O mais importante para essa reflexão é referir que os Acordos de Bicesse trouxeram um pressuposto novo, que foi a institucionalização da democracia multipartidária e as pretensões de implantação de uma economia de mercado. Portanto, as reformas da década de 1990, diferenciam-se das do período anterior, que, apesar de enunciarem a economia de mercado, não tinham a base legal, a qual veio a ser plasmada na Lei Constitucional de 1991 e 1992. Vejamos então, em primeiro lugar, o estado da economia entre 1992 a 2002, para, depois, debruçamo-nos sobre as reformas encetadas, na tentativa de reverter as deformações prevalentes na economia nacional.
A economia angolana, após as eleições de 1992, por assim dizer, colapsou totalmente, se no período anterior o problema era essencialmente a fraca capacidade de gestão das empresas herdadas do regime colonial português (sector industrial e agrícola) e das que foram criadas pelo Estado, particularmente do sector do comércio (Eremista - UEE, Egrosbind - UEE, Egrosbal, Encodipa - UEE, Anghotel-UEE, entre outras), nesta fase, as empresas que haviam sido criadas no período anterior desapareceram, umas por via do redimensionamento do sector estatal, em que algumas foram entregues aos gestores dessas empresas, outras, simplesmente desapareceram, sem ter havido um processo de liquidação das mesmas, imaginando-se, por conseguinte, o destino que foi dado ao património. Outras empresas herdadas do colonialismo português foram saqueadas com a eclosão da guerra pós-eleitoral de 1992. O pouco que restava do sector produtivo, desmoronou, como consequência, o desemprego disparou, a carência de bens acentuou-se e a inflação atingiu níveis de 4 dígitos (1000%).
A economia tornou-se cada vez mais dependente do sector petrolífero, então responsável por 80 a 90% das exportações e mais de 50% do PIB no fim da década de 1990. A produção agrícola e industrial foi fortemente afectada pela guerra civil, pela quase inexistente diversificação da economia. Consequentemente, o sector informal cresceu desmedidamente, tornando-se um dos pilares da sobrevivência da população urbana. O Produto Interno Bruto (PIB) cresceu de forma irregular: anos de guerra intensa redundaram na retracção ou crescimento muito baixo do PIB, enquanto a população crescia desordenadamente (quer por natalidade, como por entrada de imigrantes, particularmente, do antigo Zaire, hoje República Democrática do Congo e de países do Oeste Africano). Os picos de crescimento associados ao aumento da produção de petróleo (meados e finais dos anos 1990), não se traduziram na criação de riqueza, ou seja, não houve, efectivamente, desenvolvimento económico, gerando profundas desigualdades sociais. Uma das características mais marcantes deste período foi a hiperinflação (taxas anuais superiores a 1000%). Entretanto, após reformas (1994-1997), verificou-se algum abrandamento, mas ainda persistia a inflação muito elevada (na classe das centenas, 221,50% em 1997).
Fraseando a analogia de Walter Marques, em Moeda e Instituições Financeiras, o sistema financeiro é o coração da economia de um país, as estradas representam o sistema de circulação, que faz pulsar o sangue (riqueza) no território nacional. No aludido período, o sistema bancário encontrava-se em reestruturação, com a revogação da lei que determinava a actividade bancária como reserva exclusiva do Estado (Lei n.º 4/78 de 25 de Fevereiro). Emergem, neste período, os primeiros bancos privados, essencialmente de matriz portuguesa (Banco Totta & Açores, Banco Fomento Exterior, etc.). Entretanto, eram mesmo os primeiros passos, o sector bancário ainda era muito frágil, verificava-se baixa confiança na moeda nacional (o Kwanza), o que estimulava a dolarização da economia; o crédito ao sector produtivo era quase inexistente, o que travava o investimento fora do sector petrolífero. Igualmente, neste período, dada a dependência quase total das exportações de petróleo e diamantes, a balança de pagamentos era vulnerável à variação dos preços internacionais do crude, as reservas cambiais mostravam-se muito baixas, pressionando a taxa de câmbio, o que fez florescer o mercado negro da moeda estrangeira. As contas nacionais completavam o quadro do péssimo desempenho da economia nacional; as finanças públicas estavam desequilibradas, dado que o Estado dependia fortemente das receitas do petróleo; era evidente a baixa capacidade de arrecadação de impostos do sector não-petrolífero, os gastos públicos elevados devido ao esforço de guerra afundavam o défice orçamental. Esse ambiente requeria reformas estruturais de fundo.
