A Guiné-Bissau, com a ida do Presidente Umaro Sissoco Embaló às comemorações do Dia da Vitória, na quinta-feira, 09, em Moscovo, onde prometeu ao anfitrião Vladimir Putin uma "aliança permanente", e São Tomé e Príncipe, com um acordo militar com Moscovo.
Apesar das críticas em Lisboa, os dois países africanos de língua portuguesa não vacilaram e, pelo contrário, reafirmaram, como foi imediatamente possível ver pelas notícias da portuguesa agência Lusa, a opção de aproximação a Moscovo.
Com mais tempo para reflectir e ponderar uma reacção, até porque se trata de uma situação que pode ter precedentes recentes que a isso aconselham, como foi o caso dos países da "FranceAfrique" na costa ocidental africana e Sahel que abandonaram o "casulo" francófono para se chegarem à Rússia, a liderança da CPLP optou por não fazer ondas com esta situação.
O secretário-executivo da Comunidade, o timorense Zacarias da Costa, afirmou, sobre o acordo militar entre São Tomé e a Rússia, que não vê dramas e que é preciso respeitar a soberania dos Estados, após uma reunião com o primeiro-ministro Patrice Trovoada, onde o tema foi, seguramente, debatido.
Zacarias da Costa fez mesmo questão de dizer que a Comunidade é composta por nove países sem hierarquia e que as decisões soberanas de cada um dos seus Governos são respeitadas por igual, "sem dramas".
Ao contrário do que se está a passar em Portugal, onde este assunto está a gerar comoções que reverberam desrespeito por essa mesma soberania, vindo somar à polémica recente despoletada pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que defendeu ser altura de Lisboa pensar em ressarcir as suas antigas colónias pelo passado esclavagista e opressor.
O acordo em questão foi assinado por "por tempo indeterminado", abrangendo a área da formação, a área das armas e equipamentos e a recepção a embarcações e aviões russos no arquipélago, segundo explicou à Lusa fonte governamental são-tomense, tendo esses parâmetros sido discutidos num encontro entre o ministro da Defesa, Jorge Amado, e o chefe do Conselho de Segurança da Rússia, Nikolay Patrushev, que é uma das figuras de maior proximidade e confiança de Putin.
Sobre este assunto, oficialmente, o Presidente português sublinhou, em breves declarações, que o mais importante é "salvaguardar a unidade da CPLP" mas sublinhou ser fundamental manter o alinhamento com alguns princípios fundamentais, sem adiantar mais.
Já o ministro dos Negócios Estrangeiro, Paulo Rangel, claramente incomodado com as questões dos jornalistas, disse apenas e apressadamente que não fará qualquer declarações sobre este tema, embora mais cedo ou mais tarde o tenha de fazer porque um dos partidos da direita radical portuguesa, a Iniciativa Liberal, já avisou que o vai chamar ao Parlamento.
Nâo é conhecida ainda qualquer abordagem pública da diplomacia angolana a este assunto, embora isso sopssa suceder devido à proximidade conhecida e antiga de Luanda e São Tomé.
As imagens que correram mundo
Mas foram as imagens do Presidente da Guiné-Bissau, Sissoco Embaló, em plena Praça Vermelha, ao lado de Vladimir Putin, nas comemorações do 79º aniversário do Dia da Vitória sobre a Alemanha Nazi de Hitler, que mais faíscas produziram na antiga... metrópole.
Porém, tal como as autoridades de São Tomé e Príncipe, também em Bissau se lidou com o assunto seguindo em frente, tendo mesmo o Chefe de Estado guineense afirmado que a Rússia "pode contar com a Guiné-Bissau como aliado permanente e isso não mudará nunca".
E não se soube desta posição de força porque os media internacionais citaram Umaro Sissoco Embaló a partir das declarações que produziu ao lado de Putin, foi a Presidência guineense que disponibilizou à Lusa o áudio com as suas palavras proferidas na capital da Federação Russa, para não haver dúvidas sobre o passo dado.
Umaro Sissoco Embaló agradeceu a Putin "todo o apoio" que a Guiné-Bissau recebeu da antiga União Soviética, durante a luta armada pela independência, e salientou que essa contribuição é mais visível nas Forças Armadas.
"Na Guiné-Bissau mais de 70% dos nossos quadros militares foram formados na antiga URSS (o que dá) para ver qual a ligação que há entre nós e a Rússia", declarou Embaló, tendo, na mesma ocasião convidado Vladimir Putin a visitar a Guiné-Bissau.
Impossível não comparar
Esta situação, que se desenrolou com estrondo e surpresa, com dois países da CPLP e Palop a encetarem uma reaproximação a Moscovo, seguramente terá consequências porque ambos têm, igualmente, acordos de cooperação militar também com Portugal, um país da NATO e aliado dos Estados Unidos de primeira linha.
E no contexto actual de confronto global onde a Rússia e a China lideram, no contexto dos BRICS, onde está igualmente o Brasil, procuram diluir a hegemonia ocidental encabeçada pelos EUA, esta "brecha" no universo lusófono não deixará de provocar algumas faíscas diplomáticas.
