Os dados da inflação compilados pelo Instituto Nacional de Estatística sugerem, entretanto, que o BNA vem falhando no cumprimento da sua missão principal. Assim, o poder de compra da moeda nacional - o Kwanza - caiu cerca de 10,6 vezes entre 31/12/2015 e 28/02/2025 e cerca de 2,8 vezes entre 31/10/2021 (ano da formalização da independência do BNA) e 28/02/2025. Isso significa que, em média, a 28/02/2025 se deveria desembolsar cerca de 1.061 kwanzas por algo que a 31/12/2015 custava apenas 100 kwanzas e cerca de 276 kwanzas por algo que a 31/12/2021 se pagava com 100 kwanzas.
Então, o uso das ora referidas taxas de juro como instrumentos de Política Monetária pelo BNA tem sido, manifestamente, ineficaz. Qual a razão disso?
A economia angolana tem problemas estruturais, dos quais se destacam a sua natureza rendeira, o seu baixo nível de diversificação (é substancialmente dependente do sector petrolífero), a existência de um "enclave do dólar no sector petrolífero" e um elevado peso da economia informal. Disso decorre que: os mercados de bens, de serviços, do trabalho, monetário, cambial, imobiliário, de capitais - entre outros - não estejam completamente estabelecidos nem suficientemente desenvolvidos e interligados; e os ciclos económicos são determinados sobretudo pela variação da renda petrolífera - conforme influenciada pela volatilidade do preço de exportação e pelo comportamento da produção - e não pelo comportamento das variáveis poupança e investimentos. Deste modo, as pressões inflacionistas emergem sobretudo da redução da renda petrolífera - com a consequente redução da oferta interna de bens de consumo pela redução das importações destes e dos bens intermédios - bem como de quedas da produção interna por factores sazonais e eventos climáticos anormais. Daí a irrelevância das Taxas de Juro reitoras do BNA como instrumento de Política Monetária, pois a sua transmissão para a economia vai de muito fraca (TJFCL e TJFAL) a nula (Taxa BNA).
Mas dos fluxos de entrada de divisas do sector petrolífero em si mesmo, seja na forma de renda do Tesouro Nacional ou de impostos, também têm emergido pressões inflacionistas. Assim é que, entre 1992 - quando se adoptou formalmente o sistema de economia de mercado - e 2003, Angola enfrentou o desafio da estabilização macro-económica, pois as taxas de inflação anuais rondavam entre os 3 e 4 dígitos, sobretudo por pressões decorrentes dos fluxos crescentes da renda petrolífera. Isso porque o BNA monetizava esses fluxos por contrapartida da acumulação de Reservas Cambiais, o que gerava uma contínua expansão monetária. Só a partir de 2003, com a adopção do designado "mecanismo de esterilização ex-ante", se assistiu à queda acentuada e sustentada da inflação, que viria a atingir um dígito em 2012. Com esse mecanismo, em vez da monetização dos recursos do sector petrolífero, a moeda nacional para o Tesouro Nacional era obtida por contrapartida da venda das divisas no mercado cambial aos agentes que dela demandavam legitimamente. Mas, depois de reduzida substancialmente a inflação, o BNA entendeu passar a combinar o "mecanismo de esterilização ex-ante" com o que designou "esterilização ex-post", que na verdade era uma monetização parcial.
Com a crise financeira de 2014, provocada por uma queda do preço de exportação do petróleo bruto de 48,5%, o BNA passou a racionar as divisas, adoptando, a partir de 2015, um sistema, à margem da lei, de vendas directas a empresas e instituições, conforme uma lista de prioridades aprovada pelo Governo. No âmbito do programa com o FMI, em 2018, retomou o leilão de divisas que vigorava antes. Com a perspectiva de implementar um mercado cambial de facto, no qual interviria apenas nos casos requeridos para regulação, em função dos objectivos de política estabelecidos, a partir de Janeiro de 2020, o BNA iniciou um modelo de pagamento de impostos pelas companhias petrolíferas via banca comercial, que já havia sido tentado no passado, adoptando para o efeito a plataforma FXGO da Bloomberg. Deste modo, deixou de adquirir directamente as divisas das companhias petrolíferas e da Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis com ou sem monetização, passando estas instituições a negociar directamente com a banca comercial. Foram autorizadas também a participar as companhias diamantíferas, o Tesouro Nacional e as companhias aéreas e de seguros. Esse procedimento previne a expansão da Base Monetária pela eventual monetização das divisas pelo BNA, mas o facto dos bancos comerciais adquirirem as divisas maioritariamente por constituição de depósitos em moeda nacional como contrapartida, em vez de ser com os fundos dos seus clientes que a demandem, acaba provocar também a expansão dos meios de pagamento, e, consequentemente, criar pressões inflacionistas.
