Pelo contrário... Joe Biden deu o lugar a Kamala Harris para "unir o país", porque chegou o tempo de"vozes mais frescas" liderarem a América e, naturalmente, como tem repetido, o mundo, estatuto que defende vir por inerência com a cadeira do poder na Casa Branca.
Porém, embora seja difícil encontrar nos media ocidentais, tanto norte-americanos como europeus, uma referência a essa expectativa, a verdade é que o mundo estava à espera de ouvir de Joe Biden um discurso mais ácido para com os responsáveis directos pela sua opção.
Em primeira linha os ex-Presidentes Barack Obama e Bill Clinton, mas também a ex-líder dos Representantes no Congresso, Nancy Pelosi, que ao longo dos últimos meses teceram uma bem elaborada teia de pressões para o obrigar a abandonar a corrida a um segundo mandato.
Mas Biden não seguiu esse caminho, mesmo que, durante as últimas semanas, especialmente após o desastroso debate com Donald Trump, tenha resistido à pressão, insistindo que seria o candidato democrata e estaria na Convenção democrata em Agosto para aceitar a nomeação, depois de ter ganhado folgadamente as eleições primárias.
E nem a avalanche de editoriais nos grandes media norte-americanos, com destaque para a CNN e The New York Times, a exigir a sua saída, mereceu de Biden uma mera referência.
Ao invés, o Presidente, de 81 anos, 82 já em Novembro, deu-se por convencido e dedicou o seu discurso, devidamente preparado, a enunciar alguns dos seus feitos durante o exercício de funções, na actual condição e no passado de vice de Obama, ou ainda nos mais de 50 anos de política activa.
"Acredito que o meu registo enquanto Presidente, a minha liderança do mundo, a minha visão para o futuro da América, justificam claramente um segundo mandato, mas nada de pode intrometer na urgência de salvar a nossa democracia, mesmo quaisquer ambições pessoais", explicou.
E adiantou: "Por isso, decidi que a melhor forma de o fazer é passar a tocha a uma nova geração. É a melhor forma de unir o país. Porque, apesar de haver espaço para a experiência de longos anos na vida pública, há também um tempo para vozes mais frescas... e esse tempo é agora".
Não foi por falta de tempo para amadurecer o que iria dizer de viva voz, depois de três dias passados sobre o anúncio, esperado e recebido apaixonadamente nos media norte-americanos mais "liberais" de que estava de saída ter sido feito num comunicado publicado nas redes sociais.
E, como não falou dos seus principais "carrascos", Obama, Clinton e Pelosi, Biden também não referiu o facto de a sua saída ter coincidido com as piores sondagens para as suas possibilidades de reeleição.
Nem sequer sobre a retirada dos milhões de dólares em financiamentos para a sua campanha.
Ignorou ainda o facto de a "voz fresca" que diz ser a da sua vice-Presidente, Kamala Harris, ter, de imediato encaixado quase 80 milhões USD em menos de 24 horas em donativos, e as sondagens realizadas nestes três dias serem melhores que as suas.
Neste seu discurso, emitido na noite de quarta-feira para hoje, quinta-feira, 25, Joe Biden não satisfez a vontade de muitos dos seus correligionários, que seria ter abdicado igualmente da Presidência.
"Nos próximos seis meses estarei focado em fazer o meu trabalho como Presidente, o que significa que continuarei a trabalhar para melhorar a vida das famílias americanas com menos rendimentos e fazer crescer a economia, defender as liberdades e os direitos civis...", acrescentou.
Prometeu, apesar de o discurso quase em simultâneo, embora anterior ao seu, do primeiro-ministro israelita no Congresso ter demonstrado que toda a retórica, tanto israelita como dos EUA, sobre a libertação dos reféns em Gaza e acabar com a guerra ser uma farsa, continuar a trabalhar para "acabar com a guerra em Gaza e libertar os reféns".
Reafirmou o seu orgulho no apoio que prestou à Ucrânia na guerra contra a Rússia como um dos pontos altos da sua política externa.
E antes de terminar considerou Kamala Harris a mulher indicada para o substituir, quer pela sua "grande experiência, pela dureza e capacidade de resistir aos ataques" que a esperam, endossando-lhe o seu apoio, mas afirmando que "a escolha está agora nas mãos dos americanos".
E, naquilo que pode ser uma rebuscada reacção a algumas análises que começam a surgir sobre a possibilidade de a pressão bem-sucedida para abandonar a corrida eleitoral se assemelhar muito a um "golpe de estado palaciano", Biden enfatizou que "a América é uma ideia" que resiste porque "é o povo quem manda" e não ditadores ou reis.
"A América é ma ideia mais forte que qualquer exército, maior que qualquer oceano, mais poderosa que qualquer ditador ou tirano, é a mais poderosa ideia na História do mundo", e "a mais grandiosa certeza é que na América em reis nem ditadores mandam, é o povo quem manda".
Porém, pelo que os factos mostram nas últimas semanas, quem mais ordenou sobre o seu futuro político foram mesmo Barack Obama, Bill Clinton e Nancy Pelosi.
Para já, a sua decisão está a dar frutos para as possibilidades do Partido Democrata. Com o início da campanha de Kamala Harris, as sondagens estão em mutação, de uma evidente vantagem para Donald Trump para uma situação de empate técnico entre Harris e Trump.
E o nervosismo entre as hostes republicanas é já evidente, com o início dos ataques de Trump a Kamala Harris, que, com esta nova situação, perde a sua grande vantagem, que era ser o mais novo na corrida, e, agora, com os seus 78 anos, é um idoso a bater-se com uma jovem de 59 anos.
Isto é de grande relevância porque, como indicava uma abrangente sondagem realizada ainda em 2023, mais de 70% dos eleitores norte-americanos não queriam nem Biden nem Trump no boletim de voto e a razão única eram as suas avançadas idades.
Com Kamala como opção, Trump pode muito bem estar enfiado num sarilho do qual não tem forma de recuperar, porque, como se sabe, o tempo não anda para trás... nem na política norte-americana, onde quase tudo parece possível.