Os sucessivos discursos do Presidente da República, João Lourenço, que dão primazia ao fomento da agricultura para suspender à importação dos produtos agrícolas nacionais, "aguçou o apetite" de centenas de camponeses que vivem próximo do canal de irrigação do Kikuxi, município de Viana, onde milhares de hectares de terras, controlados ou propriedade de generais e outras figuras de relevo do Estado, estão subaproveitados.
Os estratégicos terrenos naquela área foram, durante décadas, ocupados pelos camponeses, mas, nos últimos anos, foram ocupados, alegando-se a necessidade de criação de reservas fundiárias para promoção de políticas habitacionais.
"Foi uma malandragem que utilizaram para ocuparem as terras deixadas pelos nossos antepassados. Hoje, nem política habitacional e nem nada foi implementado", lamenta Aurélio Sabino Capenda, que perdeu dois hectares de terra junto do canal de irrigação de Kikuxi.
A revolta dos camponeses, segundo Aurélio Sabino Capenda, deve-se ao facto de estas terras serem hoje propriedade de generais, ministros e outras figuras do poder sem o devido aproveitamento das terras para a prática da agricultura.
"Vamos invadir os nossos terrenos ocupados com o pretexto de reservas fundiárias. Se o novo Presidente da República valoriza a agricultura, se a agricultura é vista como uma solução para o futuro do país, como se admite uma situação destas?" questionou Armando Fumbi, desalojado há oito anos.
Os antigos camponeses lamentam haver nestas quintas apenas mangueiras em abundância, em detrimento das hortícolas que contribuem substancialmente para a dieta alimentar dos angolanos.
"São pessoas que não têm tradição na agricultura e entendem que a produção de manga é mais importante em relação às hortícolas", contou ao NJOnline Anita Kibuta, lembrando que "os proprietários destas quintas só aparecem, aos fins-de-semanas, com amigos para comerem e beberem e não se preocupam com o desenvolvimento da agricultura para aproveitarem o canal de irrigação".
Anita Kibuta quer a aplicação das palavras do Presidente da República, no Huambo na abertura da campanha agrícola 2017/18, quando afirmou que "o Estado angolano poderá, a curto prazo, retirar a concessão de terras aos proprietários agrícolas que não as exploram"
"Sé o PR disse que o Estado vai dar início à redistribuição de terras e permitir que esse activo seja um factor impulsionador da diversificação da economia nacional, como é que a vala de irrigação de Kikuxi continua a ser um autêntico deserto agrícola?", interroga.
O técnico agrónomo Domingos Araújo junta-se à conversa dos camponeses, sublinhando que, nesta fase da diversificação da economia, a agricultura "é fundamental para o desenvolvimento do País".
"O Governo criou o sistema hidráulico do Kikuxi, que tem cerca de 25 quilómetros, sob gestão do Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural, visando apoiar a irrigação do perímetro agrícola local. Acho que quem ocupa uma área para agricultura neste perímetro e não a explora deve urgentemente abandonar para dar lugar ao interessado", aconselhou o agrónomo.
Segundo o técnico, por se tratar de uma das principais actividades económicas do País desde os tempos passados, ninguém devia travar aqueles que querem desbravar a terra.
"Em todo o mundo, a agricultura continua a ter um papel de grande importância para, entre outros aspectos, o abastecimento da população urbana, que cresce em ritmo acelerado, e a geração de produtos para exportação", explicou.
Turismo sim, agricultura não
Se o processo de diversificação da economia, como defendem as autoridades, passa pela promoção da agricultura, por ser um sector abrangente e estratégico para o desenvolvimento das sociedades, no canal de irrigação do Kikuxi, município de Viana, a realidade é diferente.
Como já fizemos referência nesta reportagem, largos espaços de terra que deveriam servir para o desenvolvimento da agricultura, são hoje apenas propriedades privadas para deleute dos seus proprietários e pouco mais.
"Quando os meus avôs trabalhavam estas terras no passado, mesmo sem a vala de irrigação, aqui saia muita produção. Mas hoje, com condições criadas, nada sé vê", lamenta Castro Cabunza, também camponês.
Fernando Tekela, igualmente camponês, é de opinião que a atitude dos proprietários destas quintas "é um desafio às autoridades governamentais que não cessam de apelar ao fomento da agricultura, tendo em vista a diversificação da economia".
"Não colaboram para ajudar o Governo a ultrapassar a crise. O que eles querem?", indagou Fernando Tekele que exige, tal como a maioria dos agricultores desta zona que a administração municipal de Viana faça o levantamento de todas as terras não exploradas.
Tentativas fracassadas
Nas quintas há fortes medidas de segurança. Na semana passada, um grupo de 12 pessoas na sua maioria camponesa, tentou sem sucesso invadir umas parcelas de terra para o cultivo na região de Kikuxi.
"Queremos negociar com os supostos donos destas quintas. Criem as condições financeiras e nós trabalhamos e na colheita fazemos a divisão da produção", opinou o camponês Cardoso Sumbo.
Habituado a produzir a terra, Sumbo lamenta ver centenas de hectares de terra próximos do canal de irrigação sem produção.
"Se a PGR está preocupada com outros crimes, o pior está aqui nas quintas. Não se admite observar terras inteiras adormecidas", acrescentou Cardoso Sumbo.
Um dos guardas que o NJOnline encontrou numa das quintas, disse que tem ordens de interditar quaisquer pessoas que procurem ocupar as terras desocupadas.
"O meu chefe disse que ele paga impostos, com ou sem a produção, as terras são dele", contou.
Viana tem que potenciar Luanda
A direcção da agricultura de Viana defende a intensificação da agricultura nas grandes unidades de produção da comuna de Calumbo e no perímetro de irrigação de Kikuxi.
"A agricultura deve essencialmente ser vista na perspectiva da diversificação da economia porque muito produto consumido vem do exterior quando podia ser de produção local e as cooperativas com os apoios indispensáveis podem abastecer o mercado com esses bens", disse ao NJOnline, uma fonte da secção municipal da agricultura.
"Precisamos de maior incentivo e apoio em termos de ferramentas, maquinaria, adubos e sementes porque isso vai de facto ajudar a alcançar a auto-suficiência alimentar e o combate à pobreza", sustentou a fonte, acrescentando que "a secção municipal da agricultura vai atentamente acompanhar a situação na vala de irrigação de Kikuxe.
"É uma vala que custou muito dinheiro aos cofres do Estado. Espero que os camponeses ali instalados possam aproveitar ao máximo o recurso hídrico", disse.
Viana tem uma tradição agrícola, centrada no KIkuxi, onde há grandes unidades de produção, e no Calumbo, que é uma zona privilegiada por estar próxima do rio Kwanza.