Nos primeiros dias da semana, Artur Almeida e Silva deu um ar da sua graça, veio a terreiro dizer que as "Palancas Negras" podem não participar nas eliminatórias de apuramento para a fase final do CAN"23 por falta de verbas. A "notícia", dada à rádio pública, inundou as redes sociais, tendo o efeito que, muito provavelmente, a cúpula do órgão reitor da bola doméstica pretendia: criar estado de opinião a favor de um desembolso o mais rápido possível para a Selecção Nacional.
A táctica é a mesma de sempre: quando o dinheiro público está atrasado, usa a comunicação social para carpir lágrimas. Depois, o peditório velado é amplificado pelas redes sociais. Na sequência, o Governo, pressionado, é obrigado a abrir os cordões à bolsa por causa do clamor popular. Afinal, o futebol é o ópio do povo, como alguma vez alguém disse. No fundo, o que Artur Almeida e Silva fez tem um cheiro intenso à chantagem emocional.
Objectivamente, os culpados deste estado de coisas e da imagem de pedinte que a FAF passa é de quem votou no actual elenco directivo. Foram muitas as associações provinciais de futebol, clubes e núcleos que escolheram o qual o futebol angolano está a ser devorado. Melhor dito: levaram o futebol angolano ao lodaçal em que se encontra atolado, em resultado da manifesta incapacidade de Artur Almeida e Silva e pares mobilizarem recursos para o seu principal activo, a Selecção Nacional AA.
O presidente da FAF é empresário. Logo tinha o elementar dever de saber em que tipo de economia se movimenta e, acima de tudo, de como o Governo, que tem a obrigação legal de apoiar as Selecções Nacionais, lida com as federações quando o assunto é disponibilizar verbas. Todos, inclusive aqueles que não andam de mãos dadas com o desporto, sabem bem da dificuldade que é "convencer" as autoridades governamentais a darem dinheiro para o desporto de um modo geral.
Por maioria de razão, sendo empresário e homem do futebol, Artur de Almeida Silva, assim como os seus acólitos na direcção da FAF deveriam saber como as coisas funcionam. Mais do que isso, têm a obrigação de encontrar fontes alternativas, de modo a suprir as despesas da Selecção Nacional. Um pouco como acontece com o andebol que recentemente fez um estágio no estrangeiro sem contar com recursos financeiros do governo. Fê-lo com dinheiros provenientes de patrocínios.
Colocando na balança a popularidade do futebol e de qualquer outra modalidade, é óbvio que o futebol ganha com goleada. É uma marca que a quase todos, de um modo ou de outro, interessa, não precisando, por isso mesmo, de ganhar campeonatos continentais para ter o carinho dos adeptos. Ainda há dias tivemos um exemplo disso mesmo, que foi o modo como quase todo o país se juntou à corrente de apoio ao Petro Atlético de Luanda na primeira "mão" das meias-finais da Liga dos Campeões da CAF. O "tricolor" domina o andebol feminino continental, já foi campeão africano de basquetebol e neste momento está a meio da Liga profissional africana da "bola ao cesto", uma franquia da poderosa NBA dos EUA. Ainda assim, nenhuma destas duas modalidades alguma vez recebeu tanto carinho e tanta atenção dos amantes do desporto. Isto pela simples razão de que o futebol é efectivamente o "rei" e a paixão que lhe é intrínseca mexe com meio mundo.
Por isso, torna-se incompreensível que uma Federação não consiga arregimentar apoios bastantes para a Selecção Nacional. É no mínimo intrigante. Mesmo em países com economias menos pujantes que a de Angola não é comum o presidente da Federação vir a terreiro dizer que a respectiva Selecção Nacional está sem dinheiro e pode desistir da prova máxima do continente. Uma busca rápida na internet não nos vai dar seguramente informação de que líderes federativos de países como Cabo Verde, Guiné-Bissau ou Moçambique andem de mão estendida apenas à espera do dinheiro do governo, com a frequência com que a FAF faz.
A incapacidade manifestada pela direcção da FAF na busca de parcerias que agreguem valor ao futebol é confrangedora. A dependência da FAF do dinheiro saído dos cofres públicos inquieta qualquer pessoa de bom senso e que saiba minimamente como funcionam as demais federações. Salvaguardando as devidas proporções, temos o exemplo da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). A instituição não aceita fundos governamentais para evitar a tentação de interferência do poder político na modalidade. É óbvio que dada a debilidade da nossa economia a FAF não pode aspirar ainda a chegar a este estágio. Mas pode fazer muito para minorar a sujeição ao dinheiro público. Mas pudera... se se permite ao luxo de dispensar um nutrido patrocínio da Total Energies por incapacidade de prestar contas e de apresentar um projecto que justifique novos desembolsos, pouco ou nada se pode esperar deste elenco federativo.
Em boa verdade, a direcção da FAF prefere "dinheiro fácil", saído dos cofres públicos, o que não obriga a uma prestação rigorosa de contas. Daí, a chantagem emocional drapejando a bandeira da desistência da corrida para a fase final do CAN"23. Chantagem feita em tempo julgado oportuno, uma vez que estamos em pré-campanha eleitoral para as eleições gerais de Agosto próximo.
Pouca gente saberá, mas o anúncio da possível desistência das "Palancas Negras" do CAN"23 é uma tentativa de forçar a operacionalização de um pedido feito pela FAF à Presidência da República e encaminhado ao Ministério dos Petróleos para o "devido tratamento". O problema é que os números constantes no documento em questão são assustadores e as autoridades competentes desconfiam do valor de algumas despesas.

Portanto, tivesse a FAF apresentado no documento em apreço números razoáveis, até porque o governo tem outras prioridades, seguramente há muito tempo as verbas teriam sido desembolsadas. Mais: não parece que vá cair o Carmo e a Trindade se a Selecção Nacional ficar fora das eliminatórias para a prova continental. Na verdade, se a Selecção Nacional de futebol com muletas não pôde ir defender o seu título mundial por falta de verbas, por que cargas d" água é que as "Palancas Negras", que nada ganham, também não podiam ficar em terra? Certamente que mal nenhum aconteceria ao país.