O conflito dura há mais de oito meses e está a afectar a vida de 39 comunidades, num total de mais de 2000 famílias, entre elas 10 mil crianças que poderão ver o seu destino mudado.
A terra pertence aos camponeses há centenas de anos, afiançou o porta-voz dos lavradores, Isaías Tchipaneni, que, na companhia de 20 colegas, veio sexta-feira a Luanda, do Cunene, para denunciar o caso.
Em conferência de imprensa, no Hotel Trópico, Isaías Tchipaneni contou que o esbulho das suas terras começou no ano passado, depois do também general Kundi Paihama se ter deslocado aos municípios do Curoca e Ombanja.
Kundi Paihama deslocou-se àquelas localidades com uma comitiva composta por membros do governo da província do Cunene, guarda pessoal, efectivos da polícia e máquinas que destruíram as lavras dos camponeses, testemunhou Isaías Tchipaneni, que pertence a uma das três tribos afectadas pela expropriação, entre os quais se incluem os Ovakumbi, Ovangena e Ovahimba.
De acordo com a fonte, inicialmente, o actual governador do Huambo garantiu que ia ocupar as terras para a construção de lavras comunitárias que serviriam o interesse da comunidade. "Afinal, era tudo mentira. Destruíram tudo. Arrancaram todas as árvores, queimaram todo o capim e ficou simplesmente a terra que lhes interessava", lamentou Isaías.
O interlocutor lembrou que, num tom arrogante, Kundi Paihama teria dito que o seu projecto era maior do que a parcela que ocupava. "De qualquer modo, ele terá de ir avante", disse o denunciante, parafraseando o actual governador do Huambo.
"Quando ouvimos os responsáveis a dizer que a terra pertence ao governo e não ao povo, ficámos agitados e magoados. Por isso, recorremos à Associação Construindo Comunidades (ACC) para intervir no conflito entre o general-governador e os pacatos cidadãos ", desabafou.
Com a ajudada da ACC, o camponês pormenorizou que escreveram para a Presidência da República, denunciando a situação, porém, não obtiveram nenhuma resposta do mais alto mandatário do país.
O antigo combatente lamentou a atitude do general Kundi Paihama e o silêncio das autoridades face ao assunto. "Quando estivemos em conflito e a combater na guerra, o país era de todos. Não havia ninguém no combate que não era filho da Pátria. Agora, a situação mudou. Não podemos beneficiar do que é nosso?, reclamou o camponês.
Isaías Tchipaneni explicou que a sua comitiva, de 20 elementos, se descolou a Luanda para conseguir dialogar com as autoridades do governo central, a fim de se pôr cobro à situação e evitar o derramamento de sangue nas comunidades. "Viemos em busca de uma solução pacífica para apagar o incêndio, senão poderá haver mais derrame de sangue, desta vez entre as comunidades e as autoridades governamentais", alertou.
Os esforços para serem ouvidos pelos demais órgãos do Estado em Luanda também fracassaram, segundo revelou o agricultor, informando terem sido apenas recebidos pelo secretário de Estado da Agricultura e pelo consultor jurídico do secretário de estado dos direitos humanos.
"Tentámos o diálogo com o Presidente da República, com os ministros do Interior, do Ambiente, Administração do Território, Agricultura, da Justiça e dos Direitos Humanos, com a 10ª Comissão da Assembleia Nacional e com o comandante Geral da Policia Nacional, mas simplesmente fomos ignorados", reclamou.
Recurso para Tribunal Internacional
O grupo de monitoria dos direitos humanos em Angola, órgão que tem ajudado a mediar o conflito entre as comunidades e o general Kundi Paihama, ameaçou, em conferência de imprensa, levar o assunto aos tribunais e demais instâncias internacionais, caso o mesmo não seja resolvido localmente.
O porta-voz dos defensores dos camponeses, Domingos Augusto Fingo disse estar preocupado com o nível de violação dos direitos humanos, bem como com alguns pressupostos legais plasmados na Constituição do país. "O assunto em causa envolve uma extensão de 80/40. Não houve qualquer negociação para que as comunidades pudessem dar o seu parecer. Homens apenas estão a ocupar as terras para benefício privado", denunciou.
Face às denúncias dos camponeses, o Novo Jornal procurou contactar o acusado, o governador Kundi Paihama, mas sem sucesso.
Procurámos ainda uma reacção do Ministério da Administração do Território, por via de uma carta datada de 27 de Maio, mas também não fomos bem-sucedidos.
O único comentário divulgado por membros do Governo veio do secretário de Estado para os Direitos Humanos, António Bento Bembe, que garantiu ter sido criada uma comissão integrada pelo governo provincial para averiguar o que se passou e definir uma solução.
"Está a ser resolvido o problema, com mecanismos próprios, e eles não vão perder as terras", disse o governante, citado pela agência Lusa.
Refira-se que na edição passada, o Novo Jornal noticiou a denúncia da activista britânica, Jaqueline Gerrard Reis, residente em Angola desde a década de 1980. A cidadã relatou que empresários angolanos estão a expropriar terrenos na localidade de Kalueke, província do Cunene.
O bispo do Namibe, Dom Dionísio Hisilinapo, também ergueu a voz para criticar a atitude dos invasores de terra, tendo mesmo feito junto das populações uma parábola sobre o regresso colono.
Até ao momento, nenhuma individualidade governamental se manifestou disponível para falar sobre o assunto. "Não tugem, nem mugem", ou seja, o silêncio é total.