Nenhuma das razões que os analistas apontam como justificação para esta correcção em baixa do Brent, a referência principal para as ramas angolanas, é estrutural, sendo apenas um ligeiro arrefecimento nocturno que terminará com o sol a elevar-se no horizonte ao longo do dia.

Foi o dólar norte-americano, que resiste aos ataques russo, chinês, indiano e brasileiro, entre outras potências do Sul Global, e na terça-feira ganhou músculo face às moedas concorrentes, o que sempre que acontece, sem excepção, leva a perdas nos mercados do crude.

Isto, porque um país como a Índia, por exemplo, comprar parte do seu petróleo à Nigéria, o pagamento é feito em USD, e, para isso, neste momento, precisa de mais rúpias para comprar os dólares com que vai adquirir a matéria-prima.

O outro factor que arrefeceu os mercados foi a opção dos investidores em recolher dividendos face aos preços apetitosos, injectando crude no mercado, diluindo a diferença entre oferta e procura, que é, ainda e, provavelmente, para sempre, o que, no fim, decide o valor do barril.

Como é habitual, estes impulsos indirectos influenciam os mercados mas não são robustos qb para impedir que a "normalidade" volte a impor-se influenciada pela guerra em Gaza, o conflito na Ucrânia, a melhoria dos dados da economia chinesa e da norte-americana...

E da política férrea da OPEP+ para manter os mercados equilibrados a pender para os seus interesses, através de cortes na produção, ou ainda dos sinais que chegam da FED e do Banco Central Europeu de que as taxas de juro directoras estão vai que não vai para baixar.

Portanto, não é certo a 100% mas é normal que os 87,60 USD que o barril de Brent valia a meio da tarde de terça-feira voltem a ser vistos nos ecrãs de Londres a meio da tarde desta quarta-feira ou, na manhã de quinta-feira, 21, porque as razões de então... ainda lá estão.

Para já, perto das 10:00 de hoje, hora de Luanda, o barril de Brent estava a valer 86,91 USD, menos 0,54% que no fecho de ontem, mas, na linha do dito acima, a recuperar já do tombo inicial, quando chegou, cedinho, aos 86,80 USD.

Isto, porque, depois de terminada a "refeição" dos investidores que colheram os dividendos chorudos dos últimos dias, mesmo semanas, sempre a subir, a seguir vem a digestão e o apetite não tarda a impor-se, com novas injecções de capital na matéria-prima, mas não só.

Além disso, na Rússia, o 2º maior exportador do mundo, a seguir aos sauditas, algumas das suas refinarias do oeste do país, continuam a ser atacadas pelos drones ucranianos a ponto de duas das maiores estarem entre as cinco onde ocorreram explosões.

Explosões essas que retiraram de circulação perto de 8% dos refinados exportados diariamente pela Rússia para os seus novos mercados, na Ásia, depois de os europeus se terem autoflagelado com as sanções impostas aos russos a quem deixaram de comprar, além do crude e do gás, os seus refinados.

Mas como o negócio da energia é global, se a manta é curta, quando se puxa para tapar a cara, destapa-se em baixo, que é como quem diz, se os gigantes asiáticos não tiverem a energia russa, compram-na... nos pés.

Efeito que chega aos mercados traduzido em dólares e não em política, como, de resto, o demonstra o facto de tanto europeus como norte-americanos terem retirado oficialmente a Rússia da lista dos seus fornecedores de energia mas a comprarem-na por portas travessas.

Além deste elemento, que mantem os mercados sobressaltados, que é o que puxa o barril, a guerra de Israel em Gaza continua a injectar adrenalina entre os traders, desde logo com os estilhaços que caem no Canal do Suez, em forma de ataques dos rebeldes Houthis aos navios que cruzam o Mar Negro.

E, para já, nem a guerra na Ucrânia está resolvida, nem o conflito em Gaza iniciou o fade out esperado face ao "genocídio", crime de que Israel está a ser acusado no TIJ, em Haia, pela África do Sul et al, dois alicates apertados nas partes sensíveis dos mercados petrolíferos.

Além disso, como a Reuters noticia esta quarta-feira, 20, os stocks de combustíveis e crude nos EUA estão a cair lenta mas progressivamente há semanas, embora com naturais oscilações positivas pelo meio, o que se traduz por um bom momento da maior economia mundial.

Entretanto, perante esta montanha de adrenalina que caiu sobre os mercados durante as últimas horas, quando o barril de Brent seguia, rotineiro, como previsto, (ver aqui) para os 90 USD and beyond, em Angola, o Governo de João Lourenço e a sua equipa económica vão sorrindo.

E as contas são simples de fazer

Apesar de ter abandonado a OPEP recentemente, Angola, que é um dos produtores e exportadores que mais dependem da matéria-prima em todo o mundo, devido à escassa diversificação económica, ter o Brent nos 86 USD permite, embora não seja o antidoto definitivo, diluir alguns dos efeitos devastadores da crise cambial e inflacionista, até porque o país enfrenta também o problema da persistente redução da produção diária.

Com OGE 2024 elaborado com um valor de referência médio para o barril de 65 USD, estes valores actuais permitem um relativo optimismo, mas aumentar a produção é o factor-chave, o que ficou mais fácil depois de Angola ter, em Dezembro passado, anunciado a saída de membro da OPEP, o que deixa um eventual acréscimo da produção fora dos limites impostos pelo cartel aos seus membros como forma de manter os mercados equilibrados entre oferta e procura.

O crude ainda responde por cerca de 90% das exportações angolanas, 35% do PIB nacional e 60% das receitas fiscais do país, o que faz deste sector não apenas importante mas estratégico para o Executivo.

O Presidente da República, João Lourenço, deposita esperança, no curto e médio prazo, de conseguir o objectivo de aumentar a produção nacional, actualmente perto dos de 1,12 mbpd, gerando mais receita no sector de forma a, como, por exemplo, está a ser feito há anos em países como a Arábia Saudita ou os EAU, usar o dinheiro do petróleo para libertar a economia nacional da dependência do... petróleo.

O aumento da produção nacional não está a ser travada por falta de potencial, porque as reservas estimadas são de nove mil milhões de barris e já foi superior a 1,8 mbpd há pouco mais de uma década, o problema é claramente o desinvestimento das majors a operar no país.

Aliás, o Governo de João Lourenço tem ainda como motivo de preocupação uma continuada e prevista redução da produção de petróleo, que se estima que seja na ordem dos 20% na próxima década, estando actualmente pouco acima dos 1,1 milhões de barris por dia (mbpd), muito longe do seu máximo histórico de 1,8 mbpd em 2008.

Por detrás desta quebra, entre outros factores, o desinvestimento em toda a extensão do sector, deste a pesquisa à manutenção, quando se sabe que o offshore nacional, com os campos a funcionar, está em declínio há vários anos devido ao seu envelhecimento, ou seja, devido à sua perda de crude para extrair e as multinacionais não estão a demonstrar o interesse das últimas décadas em apostar no país.

A questão da urgente transição energética, devido às alterações climáticas, com os combustíveis fosseis a serem os maus da fita, é outro factor que está a esfumar a importância do sector petrolífero em Angola.