Na última semana trouxemos aqui à conversa o contrato-promessa rubricado entre a Federação Angolana de Futebol (FAF) e o Ministério da Juventude e Desportos (MINJUD) para o necessário apoio à Selecção Nacional que disputa a prova qualificativa visando a fase final do CAN"23, a decorrer na Côte d"Ivoire. O curioso nisso é que o auxílio financeiro que está a ser prestado às "Palancas Negras" não decorreu de uma planificação do Governo, ente que tem a obrigação legal de assistir às representações nacionais, ao nível de selecções, quando em competições internacionais. O apoio surgiu na sequência de um choradinho da FAF, com alguma chantagem emocional pelo meio...

Isto é assunto para séria reflexão, pois não fosse o choradinho e a chantagem emocional da direcção da FAF junto do Presidente da República - é a ele que foi endereçada a carta de pedido de auxílio -, muito provavelmente a Selecção Nacional não teria beneficiado dos USD 3 milhões para abordar a campanha "caniana". No máximo, receberia uns tostões do Ministério das Finanças, via MINJUD, e teria que se desenrascar a fim de completar o valor necessário para abordar a prova de apuramento.

Aparentemente, nada estava planificado nesse sentido. É que, se estivesse, seguramente um dos vice-presidentes da FAF não teria usado os microfones da Rádio 5 para carpir lágrimas e muito menos o presidente da instituição teria necessidade de endereçar uma carta ao Chefe de Estado a pedir (ou mendiga?) ajuda. Se esse suporte estivesse delineado, simplesmente o MINJUD trataria de acertar a forma e os timings da entrega das remessas das parcelas e ponto final.

É consabido que o valor dado para a campanha da Selecção Nacional de futebol não estava cabimentado no Orçamento Geral do Estado (OGE). Foi mobilizado pelo Ministério dos Recursos Naturais e Petróleo (MIREMPET), havendo aqui espaço para inferir que terá saído de uma qualquer "reserva estratégica", nestes tempos em que já não existe o "saco azul" do Futungo de Belas, do qual muitos dirigentes desportivos (e não só, é claro) mamaram fartamente.

O que aconteceu com o contrato-programa entre FAF e MINJUD passa a imagem de que não há um projecto devidamente estruturado, com metas apontadas, para o desporto angolano. Mas é exactamente o contrário. Há um documento designado Política do Estado para o Desenvolvimento do Desporto que foi produzido por especialista do MINJUD e que aponta objectivos claros, um dos quais é ter até 2032 pelo menos 10% da população angolana a praticar desporto, já que actualmente pouco mais de 1% o faz. O plano aponta para que metade dos quase 12 milhões de estudantes faça desporto, alargando assim a base de recrutamento qualitativo para a alta competição, tendo por objectivo a subida na tabela geral de medalhas dos Jogos Africanos, onde Angola anda abaixo do Top-10.

Desafortunadamente, este plano, que demanda algo em torno de 3% do OGE, anda engavetado no Conselho de Ministros e ninguém lhe liga a mínima importância. Provavelmente o Chefe de Estado nem deve conhecer os pormenores dessa estratégia, porque, supostamente, há outras prioridades, como se houvesse prioridade maior que ter um povo saudável por via da prática do desporto, actividade que previne doenças de natureza diversa.

É verdade que no actual contexto económico e social do País desembolsar cerca de AKZ 5.600 milhões [qualquer coisa como 110 milhões de euros] correspondentes a 3% das despesas do OGE para 2022 pode ser muita fruta para o desporto, tendo em atenção a necessidade de se investir em sectores como a Educação e o Ambiente, só para citar estes dois. Mas podia-se começar com um valor um pouco baixo - talvez na ordem de 1,5% e depois ir subindo paulatinamente até atingir o montante máximo num horizonte temporal de três anos, por exemplo. Dessa forma, ter-se-ia um desenvolvimento desportivo sustentado e estar-se-ia mais próximo das vitórias. Só que, ninguém parece interessado no desporto, embora seja universalmente reconhecido como escola de virtudes e "escada social" para franjas menos favorecidas das sociedades de um modo geral.

O que não é de todo avisado são os "analgésicos" aplicados para a "cura" do futebol. Pode ser até que após cumprir a obrigação de se qualificar para a fase final do CAN"23 na Côte d"Ivoire, as "Palancas Negras" tenham um bom desempenho. Mas, a acontecer, não será algo sustentado em bases sólidas e o País voltará à mesmice. Quem acompanhou a trajectória do futebol nacional entre 2004 e 2008, era capaz de pensar que Angola havia encontrado definitivamente o caminho do sucesso. Afinal, naquele período as "Palancas Negras" lograram inaudita qualificação para o "Mundial", apuraram-se para duas fases finais do CAN, numa das quais passaram à segunda fase. Mas logo de seguida caiu de borco. Tudo porque não havia um projecto sustentado em bases sólidas que permitissem uma prestação regular, mais ou menos como Ghana ou o Mali, isto para não referenciar países como o Egipto, a Tunísia ou o Marrocos. De lá para cá, a Angola do futebol foi só a descer, sempre a descer... Ou seja, faltou um "tratamento de choque", em vez de "paliativos".

De qualquer modo, não havendo dinheiro para os tais 3% anuais do OGE - mas não há mesmo? -, em virtude das prioridades de natureza vária que se levantam, pode-se adoptar um Plano B, na verdade um miniplano alternativo, devidamente estruturado a fim de o País vencer com mais frequência na arena continental e fazer boa figura no plano intercontinental, como já foi num passado não muito distante. Para o efeito, a aposta deveria ser feita nas principais modalidades colectivas do País, designadamente andebol, basquetebol e futebol, e algumas individuais nas quais o potencial de triunfo é grande, como é o caso do judo. Um investimento sério, que não vá parar a algibeiras indevidas, é meio caminho andado para alcançar a glória suprema no olimpismo, por exemplo. E Angola já esteve próximo disso por intermédio da judoca Antónia de Fátima "Faya", mas o objectivo falhou porque quase todo o dinheiro disponibilizado para o efeito foi drenado antes de chegar ao destino!

Por exemplo, nessa altura, a cinco meses da disputa do CAN feminino de andebol, a Selecção nacional já devia ter cabimentada a verba para a preparação iniciada há já largos meses com um primeiro microciclo em Luanda e outro em Lisboa. Mas ainda não se sabe quando é que os valores dessa participação serão disponibilizados. Isto é, se forem disponibilizados. Geralmente este tipo de falhas tem implicações sérias no desempenho da equipa, porque, em regra, quando não há dinheiro também não há preparação de qualidade. E quando não há preparação de qualidade, as possibilidades de vencer escasseiam. Logo, mesmo não havendo fortunas, é sempre possível fazer muito melhor, desde que haja vontade política de inspirar as gerações vindouras. Reflictamos.