Esse sinal de incómodo com a incoerência das posições em permanente mudança do seu homólogo norte-americano foi mostrado quando o ameaçou com inequívoca intencionalidade que qualquer ataque à Federação Russa com os mísseis norte-americanos Tomahawk "terá uma resposta surpreendente, senão mesmo devastadora", avisando que "é bom que pensem nisso".
Após o cancelamento do segundo tête-à-tête com o Presidente russo, depois de a 15 de Agosto, no Alasca, ter acontecido o primeiro em quatro anos, sinalizando o reatar das relações bilaterais que a anterior Administração Biden reduziu a zero devido à guerra na Ucrânia, Donald Trump voltou a sancionar a indústria petrolífera russa para Pressionar Putin a ceder nas suas condições maximalistas para acabar com a guerra.
Sobre essas sanções de Trump, especialmente direccionadas para os gigantes russos da energia Rosneft e Lukoil, que foram anunciadas ao mesmo tempo que o 19º pacote sancionatório da União Europeia, em grande parte incidindo no mesmo sector, Vladimir Putin admitiu que vão ter efeitos negativos mas avisou que "não vão fragilizar a economia russa".
Ao mesmo tempo, com um semblante anormalmente carregado, quando comparado com as últimas intervenções públicas, o chefe do Kremlin garantiu que "a Rússia e o povo russo, com qualquer país que se respeite, nunca cederão sob pressão", sendo que está por perceber ainda se a China e a Índia, colateralmente visadas devido às suas importações de energia russa, vão sucumbir à pressão norte-americana, o que poderá obrigar o Presidente russo a rever a sua firmeza.
É um "acto hostil", avisa Putin
Para já, Putin considerou as sanções de Trump como "um acto hostil" que pode danificar o processo de reatamento das relações entre os dois países, aproveitando para aconselhar o norte-americano a verificar para quem é que a sua Administração "está mesmo a trabalhar" quando os seus conselheiros o levam a sancionar a Rússia.
Estas palavras de Putin têm em pano de fundo a forte possibilidade de as sanções às multinacionais russas Lukoil e Rosneft poderem mesmo impactar o sector petrolífero que é vital para a economia russa e o financiamento da guerra na Ucrânia, porque, como notam analistas, os maiores importadores, China e Índia, "terão agora maior relutância em adquirir o crude russo".
Isto, porque serão obrigados, para evitar o impacto das sanções, entrar num esquema longo de intermediários que vai aumentar substancialmente o preço do petróleo russo e diluir a sua competitividade que assentava muito nos preços com desconto que permitiu a Moscovo evitar o efeito das sanções ocidentais ao longo destes quase quatro anos de conflito.
Aparentemente, como alguns analistas têm alertado, Donald Trump estará a jogar uma partida de póquer com valores elevados com os russos, e tanto as ameaças de fornecer mísseis de cruzeiro com potencial nuclear Tomahawk aos ucranianos como as sanções "duras", como lhes chamou o norte-americano, são parte do "bluff" para obrigar o Kremlin a ceder.
E, aparentemente, a reacção de Putin não foi a que se pretendia, porque não apenas garantiu que o orgulho russo impedia qualquer cedência sobre pressão, como o aconselhou a pensar "muito bem" sobre a questão dos Tomahawk, porque a resposta russa ao seu uso contra alvos na Federação, "será rápida e chocante".
Um perigoso jogo de póquer
E estes avisos não são parte de qualquer truque de mesa de póquer, porque em Washington se está a analisar com atenção as notícias sobre o crescimento da linha dura no Kremlin, encabeçada pelo antigo Presidente Dmitri Medvedev, que começam a pressionar Putin para ir "all in" e ver o que é que os americanos fazem depois.
Para já, ao que tudo indica, as palavras de Putin estão a ser consideradas como merecedoras de atenção, porque a porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, já veio dizer que o encontro de Budapeste entre Trump e Putin não está, afinal, fora da agenda, e o Presidente norte-americano, quase em simultâneo, garantia que a questão do envio dos mísseis Tomahawk para Kiev era já uma carta fora do baralho.
Putin avisou, como tem sido o seu timbre ao longo desta crise nas relações com a Europa ocidental e os EUA no âmbito da guerra na Ucrânia, que a Rússia não vai ficar impávida e serena com as constantes ameaças de escalada militar no conflito e que, mesmo "preferindo o diálogo a uma guerra" para diluir as diferenças com Washington, tornou claro que existem limites e deixou transparecer que dentro das paredes do Kremlin ergue-se uma robusta linha dura na elite dirigente do país que lhe está a retirar espaço para os seus excessos diplomáticos.
