"Em nenhuma parte do mundo há um júri que tenha lido todos os milhões de livros já publicados. O candidato, que até estudou Ciências da Educação, é que devia saber que não pode pegar em obra alheia e apresentar como se fosse sua".

É desta forma que António Fonseca, presidente do júri do Prémio Literário «Jardim do Livro Infantil», edição 2020, reage à pergunta sobre a possibilidade de ter havido negligência ou fraca averiguação na premiação de Minango Ya Nzambi, pseudónimo de Cireneu de Jesus André Franciso, com a obra A kandengue do Golungo e o livro que não tinha fim.

Na última terça-feira, 9, o Instituto Nacional das Indústrias Culturais e Criativas (INICC) anunciou, em comunicado de imprensa, que foi anulada a premiação atribuída a Minango Ya Nzambi a 12 de Maio, por se comprovar que o livro com que o jovem, de 24 anos, concorreu é "uma cópia quase integral" da obra O livro que não tinha fim, da brasileira Sandra Aymone.

"É uma fraude total. A única diferença é terem sido acrescentados os dizeres "a kandengue do Golungo Alto"", explica António Fonseca, que se recusa a fazer qualquer mea-culpa no assunto, «atirando a bola» para o jovem autor.

"Para um indivíduo que almeja ser artista, a regra de ouro é saber que não pode roubar a obra de ninguém. Isso é crime", observa Fonseca, que não detalha os métodos usados por si e pelos outros dois membros do júri (António Gonçalves e Óscar Guimarães) na análise das obras concorrentes.

António Fonseca não sente receio de o público pôr em causa as capacidades do júri, por ter premiado uma obra que depois se veio a revelar "um plágio grosseiro". O escritor entende, aliás, que houve da sua parte e de outros dois colegas "idoneidade intelectual", porquanto o alerta sobre a fraude surgiu somente depois de Minango Ya Nzambi ter sido anunciado como vencedor. "Caso contrário, até faríamos de conta que não vimos", finaliza.

«Quero assumir o sucedido e pedir perdão»

Na terça-feira, 9, quando se tornou público o esclarecimento do INICC sobre a "tentativa de burla intelectual", o Novo Jornal contactou, por telefone, Minango Ya Nzambi, que afirmou não ter comentários, por alegadamente nada saber sobre a anulação do prémio, apesar da garantia do INICC de que o jovem havia sido, sim, informado.

À pergunta sobre a possibilidade de ter lido qualquer obra semelhante ao livro que apresentou ao prémio como sendo seu, Minango Ya Nzambi, depois de uns demorados segundos de reflexão, respondeu: "Acredito que há um livro, mas não me lembro qual".

Entretanto, um dia depois, isto é, na quarta-feira, 10, o jovem recorreu à sua página de Facebook para publicar uma nota em que, para além de recordar a fundamentação do INICC para lhe retirar o prémio, agradeceu às pessoas que o apoiaram e reconhece ter errado.

"Quero assumir o sucedido e pedir perdão à escritora Sandra Aymone, ao INICC e a todos os que acreditam em mim e que, por causa desta situação, estão desapontados comigo", escreveu o jovem.

Natural e residente no Kwanza-Norte, sendo licenciado em Ensino da Língua Portuguesa pela Escola Superior Pedagógica da mesma província, Minango Ya Nzambi, cujo nome de origem Kimbundu quer dizer «Surpresa de Deus» em português, planeava abrir uma fotocopiadora com os 500 mil kwanzas do prémio que lhe seriam entregues numa cerimónia que aconteceria a 25 de Junho.

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