A decisão de não retirar o embaixador de Niamey foi avançada em Paris, no domingo, pelo Presidente Emmanuel Macron, durante uma conversa com embaixadores, onde deixou igualmente claro que a França, antiga potência colonial que está em risco de perder o acesso às riquezas do subsolo nigerino, especialmente às suas jazidas de urânio, essenciais para as centrais nucleares franceses, apoio igualmente uma acção militar externa para devolver o poder a Mohammed Bazoum.
Ainda não existe uma resposta do líder da junta, o general Abdourahmane Tchiani, mas o risco de alastramento de um conflito que envolva o vasto Sahel é cada vez mais visível, até porque não só aumentam as evidentes pressões de Paris sobre os países da Comunidade de Estados da África Ocidental (CEDEAO) para mandarem avançar uma força militar para repor a ordem constitucional em Niamey, como cresce a manifestação de disponibilidade de alguns países, com destaque para o Mali e o Burquina Faso, para apoiarem com armamento e tropa a junta militar que manda agora no país.
Sabe-se hoje que a CEDEAO está sob forte pressão francesa para decidir pelo envio de uma força "expedicionária" que chegue a Niamey e reponha o deposto Presidente Bazoum no poder, mesmo sendo evidente o risco de deflagrar um vasto conflito que deixaria em cinzas o já martirizado por anos a fio de actividade terrorista liderada pelos extremistas islâmicos da al qaeda do Magrebe, o estado islâmico, o boko harum ou o al shabaab.
O cenário de fogo ainda não se materializou porque entre os países da CEDEAO permanecem alguns resistentes que rejeitam essa intervenção, incluindo o Parlamento da Nigéria, país que seria sempre determinante para uma iniciativa deste género devido ao seu vasto exército e capacidade de projectar forças como não existe em nenhum outro membros desta organização sub-regional, à excepção do Senegal.
Existem ainda dúvidas dos EUA, que, tal como a França, tem perto de dois mil militares no país a operar uma base de drones com os quais vigia os grupos jihadistas do Sahel e do Corno de África, sem que, como sucedeu com os franceses, que mantêm mais de 1.500 legionários no país, fortemente equipados e entrincheirados no aeroporto da capital nigerina, tenham recebido da junta de Abdourahmane Tchiani ordem para saída.
Logo após o golpe de 26 de Julho, milhares de jovens marcharam nas ruas de Niamey em apoio ao Conselho Nacional para a Segurança da Pátria (CNSP), encabeçado pelo general Tchiani, empunhando, como já tinha sucedido nos golpes no Mali, em 2021 e 2022, no Burquina Faso, em 2022 e na Guiné Conacry, em 2021, bandeiras da Federação Russa, exigindo a expulsão dos diplomatas e militares franceses.
Se no caso do Mali e do Burquina Faso, a presença de mercenários russos do Grupo Wagner, era e é evidente, mantendo forte apoio aos novos poderes saídos dos diversos golpes militares, no Níger não estavam quaisquer destes soldados da fortuna aquando do golpe mas estes foram logo a seguir convidados para entrarem no país, o que, segundo alguns media, aconteceu e em grande número, o que será uma dificuldade extra para um eventual ataque de forças da CEDEAO com apoio da França.
Além deste alinhamento de Ouagadougou e Bamako com Niamey, também a Argélia, com uma vasta fronteira com o Níger, embora defendendo uma solução negociada para reposição da ordem constitucional, tem rejeitado de forma veemente uma intervenção externa e proibiu mesmo Paris de usar o seu espaço aéreo para eventuais aeronaves com apoio à CEDEAO.
E é bem possível que a situação descambe num curto espaço de tempo porque a recusa da saída do embaixador francês é uma novidade na reacção francesa às semelhantes exigências malianas e burquinenses.
