente.

O ministro do Comércio, Joffre Van-Dúnem Júnior , admitiu, no entanto, que as condições para a materialização da ZCLC ainda não são efectivas.

"Estamos a trabalhar arduamente para a concretização deste sonho, para que todos nos possamos rever no mesmo. Esperamos que depois da assinatura do acordo (amanhã), possamos dar passos consistentes para tornar realidade esse sonho e alcançar a independência económica", afirmou, em declarações à imprensa angolana.

"Todos estamos imbuídos do mesmo espírito, tentando construir uma África que seja boa para os africanos", acrescentou o ministro.

Mas, como o Novo Jornal Online noticiou ontem, 19, esta cimeira parte já com algumas dificuldades, com o arrependimento de última hora da Nigéria, que informou, através de um comunicado, que "o Presidente não se vai deslocar a Kigali como estava previsto para a Cimeira porque importantes actores e parceiros nigerianos indicaram que não foram devidamente consultados e, por isso, manifestaram preocupações sobre o conteúdo do acordo", sobre a ZLEC.

Sem este gigante africano, com os seus mais de 180 milhões de habitantes e o PIB mais alto do continente, com uma localização geográfica estratégica, dentro da ZLEC, dificilmente o comércio será efectivamente "livre" no plano continental africano.

As razões a montante

Foi na última Cimeira de Chefes de Estado e de Governo da União Africana (UA), que teve lugar na sede da organização pan-africana, em Adis Abeba, Etiópia, que foi aprovada, pelos 55 membros, a ZLEC, tendo, na ocasião, alguns dos membros sublinhado a sua importância como uma ferramenta de combate e de resistência às grandes potencias que durante décadas exploram o continente.

Como lembrou, citado pela Lusa há semanas, Carlos Lopes, o Bissau-guineense que foi secretário executivo da Comissão Económica para África (CEA) das Nações Unidas entre 2012 e 2016, esta resposta africana tem como alvo os manifestos "disfuncionamentos" da Organização Mundial do Comércio (OMC) e as derivas liberais da União Europeia, leia-se antigas potenciais coloniais, de quem, com esta decisão, incluindo a China, África poderá iniciar o caminho da sua emancipação.

Para os analistas que acompanham esta caminhada de longos anos dos países africanos, em síntese recolhida pelo Novo Jornal Online a partir de textos de opinião e análises divulgadas nas últimas semanas, o facto de África estar agora a dar este passo de forma mais sólida que alguma vez foi feito, embora com alarmantes fragilidades, demonstra que existe hoje uma consciência continental de que não existe outro caminho para o desenvolvimento económico e para o surgimento de uma indústria razoavelmente competitiva.

Este passo é ainda essencial, continuando a síntese recolhida pelo Novo Jornal Online, para que os países, organizados à escala continental - União Africana -, na dimensão sub-regional - comunidades de desenvolvimento -, ou ainda internamente enquanto Estados soberanos, avancem com medidas sólidas e céleres para a construção de sistemas de ensino de qualidade como fonte de recursos humanos para as cada vez maiores exigências que a economia moderna impõe.

E estes passos são, seguramente, essenciais para que esta decisão continental não morra às mãos de cada um dos membros nas suas incapacidades ou que não gerem discrepâncias tais que alguns Estados se confrontem com situações insuportáveis como sejam verem as suas economias soterradas por outras vizinhas mais avançadas e com tecidos produtivos mais competitivos, acabando por voltar a fechar intempestivamente as portas às pessoas e aos bens.

Angola

Como lembram diversos estudos e, especialmente, um gerado pela UA, um dos grandes problemas é a cultura de proteccionismo existente na maioria dos países africanos e, como se sabe, também em Angola, onde, como lembra o presidente da AIA, José Severino, ao semanário Expansão, o tecido empresarial "está muito atrasado" para poder retirar todo o proveito desta nova realidade que vai ser o mercado único africano.

Tal como aconteceu com a Nigéria, também em Angola uma boa parte dos empresários e industriais acusam o Governo de estar prestes a assinar o acordo sem serem consultados, deixando a classe "a leste" do essencial.

José Severino adverte mesmo que, por isso, o impacto deste acordo pode demorar muito tempo a poder ser observado no terreno em Angola.