Philip K. Verleger, Jr. é um observador da evolução dos mercados petrolíferos desde 1971, foi fundamental na definição dos mercados de futuros que hoje regem o sector e tem vários livros publicados sobre o assunto e é esse curriculo que ajuda a que o seu relatório esteja a fazer ferver os analistas e publicações especializadas.
Mas o que diz não é propriamente uma novidade, apenas o peso que tem a sua opinião, leva o assunto para um patamar onde já não é possível ignorar o que se prepara para ser a nova realidade global do sector energético, muito mais importante que, por exemplo, a política de cortes da OPEP e da Rússia (Ver notícias relacionadas em baixo).
Tudo, porque daqui a 18 meses entra em vigor uma nova regra que visa proteger o ambiente, face às alterações climáticas que estão a, por exemplo, derreter as calotes polares e a deixar marcas indeléveis um pouco por todo o mundo, como as secas prolongadas que afectam o continente africano, sendo o sul de Angola um bom exemplo.
A Organização Marítima Internacional (IMO, sigla em inglês), que gere todo o sector dos transportes marítimos global, elaborou um conjunto de regras, de aplicação obrigatória, em que os navios - o leão dos consumidores de fuel mundiais - vão deixar de poder utilizar combustível com altos teores de enxofre, que hoje são a regra, por serem mais baratos.
Actualmente, o fuel que sai das refinarias para ser utilizado nos gigantes navios, petroleiros ou porta-contentores, que cruzam os mares, gastando toneladas de combustível por milha marítima navegada, contém 3,5 por cento de enxofre, passando essa concentração a ter como limite os 0,5 por cento a 01 de Janeiro de 2020.
A revolução tecnológica que tarda
Isto vai, no mínimo, obrigar a bilionários investimentos e prolongadas alterações técnicas nas refinarias mundiais, que Philip K. Verleger, Jr. adverte não estar a ser feito, sendo já quase uma certeza que vai faltar, e muito, combustível com baixo teor de enxofre para alimentar os monstros mecânicos que hoje atravessam os mares.
A norma, face a estas profundas alterações de regras, como é o caso das alterações da composição química dos combustíveis, é a transição suave e prolongada no tempo, de forma a evitar o colapso da oferta.
Só que, face ao rápido acumular de evidências de que o planeta Terra poderá já não ter esse tempo para oferecer antes que as alterações climáticas se tornem irreversíveis e atinjam o ponto de não-retorno, perigando o próprio futuro da humanidade, esse tempo para a transição suave não existe e a convulsão quase certa da economia global pode ser a pesada moeda de troca para saltar o ambiente.
E os mercados olham...
As publicações especializadas estão agora a desembrulhar os avisos de Philip K. Verleger, Jr., como é o caso do site Oil price, onde o analista Nick Cunningham sublinha que o sector da refinação já está a procurar adaptar-se, mas a capacidade global de refinação, adverte, poderá não ser suficiente para disponibilizar o combustível com baixo teor de enxofre suficiente para evitar a crise perspectivada por Verleger na sua recente análise.
Esta questão é de cimeira importância porque a indústria e o transporte naval é responsável por, dependendo das abordagens aos números, entre 5 por cento e os 7,5 por cento da procura global de petróleo.
Para piorar o cenário, a esmagadora maioria dos navios de grande porte estão equipados com motores que apenas funcionam com combustíveis pesados, com alto teor de enxofre, o químico que mais culpas tem no que toca às chuvas ácidas que estão literalmente a queimar partes do mundo.
A mudança, entretanto, não depende apenas dos reajustes técnicos nos motores dos navios, que podem ser equipados com sistemas que limpam os combustíveis, ou com recurso ao gás natural (LNG), o que, embora muito caros, pode ser exequível; o problema está no facto de nem todos os tipos de crude poderem ser utilizados para refinar combustível com baixo teor de enxofre, ou, sendo, exigem mais filtragens e, por isso, mais dispendiosas.
Mais uma chatice para Angola! Ou uma oportunidade?