Isto, porque, na Rússia, ao contrário do que emerge nos média ocidentais, a razão no contexto do conflito ucraniano está do lado da Rússia, devido às "raízes profundas" das suas causas, como a ameaça de uma adesão de Kiev à NATO, ou, por exemplo, a soberania russa das regiões anexadas na Ucrânia após o golpe de Estado financiado e organizado pelos EUA, em 2014, que expulsou do poder um Presidente, Viktor Yanukovich, pró-russo...
E a insistência ocidental, como ficou claro esta quinta-feira, em Bruxelas, numa reunião do Conselho Europeu, com a presença de Zelensky, que não poupou elogios aos aliados europeus e a Trump pelas novas sanções à Rússia, focada no reforço "incansável" do apoio à Ucrânia, sob a justificação de que a invasão russa de 2022 foi "injustificada", é vista em Moscovo como um desígnio, que foi repetidamente afirmado pela presidente da Comissão Europeia, Ursula Leyen, de "vergar a Rússia no campo de batalha" para Fragilizar Moscovo no âmbito da batalha global por uma nova ordem mundial que opõe, por um lado, a China e a Rússia, e do outro EUA e os seus aliados europeus...
Trump, de negociador a senhor da guerra?
Quando regressou à Casa Branca, Donald Trump afirmou-se como um pêndulo nesta "guerra" geoestratégica que tem no conflito ucraniano um vértice actualmente, procurando mediar as negociações, afastando-se de Kiev, reduzindo os apoios à Ucrânia, enfurecendo com isso os seus aliados europeus da NATO e, especialmente, Zelensky...
Esse movimento no xadrez das geopolítica era essencial para se afastar do empenhado compromisso da anterior Administração de Joe Biden na derrota russa no campo de batalha para emergir como mediador, mas sem nunca abandonar totalmente Kiev, com a intelligentsia norte-americana sempre ao lado de Volodumyr Zelensky, embora com menos armas...
E por alguns meses, Trump conseguiu falar com ambos os lados da barricada, mas, actualmente, parece estar, claramente a ceder aos esforços de Londres, Paris e Berlin no boicote ao reatar das relações de Washington com Moscovo, o que aparece materializado nestas últimas semanas de grande convulsão geopolítica com os EUA a ameaçarem o Kremlin com os Tomahawk e as novas sanções à Rússia.
A questão agora é se o Presidente Trump mantém ou miúda de novo a agulha. Para já, começam a surgir sinais de que pode ter percebido que foi longe demais na procura de encostar Putin às cordas.
Isto, porque o próprio veio nas últimas horas desmentir com veemência uma notícia do Wall Street Journal, media norte-americano comummente visto como a "voz" da linha dura na Casa Branca e no Pentagono, considerando, numa publicação na sua rede social Truth Social, "fake news" que tivesse autorizado o Presidente Zelensky a usar os mísseis de longo alcance norte-americanos contra alvos na profundidade da Federação Russa, para os quais Putin avisou que terão "uma resposta imediata e devastadora".
Um Tomahawk, dois Tomahawk, três...
Recorde-se que os mísseis Tomahawk (ver links em baixo), além de serem dos mais poderosos no arsenal norte-americano, apesar de serem de cruzeiro, e, por isso, mais lentos, e terem a funcionalidade de também transportar ogivas nucleares, têm um alcance de 2.500 kms e podem, por isso, atingir quase todos os alvos de interesse económico e militar na metade ocidental da Federação Russa.
E se há uma coisa que Trump está ciente é que o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, já o informou, porque o próprio o disse, que assim que puder, usará estas armas para "apagar" Moscovo.
Em síntese, se se tratar mesmo de um jogo de póquer, este momento de tensão rara e histórica, pode sempre diluir-se com a desistência de um dos jogadores, mas se as partes tiveram mesmo "cartas", como Trump disse no famoso encontro com Zelensky na C asa Branca, em Fevereiro, que o ucraniano não tinha, então este momento pode mesmo ser ainda mais grave que a crise dos mísseis de Cuba que abalou o mundo na década de 1960.











