Entre as várias estupefacções de Scholz durante as chamadas telefónicas com o chefe do Kremlin dias após o início da invasão russa, a 24 de Fevereiro de 2022, está a total ausência de preocupações demonstrada por Putin sobre as reacções que seriam de esperar por parte do ocidente.

No livro "Emergência: Governar em tempo de guerra", o jornalista alemão, citado pelo site da tv russa RT, relata que Scholz ficou tão estupefacto com a ausência de preocupação de Putin com as sanções ocidentais que este se obrigou a perguntar ao seu homólogo francês, Emmanuel Macron, se também com ele o líder russo tinha mostrado semelhante indiferença aos "castigos" da União Europeia e dos EUA.

E a resposta foi aquela que o chefe do Governo alemão já suspeitava: sim, também nas conversas com Putin, Macron ficou à espera de que o chefe do Kremlin se queixasse das sanções e contra elas vociferasse... mas a espera foi em vão.

Nem com Scholz nem com Macron, os dois lideres europeus que durante mais tempo mantiveram contactos com o "inimigo", Putin deixou transparecer qualquer incómodo com as sanções, o que deixou nos seus interlocutores, sabe-se agora, um misto de estupefacção e de incómodo, porque estes estavam mesmo à espera que "o Vladimir" lhes pedisse para intervirem no sentido de reduzir a intensidade das sanções à economia e aos russos.

Como resultado mais palpável, segundo cálculos usados por diversos economistas e um método alternativo ao comummente utilizado pelo FMI e pelo Banco Mundial, a Federação Russa, considerando o Produto Interno Bruto (PIB) por Paridade de Poder de Compra (PPC), é hoje a 5º economia mundial, tendo ultrapassado a Alemanha e a França, quedando-se apenas atrás da China, dos EUA, da Índia e do Japão, mas à frente da Alemanha, da França e do Reino Unido, estes dois últimos também gigantes europeus mas que foram já igualmente ultrapassados pela Indonésia (7º) e pelo Brasil (8º).

Este parâmetro, medição do PIB por PPC, cada vez mais utilizado por economistas, e até organismos internacionais, porque permite uma avaliação considerada mais real face à verdade das diferentes economias, corrige o cálculo do PIB ao aproximar o valor real da capacidade económica dos países, removendo especialmente as distorções criadas pelas diferenças das taxas de câmbio.

O que este livro do jornalista Stephan Lamby permite concluir, mesmo sendo ligeiramente especulativo, é que a grande vítima das sanções ocidentais, para já, é a União Europeia, como o demonstram as crises severas que se instalaram nas economias francesa e alemã.

Entretanto, como o jornalista também revela, Scholz admitiu ainda que nestas conversas foi proposto a Putin um encontro sobre a Ucrânia, que ele não recusou, mesmo com o Presidente Zelensky a bordo, e que uma das questões que fez questão de dizer ao chanceler alemão foi que a Crimeia, Donetsk e Lugansk deveriam ser reconhecidas pelo ocidente como parte da Rússia para acabar com este conflito.

Recorde-se que, depois destas conversas, e quando decorriam negociações entre Moscovo e Kiev, primeiro intermediadas pelo Presidente da Bielorrússia, Lukashenko, e depois pelo Presidente Turco, Erdogan, com um quase acordo firmado, o primeiro-ministro britânico da altura, Boris Johnson, fez um "raide" à capital ucraniana para encostar Zelensky à parede impondo-lhe a continuidade da guerra em troca de apoio incondicional da NATO em material de guerra e financeiro até "a derrota total da Rússia" e à entrada do país nessa organização militar liderada pelos EUA.

Quando questionado por Stephan Lamby sobre estas declarações de Olaf Scholz, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, confirmou que em nenhuma das conversas com estes dois lideres ocidentais, escassos dias após o avanço das tropas russas sobre as fronteiras ucranianas, Putin mencionou a questão das sanções.

Alguns media ocidentais já divulgaram que o Kremlin preparou o país para os refluxos das sanções com grande antecedência, abrindo novos vasos comunicantes e económicos com a Ásia, e com o resto do mundo, mantendo as vendas para o exterior de energia, crude e gás natural, quase ao esmo ritmo e quantidades anteriores à guerra, bem como na questão dos alimentos e dos fertilizantes, ou na questão do negócio dos combustíveis nucleares, especialmente para os EUA.

Alias, sabe-se agora, segundo números do FMI, que as razões para a estupefacção de Scholz e Macron tinham ainda mais razões de ser que aquelas que eles poderiam antecipar na altura, porque a Rússia não só lidou bem com as sanções, como, aparentemente, o impacto foi mais saliente nos países emissores que em Moscovo.

Enquanto a Alemanha está a atravessar uma grave crise económica, com uma recessão que ameaça prolongar-se, a indústria do motor da economia europeia está a gripar e a diminuir em valores sem precedentes, especialmente por causa das sanções aplicadas ao sector energético russo, que alimentava de gás e petróleo baratos a União Europeia nas últimas décadas.