Por exemplo, em Angola - mais um problema para o futuro breve -, uma boa parte dos blocos produz ramas pesadas, sendo poucos, mas bons, aqueles que saem do fundo do mar com a denominação de leve, ou em inglês, "sweet", acontecendo o mesmo noutras partes do mundo, cujo mapa dos produtores coloca o Médio Oriente a extrair o petróleo mais pesado e as Américas a produzir o mais "sweet", como os EUA, ou ainda alguns países africanos.
E quando o país se prepara para erguer novas refinarias, a questão vai ser, no imediato, definir com que tipo de equipamento vão contar... para refinar crude pesado ou leve?
Recorde-se que a indústria naval utiliza hoje um combustível que é só e apenas o mais barato de todos, e o mais pesado, aquele que fica como desperdício do processo de refinação para outros sectores, desde, por exemplo, a gasolina e o gasóleo que utilizamos nos nossos carros, ao jet ful para a aviação. É o subproduto da refinação que, normalmente se diz que fica no "fundo do barril".
Com as novas regras da Organização Marítima Internacional, só combustíveis com pouco enxofre podem ser usados, deixando os navios de poder usar o fuel, sujo e barato, altamente poluente.
Para além do impacto directo no preço do petróleo que vai estar disponível a partir de 2020 e que deverá responder a estes novos requisitos para que ainda seja possível salvar o ambiente, há outra realidade que vai surgir como uma bomba em frente dos "olhos" das economias mundiais.
Esta a narrativa mais adivinhável: combustível mais caro e raro para os navios - frete do transporte de mercadorias mais custoso - aumento do custo de vida galopante - pelo menos até que as coisas normalizem - como efeito colateral imediato - diminuição, que pode ser severa, da actividade económica global...
As consequências não podem ser agora totalmente perspectivadas.
Crude pesado vai ser crude barato ou sem valor?
Philip K. Verleger Jr., no seu explosivo documento, nota que este cenário vai obrigar a que o aumento da refinação do "novo" combustível aumente consideravelmente, pelo menos 10 por cento, incluindo outros sectores para além do marítimo, o que está longe de poder ser garantido pela capacidade actual.
Mas más notícias não ficam por aqui. Se é verdade que o petróleo leve vai, na certa, disparar para valores estratosféricos, é igualmente certo que as ramas mais pesadas, impossíveis de refinar, ou que ficam demasiado caras para refinar, essas vão passar a valer muito pouco ou nem sequer ter mercado para as absorverem, o que é claramente um alerta para, por exemplo em Angola, ser levado em conta, tendo em conta a existência de uma percentagem elevada de crude pesado (com alto teor de enxofre) entre os cerca de 1,55 milhões de barris produzidos diariamente nos dias de hoje e que pode passar a não ter mercado.
Verleger lembra que apenas metade das actuais refinarias tem equipamento que lhes permite refinar e transformar crude pesado em combustível utilizável, o gasóleo (leve) marítimo em vez do pesado fuel - sendo essa distinção técnica -, garantindo uma falha de abastecimento.
E lembra que a alta do valor do barril de 2008, quando o Brent de Londres - valor de referência para Angola - chegou aos 147 dólares, se ficou a dever, numa parte importante, à diminuição da oferta de gasóleo e gasolina com baixos teores de enxofre.
Como em tudo na vida, também aqui pode surgir um efeito de "cisne negro", traduzido por uma qualquer revolução inesperada na tecnologia que permita amaciar a crise a que se refere Verleger, ou ainda, como tem acontecido, a própria indústria naval, que tem acesso a biliões para investir, acelere a metamorfose e invista tudo na tecnologia híbrida, como já está a acontecer em algumas companhias do norte da Europa, cujos navios já trabalham a electricidade, dependendo apenas marginalmente de combustíveis fósseis.
Para já, hoje, quando este documento de Verleger está a ser atentamente analisado, o Brent de Londres está a subir moderadamente, para os 74,34 USD por barril.