Com a decisão de Donald Trump, que não foi propriamente uma surpresa, o barril de petróleo subiu 2%, para os 76,52 USD, no Brent de Londres, onde é determinado o valor das exportações angolanas, alcançando o mesmo impulso no WTI (Texas, EUA), onde chegou aos 70,57 USD por barril.

Apesar de significativa, esta subida do valor do barril não traduz fielmente o impacto que a saída dos EUA do acordo com o Irão provocou, visto que os mercados já vinham a ajustar-se a essa possibilidade nos últimos dias, puxando o barril para valores que já não se viam desde Novembro de 2014.

Esse recorde temporal, no entanto, voltou hoje a ser trespassado, porque 76,52 USD é dinheiro que o barril de petróleo já não valia desde Outubro de 2014.

Por detrás desta tensão nos mercados está o facto de o Irão, com uma produção potencial a rondar os 4 milhões de barris por dia (4 mbpd) mas com a 4ª maior reserva conhecida de petróleo do mundo, poder ficar sem mercados para exportar o seu petróleo, visto que a ordem presidencial assinada por Donald Trump, para além de voltar a aplicar sanções a Teerão, prevê igualmente sanções para os países e as empresas que tiverem negócios com o Irão.

Actualmente, a China é o maior importador do crude iraniano, que, por sua vez, tem nos EUA o maior mercado para as suas exportações e para os seus investimentos, o que obriga Pequim a, pelo menos, pensar duas vezes sobre se vale a pena manter as compras do petróleo extraído pelo Irão.

O mesmo se passa com a União Europeia, que, apesar de já ter vindo garantir que se mantém no acordo com o Irão de 2015, onde Bruxelas, a par da Rússia, China, França, Reino Unido e Alemanha, integra o grupo 5+1 que assinou o documento que permitiu estancar o programa nuclear de Teerão, tem agora pela frente a previsível pressão das multinacionais europeias, sejam petrolíferas, do sector automóvel ou outros, que não terão dúvidas em optar pelo gigantesco mercado norte-americano em detrimento do importante e emergente, mas limitado, mercado iraniano.

E esta era a situação que ninguém queria, excepto Trump e os seus aliados no Médio Oriente, Israel e Arábia Saudita, os principais inimigos do Irão. O Presidente francês, Emmanuel Macron, apesar de ter mostrado uma postura dúbia na visita que fez a Washington há duas semanas, a Chanceler alemã, Angela Merkel, e a primeira-ministra britânica, Theresa May, reuniram de emergência para analisar a decisão de Trump, tendo anunciado que os seus países, tal como a União Europeia, manter-se-ão fiéis ao acordo assinado com o Irão.

Também a China e a Rússia já mostraram o seu descontentamento com a opção de Donald Trump, dando sinais claros de que vão cumprir com a palavra dada em 2015, o que pode abrir uma brecha na muralha do Presidente norte-americano, visto que também ele terá de fazer contas sobre os potenciais ganhos e as previsíveis perdas das empresas nacionais face a este cenário de interesses conflituantes.

Apesar de se tratar de um cenário com várias possibilidades para evoluir, podendo mesmo, no limite, desencadear uma reacção em cadeia de conflitos, a começar por um ataque de Israel ao que Tel Aviv diz ser um programa secreto nuclear no Irão, o que é já certo, segundo os analistas dos sites especializados no negócio do crude, é que é expectável um declínio acentuado da produção iraniana até ao final deste ano.

E é esse declínio que está a empurrar em alta o valor do barril, visto que se junta a outros dois factores importantes: os cortes na produção de 1,8 mbpd iniciados pela OPEP e pela Rússia, com mais 11 produtores não membros do "cartel", em Janeiro de 2017, e ainda a substancial perda de produção da Venezuela, país que tem as maiores reservas do mundo, que há 10 anos produzia mais de 3 mbpd e hoje está a extrair menos de metade, devido ao esboroar do seu sistema de produção provocado pela falta de investimentos nos últimos anos e pela crise interna que aquele país sul-americano atravessa.

No entanto, olhando friamente para, no que diz respeito estritamente à produção e comércio de petróleo, quem mais ganha com esta situação de regresso da tensão Washington-Teerão, é claramente a indústria petrolífera norte-americana.

Isto, porque, com a diminuição da produção da Arábia saudita, os EUA já são o maior produtor do mundo, conseguindo Trump, com as suas sucessivas faíscas de crises atrás de crises, desde os ataques à Síria, à ameaça de guerra mundial por causa da crise com a Coreia do Norte, etc: conseguido o melhor de dois mundos: aumentar a produção de forma continuada e ver o valor do barril a aumentar de forma significativa e prolongada.

Trump está a conseguir ainda outra coisa que os analistas consideram excepcional, que é fazer renascer das cinzas a indústria do "fracking", ou do petróleo de xisto, cuja produção onshore resulta da injecção de água e químicos pesados no subsolo para implodir a rocha e sugar o petróleo e o gás natural nela existente.