Até porque bem presente na atenção global está a recente e pesada ruptura nas relações entre as antigas colónias francesas do Sahel, da denominada FranceAfrique - Níger, Mali, Burquina Faso de forma violenta, mas também na Guiné-Conacri, no Senegal ou, mais distante, no Gabão (ver links em baixo nesta página) - e a França.
Esta situação fez claramente ferver Paris e isso foi, segundo alguns analistas, a razão cimeira para o crescendo de hostilidade entre o Presidente Emmanuel Macron e os russos (ver links em baixo nesta página), que chegou mesmo a colocar a possibilidade de enviar forças militares para combater os russos na Ucrânia.
E também os Estados Unidos foram apanhados nesta adstringência do Sahel com Paris, porque o Nìger já pediu, com veemência, que os norte-americanos abandonem a sua base localizada no país.
Obviamente mais soft, mas, ainda assim com peso nas relações internacionais, esta aproximação de Bissau e São Tomé a Moscovo, se se intensificar, terá de criar adstringências diplomáticas com Lisboa devido ao "grand jeu" global em curso por uma nova ordem mundial onde Pequim e Moscovo estão a correr juntos contra Washington e os seus aliados ocidentais.
É que, embora pouco abordado mediaticamente, tanto São Tomé e Príncipe como a Guiné-Bissau são duas jóias quase em bruto na geoestratégia africana no contexto dessa batalha planetária entre as grandes potências, ambos com localizações no Golfo da Guiné insubstituíveis na sua relevância geográfica.
E, como é evidente, a actual situação de guerra na Ucrânia, que levou a generalidade dos países europeus, desde logo Portugal na primeira linha dos mais ferventes amigos de Kiev, a afastar-se da Rússia e a aproximarem-se do regime de Volodymyr Zelensky, deu ainda mais realce a esta situação que envolve os dois lusófonos africanos.
Para já, em Moscovo, o recém-empossado Vladimir Putin, para o seu 5º mandato, começou a mostrar sinais de que pouco ou nada quer mudar na gestão das várias frentes de batalha, seja nas trincheiras no leste europeu, seja nos corredores da política e diplomacias globais.
Mikhail Mishustin volta a ser aposta para primeiro-ministro, mas na frente militar...
Mikhail Mishustin foi já esta sexta-feira, 10, renomeado pelo Presidente Putin para o cargo de primeiro-ministro, naquele que é o primeiro sinal de o Kremlin não irá fazer grandes alterações ao seu Executivo com o início de mais um mandato, onde, por lei, os governantes têm de apresentar as suas demissões ao Chefe de Estado que os pode reconduzir ou não.
E se Mikhail Mishustin volta a ser aposta para primeiro-ministro, na frente militar não é forçosamente assim, porque os bloggers de guerra nos canais do YouTube e das redes sociais estão a dar como certo o regresso à frente de combate do famoso general Armagedão.
Que é a alcunha de Sergey Surovikin, o general que, por alguns momentos, chegou a ser associado à tentativa de sublevação do chefe do Grupo Wagner, Evgeny Priogozhin, mas que, depois descartada essa possibilidade, foi enviado para gerir a situação em África, precisamente na região do Sahel, onde Moscovo ganha cada vez mais tracção e a França está a ser afastada com violência diplomática rara.
Ao que tudo indica, Surovikin vai ser o novo responsável militar da ofensiva que a Rússia estará a preparar para este Verão, especialmente na zona norte da frente de batalha, na região de Kharkiv.
Embora ainda seja cedo para se perceber todos os entrelaçamentos do novo contexto na guerra, com a Rússia claramente em superioridade e a avançar rapidamente em várias frentes, perante o iminente colapso das forças ucranianas, o Presidente Zelensky surpreendeu tudo e todos com a demissão do responsável pela sua protecção e segurança, Serhiy Rud.
Isto acontece quando foram divulgadas notícias sobre o desmantelamento pela secreta militar ucraniana de Kirylo Budanov de um complot para assassinar Volodymur Zelensky lidewrado por dois oficiais superiores, embora sem que se conheça, até ao momento, se tinham ou não ligação a Moscovo.
Sabe-se é que o Kremlin colocou o Presidente ucraniano na lista dos procurados pela justiça russa, o que acontece a menos de duas semanas de chegar ao fim o mandato de Zelensky, não tendo este organizado novas eleições, onde poderia concorrer a um 23º mandato, por estar a isso permitido pela Lei Marcial em vigo devido ao contexto da guerra.
No entanto, alguns analistas sublinham que se Moscovo decidiu não atacar Zelensky por ser Presidente, a partir de 21 deste mês de Maio, essa inerência deixa de ter a protecção da moldura do cargo integral.
Se este complot para assassinar Volodymyr Zelensky já tinha esse novo enquadramento aos olhos dos russos, provavelmente nunca se saberá, ou apenas se saberá após o fim da guerra, mas se for efectivamente assim, isso significa que a vida do líder ucraniano está claramente ameaçada.