O que se explica, de forma oficial, como o fez Emmanuel Macron, porque era preciso travar esta sucessão de golpes inconstitucionais e fortemente antifranceses, ou oficiosamente, porque a diferença entre o Níger e os restantes países, antigas colónias francesas, é que é deste país que sai grande parte do estratégico urânio que alimenta as centrais nucleares francesas com que é produzida mais de 70% da electricidade consumida em França.
Além disso, um golpe com sucesso e claramente cáustico para os interesses franceses no Níger, levará a uma fragilização potencialmente irreversível da posição de Paris na "sua" franceafrique, termo que designa a continuidade do poder colonial sobre uma dezena de países, através de influência económica e política e militar, na África Ocidental e Central.
Mas, se demonstra a decisão férrea de Paris travar esta sangria, ignorando o ultimato do general Tchiani para a saída do embaixador, por outro lado deixa evidente que uma solução definitiva dificilmente será encontrada pela via pacífica e diplomática, até por o Presidente francês recorreu a uma linguagem em tudo desafiante, dizendo que não quer mais "nem paternalismo nem fraqueza" perante a "epidemia de golpes militares no Sahel".
Se estas palavras terão eco na região, dificilmente se saberá no curto termo, porque a fragilização da posição francesa é concomitante com a crescente presença russa, que se estende da Líbia à República da Guiné, passando pela RCA, o Mali ou o Burquina Faso, e, agora, no Níger, justificando esta consolidação da influência de Moscovo com uma forma diferente de cooperação com os países africanos, sem privilégios ou imposição ou vantagens desconexas com a realidade.
E sabe-se igualmente que a Rússia tem feito sucessivos upgrades da presença do seu braço musculado em África, o Grupo Wagner, que tem deixado a frente da guerra na Ucrânia para reenviar milhares de homens para o Sahel, sem que a morte do líder da empresa de soldados da fortuna, Evgeny Prigozhin, na passada semana, num acidente de aviação, a norte de Moscovo, na semana passada, tenha atrapalhado esta empreitada.
Mas o mesmo entendimento não tem Macron que, em Paris, perante dezenas de diplomatas, defendeu que a política francesa em África "é que é a boa" e, no caso do Nìger, afiançou que esta assenta na "coragem do Presidente Bazoum", um conhecido e fiel amigo de Paris, manifestada pela decisão de manter o embaixador em Niamey, "apesar de todas as pressões" das "autoridades ilegítimas" do Níger.
E recalcou a ideia de que se Paris não se mostrar à altura deste momento histórico, "sem fraqueza e sem paternalismo", então a França "não mais estará em parte alguma", exigindo-se uma resposta firme aos golpe.stas sem "ceder às suas narrativas".
Face a este cenário, é certo que o envolvimento directo da França num conflito na África do Sahel está dependente de uma decisão da CEDEAO que (ver links em baixo) já deixou claro que não ficará infinitamente à espera que o bom sendo tome conta da mente dos líderes militares do Conselho Nacional para a Segurança da Pátria.
ONU sai do Mali antes do prazo dado pelo Governo
As forças da ONU que estão no Mali há largos anos como apoio ao combate ao terrorismo jihadista tinham até ao final do ano, prazo dado pela junta militar que governa o país desde o último golpe de Estado, no ano passado, para partir, mas estão a fazê-lo de forma antecipada, e esta semana o Secretário-Geral António Guterres considerou esta retirada "sem precedentes".
Com os seus 13 mil soldados no mali, esta era uma das mais vastas missões das Nações Unidas em todo o mundo e o seu fim chega por determinação da junta militar que tomou o poder em Bamako em Outubro de 2022.
A MINUSMA deixa o Mali, todavia, também num contexto de crescente risco de envolvimento em conflitos fora do leque de prioridades iniciais desta missão, como, por exemplo, o envolvimento do Mali num hipotético conflito com a intervenção da CEDEAO para repor a ordem constitucional alterada a 26 de Julho último.
Este pode mesmo ser o motivo mais evidente para que o prazo dado pela junta militar, que era até ao final do ano, esteja a ser encurtado.