O país é quase totalmente dependente da importação de combustíveis e outros produtos refinados porque a sua única refinaria, a de Luanda, construída na década de 1950, tem uma capacidade de refinação limitada a cerca de 20% das necessidades do país - pouco mais de 60 mil barris por dia - mas com um desempenho médio abaixo dos 70 por cento devido a constantes avarias e problemas de manutenção.
Para ultrapassar este problema, como o Governo já anunciou, está em curso um plano que prevê triplicar, pelo menos, a capacidade desta refinaria, através de um acordo com a italiana ENI, e ainda a construção das refinarias do Lobito - 200 mil barris/dia - e de Cabinda - 60 mil barris/dia - para acabar com a necessidade de importação de combustíveis e outros refinados do petróleo.
Mas, até que todas essas iniciativas estejam concluídas, o país tem na importação de combustíveis um dos seus grandes calcanhares de Aquiles económico, porque a venda ao público, nas bombas de abastecimento, é feita a 160 Akz a gasolina e a 135 Akz o gasóleo, cerca de 50 e 40 cêntimos de dólar respectivamente, valores bastante abaixo do valor pago na importação que, dependendo da qualidade e origem do produto, ronda pelo menos o dobro do que o consumidor angolano paga no seu posto de abastecimento.
Isto significa que o Estado, neste caso através da Sonangol, está a subsidiar fortemente a gasolina e o gasóleo com que os cidadãos abastecem as suas viaturas mas também as principais actividades económicas, como é o caso dos sectores das pescas e da agricultura e agro-indústria.
Exigência do FMI
Se, como tem sido noticiado, o Fundo Monetário Internacional (FMI), que assinou com o Governo um empréstimo de 3,7 mil milhões de dólares norte-americanos no âmbito do Programa de Financiamento Ampliado (PFA), tem no fim dos subsídios aos combustíveis uma das suas exigências, que o próprio Presidente da República já admitiu, com a definição de regras, como o registo prévio, para a subsidiação, o que o Governo está a fazer é a preparar e a defender áreas da economia que considera vitais no âmbito do Programa de Desenvolvimento Nacional (PDN - 2018/2022), como são claramente os casos das pescas e da agricultura e agro-indústria.
Recorde-se que o Fundo, em Junho de 2018, no final de uma missão em Angola, realizada no âmbito das consultas regulares ao abrigo do Artigo IV dos estatutos, da organização financeira mundial, de que Angola é associada, afirmou de forma clara que o país teria de duplicar, pelo menos, o preço dos combustíveis para eliminar o subsídio atribuído via Sonangol.
Nessa altura, dado importante também, a moeda nacional estava significativamente mais valorizada face ao dólar - cada dólar valia 239 Akz e hoje a moeda norte-americana vale oficialmente 355 kwanzas - o que admite a possibilidade de a duplicação não ser considerada suficiente pelo FMI.
Isto, porque se em Junho de 2018 a gasolina e o gasóleo aumentassem 100%, passariam a custar 320 e 270 kwanzas respectivamente, o que na altura significava que a gasolina importada custaria bastante acima de 1 USD/litro mas hoje essa realidade está significativamente alterada, porque a gasolina passaria a ser vendida bastante abaixo do 1 USD/litro. As proporções para o gasóleo foram igualmente alteradas com a depreciação da moeda nacional.
A instituição de Breton Woods, nessa altura, Junho do ano passado, apontava como tempo para a efectivação dos cortes oito meses, o que é o mesmo que dizer que o Governo deveria fazê-lo este mês, no limite, embora o Fundo tenha, na altura, aconselhado uma retirada gradual dos subsídios para diluir o esperado negativo impacto social da medida.
O FMI espera de uma medida como esta, a retirada dos subsídios, que o valor pago pelos consumidores finais reflicta "as mudanças nos preços internacionais" ao que se juntaria um mecanismo automático - como o que existe noutros países - de actualização dos preços em função das alterações do valor do petróleo nos mercados internacionais.
E não é descabido lembrar que a missão que o FMI enviou nas últimas semanas a Angola para avaliar a execução do Governo quanto à primeira tranche do empréstimo concedido ao país em Dezembro de 3,7 mil milhões,como o NJOnline noticiou na quarta-feira, terminou em solo nacional, estando previsto que continue nos EUA, sem que tenham sido avançadas quaisquer justificações para que assim tenha acontecido.
Mas a questão dos subsídios estatais pode ser uma das razões para que o FMI esteja a mostrar algumas reticências.
Sonangol também quer alterações
Perante o facto de Angola importar 80% dos combustíveis que consome, pelo evidente impacto profundo que isso tem nas contas da Sonangol, o seu PCA, Carlos Saturnino, também aceitou como razoável o aumento do preço dos combustíveis afirmando em Junho do ano passado que o Executivo estava a analisar essa possibilidade.
