Quando as atenções mediáticas estavam colocadas na Venezuela, onde os Estados Unidos se preparam há semanas para uma intervenção militar, tendo mesmo deslocado uma poderosa armada para as Caraíbas, incluindo um porta-aviões nuclear, eis que Donald Trump volta a baralhar e dar de novo, desta vez apontando as baionetas para África.
E o alvo é a Nigéria, que tem em comum com a Venezuela, e, já agora, com o Irão, o último país a ser atacado pelos EUA, a presença de gigantescas reservas de petróleo e gás, e onde o norte-americano disse, primeiro há dois dias, repetindo a ameaça já nesta segunda-feira, 03, que a mortandade de cristãos não pode continuar, sem descartar a possibilidade de uma acção militar no país mais populoso de África.
Pelo contrário, Trump, como relata a britânica BBC, ordenou às chefias militares que iniciassem preparativos para uma intervenção armada na Nigéria contra os grupos islâmicos extremistas que estão por detrás da "morte de milhares de cristãos", acusando o Governo de Bola Tinubo de "falhar totalmente na protecção" destas comunidades.
Esta reacção de Trump, infundada e reveladora de uma ignorância óbvia, porque, observando ao longo dos últimos anos, as maiores vítimas do radicalismo islâmico, corporizado no Boko Haram, organização que aderiu ao `estado islâmico' há vários anos, são as comunidades muçulmanas, presentes maioritariamente no Norte do país.
É ainda do conhecimento comum que a Nigéria tem a maior parte da sua população cristã no Sul, sendo residual a Norte, onde se regista a maior parte dos atentados terroristas de natureza islamista e onde ocorre a esmagadora maioria das mortes, raptos e assaltos do Boko Haram e sucedâneos.
No entanto, uma explicação possível para esta surpreendente ameaça de Donald Trump ao mais populoso país africano, com mais de 230 milhões de habitantes, avançada pelos media, são os rumores que há semanas trespassam as redes sociais ligadas à extrema-direita nos Estados Unidos, com relatos de assassínios em massa de cristãos nigerianos, o que não corresponde à verdade, ou, pelo menos, nunca foram noticiados como tal.
E é essa a linha de "defesa" do Governo de Abuja, com o ministro dos Negócios Estrangeiros, Yusuf Tuggar, a sublinhar, em declarações à Newsweek, que "não há nem nunca houve um genocídio na Nigéria" contra cristão ou contra muçulmanos, embora a Nigéria reconheça há largos anos que tem um problema grave de terrorismo interno e que há milhares de vítimas desse terrorismo, incidindo este nas duas maiores comunidades, a cristã e a muçulmana.
Taggar nota que o Governo nigeriano se empenha sem distinção no combate à criminalidade, seja ela de que proveniência for, até porque uma boa parte das mortes resultam de ataques dos chamados "bandidos", grupos criminosos sem chão religioso com acção alargada no nordeste, geografia habitada maioritariamente por muçulmanos mas com a presença de comunidades cristãs.
Porém, num gesto que procura evitar um confronto com os Estados Unidos, em Abuja, o Governo de Bola Tinubo fez saber estar aberto á colaboração de Washington na sua luta contra os grupos radicais desde que não ocorram violações da sua soberania, o que aconteceria se os ataques, por exemplo, da aviação norte-americana, como sucedeu com o Irão há cerca de dois meses, acontecessem sem conhecimento das autoridades nacionais.
Recorde-se que a Nigéria, um país com longa tradição de proximidade aos EUA, tem, nos últimos tempos reajustado o seu alinhamento no xadrez mundial com uma paulatina mas visível aproximação ao eixo Moscovo-Pequim, tendo mesmo sido noticiadas manifestações populares com a presença de bandeiras russas, o que leva a memória para o que sucedeu no Mali, Burquina Faso e Níger, antes destes países cortarem relações com o ocidente e alinharem totalmente com russos e chineses.
Por detrás desta reacção, procurando explicar a Donald Trump a inconsistência das suas alegações, Abuja está claramente a tentar evitar as sanções norte-americanas com as quais o norte-americano também poderá, segundo o próprio, agir para obrigar a Nigéria a aplacar a fúria islamista contra os cristãos.

