Albino não morre, desaparece. Partes do corpo de um albino servem de medicamentos contra a Sida e ajudam a acumular riqueza. Os albinos costumam transformar-se em cobras. Enfim, a lista de crenças e mitos sobre o albinismo é extensa e foi a pensar numa forma de travar a propagação destas "horrendas mentiras" que Anderson Manuel, de 25 anos, convidou um grupo de sete amigos, todos eles albinos, para representarem, numa peça de teatro, todo o sofrimento derivado da discriminação e preconceito de que os albinos são vítimas.

Baptizado com o nome de Excesso de Cor, o grupo teatral tem em cena, no Elinga Teatro, em Luanda, a peça Ingratidão, em que se narram histórias de perseguição, desprezo, discriminação e preconceito sobre os albinos.

Com um nome que não passa despercebido, Excesso de Cor, o grupo acumula várias aparições em programas de rádio e TV, bem como em jornais. Anderson Manuel, aliás, desafia os empresários angolanos a apoiarem o projecto, visto que a ideia é exibir a peça nas restantes 17 províncias e, quiçá, fora de Angola. "Queremos espalhar esta

causa pelo mundo, para mostrarmos que nós, os albinos, somos pessoas normais e não devemos ser julgados pelo simples facto de termos um tom de pele diferente", explica, entusiasmado, revelando que a peça tem recebido "muitos elogios" e tem contribuído para a mudança de mentalidade de todos os que a assistem.

Mas a vida de Anderson Manuel nem sempre foi de entusiasmos. Aos 25 anos, o jovem gestor de conteúdos digitais numa empresa privada lembra-se de ter tido uma namorada (não-albina) cuja mãe se escandalizava por a filha "não ter nojo" de tocar na pele de Anderson. "Tivemos mesmo de pôr fim ao relacionamento", revela Anderson Manuel, que prefere, entretanto, não se recordar de outras situações.

De recordações, aliás, não é tudo. Ana Neto, de 28 anos, é uma das integrantes do grupo Excesso de Cor e, na peça teatral Ingratidão, a jovem revive em palco uma situação por que passou na vida real: "Eu e um jovem (não-albino) tivemos de terminar o namoro, porque a mãe dele lhe fez a cabeça, garantindo que, se ele se envolvesse sexualmente comigo, seria engolido por uma máquina que tenho dentro do meu corpo", recorda Ana Neto, que actualmente está casada com um jovem (não-albino) com quem tem um filho (também ele não-albino).

Por isso, nas suas actividades como educadora de infância, Ana esmera-se em ensinar as crianças que "somos todos iguais".

Numa breve entrevista ao Novo Jornal, a jovem assegura que os pais dos alunos "até gostam" do facto de os filhos terem uma educadora albina, porquanto as crianças crescem sabendo que não devem tratar os albinos como pessoas diferentes. "Há aquelas crianças que, a princípio, se assustam, dizendo «mamã, ela é uma boneca», mas, com jeitinho e com as técnicas próprias da minha formação, acabo por cativá-las."

Faltam políticas de Estado

Para Jéssica Gonçalves, outra integrante do grupo Excesso de Cor, a chave para a redução do preconceito e discriminação de que os albinos são vítimas um pouco por todo o mundo passa pela educação. Segundo a jovem, que frequenta o curso superior de Psicologia, muitas vezes, é mesmo em casa onde, desde muito cedo, as crianças ouvem os pais dizerem-lhes "não encostes neste albino".

Apesar dos seus parcos 21 anos, Jéssica Gonçalves «colecciona» variadíssimos episódios de discriminação e ódio, como o que lhe sucedeu quando tinha apenas oito anos e, ao entrar para a sala no primeiro dia de aulas, todos os colegas se puseram a gritar "quilomba, quilomba", enquanto lhe atiravam papéis e outros objectos escolares.

É com base nas experiências como a de Jéssica Gonçalves - que não diferem muito das suas próprias experiências - que Silvana Julião, de 21 anos, e Cláudio Carlos, de 25, recomendam que o Estado adopte políticas "mais interventivas" com vista a salvaguardar o bem-estar dos albinos.

Apesar de entenderem que, em África, Angola "não está entre os países que mais maltratam os albinos", Silvana e Cláudio julgam que "ainda há muito por se fazer".

Por exemplo, referem os jovens, há muitos albinos no país que não sabem dos cuidados que devem ter com a pele com vista a impedir o surgimento de cancro. Noutros casos, prosseguem Cláudio e Silvana, até estão "bem informados", mas não têm dinheiro para fazer face aos "altos custos" dos protectores solares recomendados a albinos. Por isso, concluem os jovens, o Estado deve arranjar forma de tornar baratos e acessíveis estes produtos, que são "essenciais" para a sobrevivência desta minoria.

O albinismo é uma condição causada pela deficiência na produção de melanina, o que leva a que pessoas nesta situação apresentem ausência de pigmentação e, dependendo do grau, alterações até mesmo na cor dos olhos e do cabelo.