O ponto alto das reformas, no período 1992 - 2002, foi o estabelecimento da economia de mercado, reafirmada pela Lei Constitucional de 1992. Em consequência, foi aprovada a Lei de Base da Privatização (Lei n.º 10/94 de 31 de Agosto), permitindo a privatização das Unidades Económicas Estatais (UEE). Igualmente, foi publicada a Lei do Investimento Estrangeiro, que estabeleceu a abertura ao capital externo, dando-se início a liberalização de preços e do comércio. Foi neste período que se assistiu à canibalização das empresas estatais e à sua transformação em armazéns de venda a grosso, em que a actividade do comércio de bens alimentares foi tomada pelas empresas estrangeiras associados à elite política do partido dominante.
Entretanto, em 1993, foi lançado o Programa de Estabilização Económica e Financeira (PEEF), cujas medidas visavam: combater à hiperinflação que estava ao nível de 4 dígitos, implementar uma política de austeridade fiscal e reformar política cambial, com a tentativa de unificação da taxa de câmbio oficial com a do mercado paralelo (Kinguilas). Nesta altura, verificaram-se os primeiros contactos com o Fundo Monetário e Internacional (FMI) e Banco Mundial (BM), de que o País se tinha tornado membro em 1989, na tentativa de obtenção de assistência financeira e técnica, que, entretanto, não se concretizou.
Seguiu-se, entre 1994 e 1997, o Programa de Reforma Económica (PRE), que perseguia a consolidação da liberalização do mercado, a intensificação do processo de redimensionamento do sector estatal e a criação de condições e oportunidades para expandir o sector bancário privado (entre os quais a criação do Banco Africano de Investimento, o actual Banco Angolano de Investimento - BAI), com a Sonangol a participar no capital dessas iniciativas. Foi com este programa que foram dados os primeiros passos em direcção à reforma tributária e à melhoria na arrecadação das receitas fiscais, que, entretanto, as medidas foram sufocadas com o reacender da guerra civil.
Em 1998, foi lançado o Programa de Normalização Económica (PNE), que se estendeu até mais ou menos o fim da guerra, em 2002, os objectivos do programa, para não variar, eram a estabilização macroeconómica; ajustes fiscais e cambiais, a estabilização dos preços na economia e o controlo do défice orçamental, intensificaram-se os preparativos das negociações com os credores internacionais (Club de Paris, dívida bilateral e outros credores). Até aquela altura Angola não tinha obtido sucesso com as instituições multilaterais (FMI e BM). Por conseguinte, pode-se verificar que, ao longo dos anos, os programas de reformas encetados perseguiam corrigir: as altas taxas de inflação, a correcção do défice orçamental, a redução entre a taxa de câmbio fixa e o mercado paralelo, que corroía as Reservas Internacionais Líquidas (RIL), a dependência das contas nacionais e da disponibilidade de cambiais ao sector petrolífero, portanto, a inexistente diversificação da economia, as elevadas taxas de desemprego e a florescência da economia subterrânea (informal), que exigia do Estado, mas não contribuíam para a sua manutenção. Concluindo esta segunda reflexão sobre as reformas encetadas desde o Programa do Saneamento Económico Financeiro (SEF) até a presente data, pelo narrado, verifica-se que as acções reformistas encetadas entre 1992 e 2002 não conseguiram atingir os objectivos a que se propunham, pese a perfeição na sua concepção, em parte, devido ao irrealismo e honestidade no diagnóstico, ao que se deve, essencialmente, ao facto de que o político sempre se sobrepôs ao económico, em Angola, para além de alguns dos programas serem cópias de realidades muito diferentes do ambiente prevalecente no País. Continuo no próximo texto, com o rol de formas empreendidas no período entre 2002 e 2017. Até a próxima!