Num contexto de sério risco de uma guerra alastrar no Sahel como o fogo se expande na savana seca, a organização sub-regional da África Ocidental tem em cima da mesa uma ameaça de intervenção militar, com o apoio da França, cujo embaixador recebeu ordem para deixar o país em 24 horas, mas sérias reticências dos EUA, ambos com bases militares neste país, para fazer o Presidente Bazoum voltar ao poder.
Ao entrar para a lista dos países da África Ocidental com golpes militares (ver links em baixo nesta página) fortemente apoiados pela população, como o demonstram as repetidas manifestações com dezenas de milhares de pessoas em Niamey, o Níger (ver foto com mapa onde a vermelho estão os apoiantes e a cinzento os que não aceitam o golpe), tem a particularidade de não ter uma ligação evidente à Rússia, como sucedia com o Mali e o Burquina Faso, embora também a bandeira da Federação tenha surgido em grande número nestas concentrações populares, tal como sucedeu durante após o golp também militar na Guiné Conacry.
O que não impediu que tanto em Bamako como em Ouagadougou, e mesmo em Argel, sendo a Argélia o grande vizinho do norte do Níger, os avisos feitos à CEDEAO e à França, a antiga potência colonial que tem mostrado um especial empenho em promover uma intervenção regional para trazer Bazoum de novo ao poder, que era um dos mais fortes aliados de Paris em todo o Sahel, e com quem o país europeu contava para manter o fluxo do urânio nigerino para as suas estratégicas centrais nucleares.
Mas o desejo de Paris pode estar em vésperas de ser concretizado, porque, como noticia o site AFricaNews, a partir de uma entrevista à Al Jazeera, o presidente da comissão da CEDEAO para a paz, o ganês Abdel-Fatau Musah veio deixar claro que o plano dos lideres do golpe militar, cuja junta é encabeçada pelo general Abdourahmane Tchiani, onde estes se propõem a organizar eleições livres e democráticas no prazo de três anos.
Nestas declarações, Abdel-Fatau Musah explica que a CEDEAO não pode baixar os braços face a mais um, quando um "já é demais", golpe anticonstitucional, porque, antecipa, "se pode estar a criar as condições para um efeito dominó" que seria catastrófico para a democracia na região e no continente.
No entanto, Abdel-Fatau Musah sabe que se essa for a opção, isso levará directamente a um conflito que tem tudo para ser devastador, até porque, segundo notícias não desmentidas de várias media internacionais, o Burquina Faso e o Mali já disponibilizaram várias unidades militares equipadas para apoiar a junta liderada pelo general Tchiani num confronto eventual com a força de reacção rápida da CEDEAO, cujo corpo principal integra os exércitos da Nigéria e do Senegal.
Para piorar esta situação, a Argélia também já se posicionou de forma veemente contra essa intervenção, e proibiu mesmo a França de usar o seu espaço aéreo para qualquer acção visando o território do Níger.
Além disso, Tchiani e os seus comandantes já pediram o apoio ao Grupo Wagner, que tem milhares de homens com equipamento de ponta entre o Mali, o Burquina, a Líbia e a RCA, sabendo-se que a morte do seu carismático líder, Evgeny Prigozhin não vai afectar as missões destes mercenários russos ao serviço da estratégia de Moscovo... embora o Níger não esteja dentro da sua geografia prioritária, até porque é neste país que os EUA e a França têm importantes bases militares.
Abdel-Fatau Musah explicou que esta impaciência no seio da CEDEAO, apesar de os seus membros não estarem todos em sintonia com esta estratégia, havendo mesmo forte fricção face a uma intervenção, inclusive da Nigéria, cujo Parlamento se recusa a autorizar essa possibilidade sem estarem esgotadas todas as possibilidades diplomáticas, resulta do facto de no Mali e no Burquina Fase se ter dado todo o tempo pedido aos golpistas sem que isso tenha resultado em avanços rumo à normalidade democrática.
Porém, o que Abdel-Fatau Musah parece esquecer nestas declarações é que já em 2016, na Gâmbia, a CEDEAO optou pela intervenção com sucesso, depois do Presidente Yha YHa Jammeh ter recusado deixar o poder tendo perdido as eleições para Adama Barrow, o que só fez depois de a Nigéria e o Senegal, que se comportam como os guardiões da democracia na região, terem enviado fortes unidades militares para a fronteira gambiana e ameaçarem com uma invasão.
A rota migratória
Entretanto, segundo o britânico The Guardian, há agora fortes indícios de que o golpe de 26 de Julho no Níger tem uma relação directa com as políticas subservientes de Mohammed Bazoum com a União Europeia, fechando a rota nigerina dos migrantes subsaarianos rumo à costa mediterrânica de onde partem aos milhares rumo à Europa.
Com a Europa a debater-se com uma grave crise migratória, que teve um dos seus pontos mais altos em 2015, em Bruxelas optou-se por soluções radicais e claramente desumanas, como seja estabelecer acordos com os países geograficamente situadas nas principais rotas migratórias, como é o caso do Níger, pagando elevadas somos a esses governos para estancarem este fluxo gigante de migrantes para norte.
Bazoum, coincidentemente, chegou ao governo em Niamey, na condição de ministro do Interior, em 2016, tendo sido ele o autor da lei, que ficou com o seu nome, que permitiu às autoridades combater feroz e desumanamente os migrantes a caminho da Líbia e depois de Itália e Espanha ou Grécia.
No entanto, a razão para o mal estar gerado por esta lei entre os militares não é benigna, tudo indicando que ela foi responsável pelo esgotamento de um filão milionário para a tropa nigerina na forma de subornos dos migrantes para poderem continuar o caminho.
Para já, o Níger foi suspenso da CEDEA, da União Europeia e está sob pesadas sanções ocidentais, tendo perdido milhões de USD em apoio da União Europeia e dos EUA.
E, segundo vários analistas, face à pressão de Paris, é quase certo que, se não houver um acordo satisfatório para a CEDEAO, nas próximas semanas poder-se-á assistir a uma acção semelhante à de 2016 na Gâmbia.
Só que o Níger e os seus aliados não são a minúscula Gâmbia entalada no sul do Senegal... não só tem umas forças armadas, apesar de ser um dos países mais pobres do mundo, muito melhor equipadas, mais homens e, além disso, conta com o apoio enérgico das juntas que governam os vizinhos Mali e Burquina Faso, até porque estes sabem bem que se os "camaradas" do Níger caírem, a segir podem muito bem ser eles...