Saturnino disse mesmo que a petrolífera e o Governo mantinham uma equipa conjunta a trabalhar na questão complexa e social e politicamente melindrosa que é o aumento do preço do gasóleo e da gasolina, indo item por item, da questão do impacto social/custo de vida, ao impacto nas contas da empresa, passando ainda pelo equilíbrio das contas das empresas, etc.
Recorde-se que, na verdade, em Angola, os combustíveis, tanto o gasóleo como a gasolina, estão em regime de preço livre desde 2016 o primeiro e desde 2015 o segundo, sendo a Sonangol a definir artificialmente, e por decisão sua, embora por controlo indirecto do Governo, os preços tabelados.
O valor anual gasto pelo Estado, via Sonangol, para manter os preços actuais dos combustíveis, claramente artificiais face às regras dos mercados internacionais, é superior aos 2.000 milhões de dólares.
Protecção dos sectores essenciais
Entretanto,face a isto, o subsídio estatal à aquisição de combustíveis poderá chegar aos 45%, como avançou na terça-feira o secretário de Estado para a Economia e Planeamento, Sérgio Santos.
O governante, em declarações aos jornalistas, à margem do encontro realizado em Luanda, promovido pelo Banco Nacional de Angola, com associações empresariais, para apresentação da Norma sobre Crédito para os Produtos Essenciais, disse que a par do processo de cadastramento dos produtores está em elaboração o regulamento para o acesso a este subsídio, que poderá chegar aos 45% do valor do combustível utilizado na actividade dos dois sectores.
Esta subvenção foi aprovada há algumas semanas e abrange as embarcações e outros equipamentos essenciais ao sector das pescas, ou, no que toca à agricultura, maquinaria motorizada, como tractores ou maquinaria acessória como debulhadoras, motocultivadoras, etc.
Uma das intenções deste cadastramento prévio à entrada em vigor das subvenções estatais aos sectores das pescas e da agricultura, como explicou Sérgio Santos, é "evitar o potencial de desvios desta medida para outros fins".
O secretário de Estado para a Economia e Planeamento recusou a ideia de que o FMI esteja contra este tipo de subsidiação à economia por considerar que estas são essenciais para a estabilidade social, embora a questão da subsidiação generalizada aos combustíveis seja outra questão e o seu fim, apesar de não existir ainda um calendário definido para isso acontecer, é já um dado adquirido, como tem sido noticiado.
O calendário para o fim, ou uma redução substantiva dos subsídios aos combustíveis, ter em realização das eleições autárquicas, previstas para 2020, é uma forte possibilidade a ser levada em linha de conta.
Entretanto, no que diz respeito à obtenção destas subvenções nas áreas das pescas e da agricultura, adiantou Sérgio Santos, deverá ser exigido o registo do produtor beneficiário e a definição de normas claras para a fiscalização da aplicação, com as igualmente claras penalizações perante desvios detectados.
Segundo o governante angolano, em declarações aos jornalistas, o documento estará finalizado antes do início da próxima época agrícola, ou seja, antes de Setembro, para a entrada em funcionamento do novo sistema.
Subsídios para incentivar produção
A aprovação da atribuição de um subsídio estatal aos combustíveis para produção agrícola e pesqueira, "condição indispensável para o incentivo da produção alimentar", como o NJOnline noticiou a 28 de Março último, foi decretada pelo Presidente da República.
Este subsídio destina-se às despesas "com a aquisição de combustíveis utilizados em máquinas como tractores agrícolas, debulhadoras, motocultivadores, moto-serras, motores de accionamento de máquinas agrícolas e geradores cuja função seja estritamente ligada à produção agrícola e embarcações e equipamento de apoio às pescas".
O decreto assinado pelo Presidente da República estipula que os combustíveis abrangidos por este subsídio deverão ser adquiridos "ao preço final real tabelado nos diferentes postos de venda (...) legalmente autorizados".
Os beneficiários têm de estar "inscritos no registo geral de contribuintes", apresentar uma candidatura para o apoio à produção, prestar "serviços em explorações de terceiros utilizando máquinas dos beneficiários, ou próprias", ter o seu "lucro tributável, determinado por métodos directos ou indirectos", assim como a sua situação fiscal e contributiva "formalizada".
Conforme o NJOnline noticiou na altura, a Comissão Económica do Conselho de Ministros aprovou, no dia 22 de Fevereiro, em reunião, a atribuição de subsídios aos combustíveis para a agricultura e pescas.
A medida agora aprovada por decreto presidencial foi anunciada pelo ministro da Agricultura e Florestas, Marcos Nhunga, à saída da reunião do Conselho de Ministros, que declarou que o Estado iria subsidiar os combustíveis em 45 por cento do custo ao produtor, medida a ser implementada nos dois meses seguintes.
"Precisamos deste tempo para afinar os recursos humanos, operadores e o sistema de pagamento para que, a partir da próxima campanha agrícola, se comece a subsidiar os combustíveis tanto para o sector empresarial como para o familiar", afirmou Marcos Nhunga.