A definição pelo BNA da Taxa BNA como taxa reitora da Política Monetária, assim como da TJFCL e TJFAL, em detrimento do controlo dos agregados monetários, ocorreu em Setembro de 2011, com a decisão de adoptar o regime de metas de inflação. A decisão fora justificada com a necessidade de se garantir a eficácia dos instrumentos de Política Monetária, num contexto de crescimento do peso do sector financeiro na economia, e permitir o aprofundamento dos canais de transmissão da Política Monetária. Contudo, em Junho de 2018, decidiu abandonar tal regime, sem que alguma vez tivesse anunciado as metas de inflação e, consequentemente, avaliado se elas terão sido alcançadas. A justificação foi sustentada no facto de haver um consenso a nível internacional de que a adopção plena ou parcial de um regime de metas de inflação "requer um mecanismo de transmissão monetária eficaz, que só é possível com um sistema financeiro suficientemente desenvolvido" - requisito que Angola não reunia - além de que a economia era particularmente vulnerável a choques externos. Considerou então recomendável adoptar uma estratégia de transição, na qual o quadro operacional da política monetária seria caracterizado "por um regime de metas monetárias, incorporando alguns princípios do regime de metas de inflação" , embora nunca viesse a abandonar as taxa de juro como seus instrumentos privilegiados de Política Monetária. Subsequentemente, mesmo não existindo ainda um mecanismo de transmissão monetária eficaz, assim como persistindo a vulnerabilidade da economia a choques externos, o CPM anunciou a 30/09/2021 que estava a analisar a adopção - mais uma vez - do regime de metas de inflação, desta feita com fundamento no facto de "já existirem outros instrumentos de pagamento que não o numerário".
O evidente flip-flop do BNA entre 2011 e 2021 em relação "ao quadro operacional da Política Monetária" e a persistência no uso das taxa de juro como instrumentos de Política Monetária, embora ineficazes, mostra-se preocupante, sugerindo algum desnorte e até mesmo problema de competência. Também preocupante é a tendência para sinalizar relaxamento da oferta monetária diante de alguma tendência de desinflação, num quadro de elevadas taxas de inflação - a 2 dígitos - e de falta de controlo dos factores estruturais potenciadores das pressões inflacionistas. O modelo de governação da instituição, que decorre da Constituição e da Lei, do qual resulta falta de escrutínio das suas acções e incentivo ao corporativismo na instituição, acentua a preocupação. É que, nos termos da Constituição e da Lei do BNA, o Conselho de Administração (CA) da instituição é integrado pelo Governador, por dois Vice-Governadores, por dois Administradores Executivos (AE) e por seis Administradores Não-Executivos (ANE). O Governador, indicado e nomeado pelo Presidente da República, é quem propõe os dois Vice-Governadores, tendo todos eles funções executivas; e os dois AE e os seis ANE são propostos pelo CA que é presidido pelo Governador, de maneira que membros titulares do CA propõem futuros membros do CA. Há ainda o facto do Comité de Auditoria ser integrado por três ANE designados pelo CA. Fica evidente que, fora a exigência da sujeição das contas a uma auditoria externa e da instituição à fiscalização do Tribunal de Contas, falta escrutínio adequado ao BNA, o que não deve ser confundido com independência. Ademais, não se observa a segmentação de funções, nem a prevenção de conflitos de interesses exigível pela Lei do Regime Geral das Instituições Financeiras (Lei n.º 14/21, de 19 de Maio) e pelo Código do Governo Societário das Instituições Financeiras Bancárias definido pelo BNA através do Aviso n.º 01/2022, de 28 de Janeiro, às instituições financeiras supervisionadas pelo BNA: CA designado pelos accionistas e uma Comissão Executiva separada do CA e presidida por pessoa distinta do Presidente do CA; integração do CA por administradores independentes e não executivos, que exercem fiscalização sobre a Comissão Executiva; um órgão de fiscalização integrado por membros maioritariamente independentes designados pelos accionistas. Por outro lado, no plano operacional da condução da Política Monetária, o BNA acha-se também fechado em si mesmo, pois o CPM é integrado apenas por entidades da própria instituição.
Então, como já sugerido em outros artigos, faz-se necessário assegurar-se o escrutínio do BNA e que, a todo o tempo, a instituição aja com competência na condução das políticas monetária e cambial. Isso requer, entre eventualmente outras acções, que: os ANE sejam independentes e propostos, com base no mérito, pelo poder executivo e confirmados pelo poder legislativo; o Comité de Auditoria seja independente do Conselho de Administração; o CPM integre membros externos ao BNA, propostos pelo Poder Executivo com base nas suas qualificações, competências comportamentais e técnicas e relevância da experiência profissional.
1 Em Cerqueira, José. Os Dois Métodos da Salvação da Economia de Angola, Edição Online, Agosto de 2020, Luanda.
2 Cf. em https://www.bna.ao/uploads/%7Bddfb662c-a593-4096-a3de-b14807d326be%7D.pdf.