Esta indústria tinha ido praticamente toda à falência a partir de 2014, quando o baixo valor do barril, o mesmo problema que conduziu Angola a uma das mais graves crises económicas da sua história, levou a que não fosse rentável extrair petróleo por este método, tendo em conta que o breakeven é ali muito alto, cerca de 70 USD por barril, valor que está actualmente ultrapassado, visto que o mercado WTI (Texas) está agora a vender o barril acima dos 70,50 USD, o que já não se via há pelo menos três anos.

Angola, mercado em alta, produção a baixar

Quando o mercado petrolífero ameaça um novo período de bonança - embora tudo possa ser invertido se, por exemplo, o Irão aceitar reformular o acordo, tal como exige Trump -, a produção angolana está a iniciar um processo de declínio, como a Agência Internacional de Energia (AIE) perspectiva no seu relatório recente sobre o ano de 2018 para o universo do crude e dos seus negócios adjacentes.

No entanto, Angola, como a Sonangol anunciou recentemente, e provavelmente para evitar o mesmo destino da Venezuela, está a procurar inverter o quadro de desinvestimento com a recuperação do negócio de 1,2 mil milhões USD com os sul-coreanos da DSME para a compra definitiva de dois navios-sonda, que poderão ser essenciais para encontrar novas reservas e, assim, redespertar as atenções das multinacionais que nos últimos anos têm, paulatinamente, colocado as suas infra-estruturas em stand by, ou mesmo delas desistido.

E, como cereja em cima do bolo, pelo menos no prisma dos países produtores - mas má notícia para as grandes economias consumidoras, como a China ou a Índia -, o ministro da Energia da Arábia Saudita, Khalid al-Falih, tornou público o seu receio com a falta de investimento da indústria petrolífera em alguns países porque pode conduzir em breve a uma severa escassez de oferta.

Um estudo divulgado no ano passado por uma consultora, a McKinsey, apontava mesmo para uma situação, défice de investimento no sector petrolífero global, que não era vista desde a década de 1940, ao qual Angola não escapa por causa da crise nos preços de 2014, apesar das boas notícias como o arranque do projecto Kaombo, da francesa Total, ou a vinda, ainda por confirmar, dos dois navios-sonda encomendados à sul-coreana DSME.

No entanto, essas boas notícias parecem não ser suficientes para impedir o cenário traçado pela Agência Internacional de Energia (AIE) que, no seu relatório para o ano de 2018, coloca Angola em perda significativa de produção até 2023.

A AIE perspectiva a produção angolana com menos 300 mil barris que hoje - que é de cerca de 1,6 milhões - quedando-se nos 1,29 milhões de barris diários dentro de cinco anos, essencialmente por falta de investimento na pesquisa, o mesmo fenómeno que está a reduzir a gigante Venezuela a um anão no mundo dos petróleos.

Obama critica decisão de Trump

O ex-Presidente dos EUA, e impulsionador do acordo de 2015, Barack Obama, reagiu à decisão de Trump, considerado tratar-se de "um erro grave" sair do acordo quando não existem quaisquer provas de que o Irão tenha violado oq eu estava estipulado no documento.

Barack Obama admite mesmo que esta opção errada de Trump pode conduzir os EUA face a uma situação perigosa, com o Irão detentor de armas nucleares ou uma guerra no Médio Oriente.

E disse que, com esta escolha, os EUA estão a "virar as costas" aos seus principais aliados, referindo-se aos países europeus que são também signatários do acordo, bem como a Chia e a Rússia.

Obama admite que em democracia podem aco0ntecer alterações de políticas entre administrações, mas que este "desrespeitar de modo sistemático os acordos pode corroer a credibilidade" dos Estados Unidos, apelando a que a discussão sobre este assunto deve ser baseada em factos e não em ilusões.

Rouhani fica, mas ameaça retomar programa

Entretanto, o Presidente iraniano, Hassan Rouhani, logo após o anúncio de Trump, disse que o seu país vai permanecer no acordo, que ainda é multilateral, prometendo enviar o seu ministro dos Negócios Estrangeiros aos países que ainda fazem parte deste: França, Alemanha, Reino Unido, China, Rússia e União Europeia.

Todavia, o líder iraniano garante que se esta fase de negociações não correr a preceito, o país voltará ao programa nuclear sem quaisquer restrições imediatamente, voltando a enriquecer urânio.

"Vamos agora aguardar, durante algumas semanas, o decorrer de novas conversações com os nossos aliados e parceiros. Mas, no fim, teremos sempre em primeira prioridade garantir os interesses nacionais", avisou Rouhani, reafirmando a possibilidade de voltar a colocar as centrifugadoras de urânio a trabalhar.

Hassan Rouhani sublinhou que a decisão de Trump é "errada" e que os EUA são quem mais vai perder porque "o Irão nunca deixou de cumprir com rigor o acordo" assinado em 2015, depois de vários anos de duras e intensas negociações.