Apesar dessa triste situação, há ainda casos que usaram a dificuldade como combustível para darem no duro, para criarem oportunidades que amoleçam a dureza da vida, fazem-nas acreditar que também podem fazer bem e dar-se bem. Nesse período de restrições, conheci o Lito Tchivinda de Benguela e os manos Pinto de Saurimo, Edmilson e Flauta, que são bons exemplos de se tirar o chapéu, ajudá-los e ver que há quem prefira levantar, pôr as mãos na massa e transformar o amargo da vida em combustível para continuar a caminhada.

Lito nasceu em Benguela, de onde ainda puto veio a Luanda em busca de melhores condições de vida. Foi roboteiro na praça dos congoleses e imediações durante alguns anos. Mas, por causa da kunga rija, do pouco que conseguia e que ainda tinha de "dar lá" aos donos do alheio, vizinhos do seu bate-chapa no Zengá, entristeceu, desistiu da nguimbi, recolheu o coxito e decidiu regressar à sua terra natal, onde ajudou a sua família na lida da terra e dos animais. Com o pai, já idoso, Lito começou a vender cabritos que compravam nas aldeias e os traziam para Luanda.

Depois passaram a vender bois, um negócio que era mais rentável. Cerca de 10 anos passados, Lito é hoje um dos vendedores mais conhecidos no matadouro do Songo, Luanda, onde traz por mês cerca de 40 bois e vacas. Foi lá que o conheci, a negociar um garrote, que era o último dos animais que ele trouxera.

Após a conversa sobre o batimento do preço, o rapaz contou a sua caminhada e como é o seu dia-a-dia no negócio da carne, em que conseguiu gerar empregos directos e indirectos a muito boa gente nessa cadeia de negócios, onde se encontram pastores que criam e cuidam do gado, o pessoal que transporta os bois até Luanda, o dono do espaço (matadouro) onde os bois ficam, a dona da casa que os vendedores arrendam quando estão em Luanda, os guias que conduzem o gado até ao abate, os «micheiros» que compram os bois a eles e revendem a outros clientes, os veterinários que atestam a saúde dos animais, os seguranças do recinto, a equipa de abate, corte, limpeza dos bois, a equipa de limpeza e de manutenção, entre outros intervenientes.

Lito tem hoje um volume de negócios bom, visto que um boi pode chegar até aos 350 mil Kz, dependendo do tamanho. Lito Tchivinda, dono de um farto sorriso com o qual conquista os clientes, está feliz com o que faz, ajudou a criar um negócio de família e kambas que os sustenta, e já sonham em investirem noutras áreas, como na abertura de uma loja de peças de motas em Benguela.

Já Edmilson e Flauta Pinto são de Saurimo, Lunda Sul, de onde saíram há uns meses em busca também de melhores condições de vida. Mas Luanda abraçou-lhes com muita força, tanto que vacilaram, lacrimejaram e também pensaram em desistir, em abandonar o sonho de serem rappers famosos, com hits a baterem que não na rocha. Mas quando menos esperavam uma mão amiga, ajudou-os a saírem da dibinza autêntica, permitindo que continuassem a caminhar de cabeça erguida. Conheci os rapazes na Centralidade do Sequele onde trabalham com uma senhora na confecção de bolos que vendem a zungar pela centralidade, de uma forma bué criativa.

Aliaram a boa disposição à música e à vontade de vencer e decidiram fazer um pregão cantado a anunciar o bolinho que kuya bué, "que é a coisa mais fixe, mais bela que existe nesse mundo e que quem comprar não vai reclamar, porque vai gostar". Eles temperam com simpatia, trabalho e respeito a vida de muitas pessoas conquistadas pela criatividade e respeito e que não imaginam o bem que fazem ao comprarem os bolos que desde manhã até ao entardecer perfumam as ruas do Sequele.

O corona afectou-os, fez as vendas baixarem de 200 bolos para os 150 que cada um vende por dia, de segunda a sábado. São referências pela forma diferente com que se apresentam e divulgam o produto, num som que já é um sucesso. Do que ganham juntam para realizarem os sonhos, voltar a estudar, arrendar uma casita condigna, com wc, para que possam tomar banho, uma cama para dormirem confortáveis, algo difícil hoje, porque o bate-chapa onde pernoitam nas imediações da centralidade não oferece grandes condições e, é claro, ajudarem a família que ficou em Saurimo. Apesar de tudo o sorriso brilhante das luboias passeia no doce das vidas que eles agradam.

Espero que a garra, criatividade, visão, espírito de equipa e entre ajuda, alegria, respeito, trabalho e energia positiva que o Tchivinda e os Pinto oferecem diariamente sirvam de motivação para quem precise de levantar e dar o litro em busca do pão que fará a vida mais saborosa e que permitirá viver o sonho e fazer sonhar. A quem já tem tudo isso, pode sempre ajudar os Litos, Flautas e Edmilson"s a fazerem escolhas certas, estudarem e bumbarem bem para que possam viver de forma condigna e oferecerem dignidade a muito mais pessoas, para que possamos fazer todos uma corrente bué fixe com mambos kuyosos que nos ajudem a levantar essa Angola toda boa que é nossa e que precisa de nós.