Esta punição incide especialmente no alumínio e no aço exportados para os Estados Unidos, a que Trump juntou a Argentina, porque estes dois países, que coincidem com as duas maiores economias do sul do continente, desvalorizaram fortemente as suas moedas e isso tem, diz o inquilino da Casa Branca, um impacto negativo nos agricultores norte-americanos.

A lógica de Trump é que o Brasil e a Argentina, enquanto potentados mundiais agrícolas e agro-industriais, ao desvalorizarem o Real e o Peso, as suas moedas nacionais respectivamente, ganham competitividade para os produtos agrícolas exportados para os EUA, golpeando dessa forma os agricultores nacionais, que vêem as suas produções serem preteridas pelas importadas daqueles dois países.

Para contrabalançar esta "injustiça", como a entende Trump, a opção foi recorrer a aumentos de tarifas para o alumínio e o aço, a mesma "arma" que o Presidente norte-americano já tinha usado para "castigar" a China - numa das mais longas e duras guerras comerciais em décadas e que ainda perdura - e ainda a Europa, todos acusados de terem políticas comerciais que prejudicam os interesses vitais dos EUA.

"O Brasil e a Argentina estão a conduzir massivas depreciações das suas moedas, o que não é bom para os nossos agricultores. Face a isso, vou de imediato restabelecer as tarifas sobre todo o aço e alumínio exportado por aqueles países para os EUA", escreveu hoje Trump na rede social Twitter.

Trump fala em restabelecimento das tarifas e não imposição de tarifas porque os dois países sul-americanos tinham sido beneficiados com a excepção da lista de países tarifados nestes dois produtos, nomeadamente 25% para o aço e 10% para o alumínio há cerca de um ano.

Ainda não é conhecida uma resposta de Buenos Aires e Brasília para aquilo que pode, eventualmente, resvalar para mais uma guerra comercial iniciada pelo Presidente dos Estados Unidos, como a que decorre com a China, com impactos profundos em toda a economia global e que Washington e Pequim já anunciaram que querem resolver, pelo menos em parte, ainda durante o mês de Dezembro.

Para já, as bolsas mais importantes reagiram em baixa por causa desta decisão, especialmente as asiáticas e americanas, na perspectiva de que uma nova guerra comercial entre gigantes pode estar a ser desenhada.

Uma das promessas mais pungentes de Trump, durante a campanha eleitoral para as eleições de 2016, e que agora tende a ser relembrada na campanha para as eleições de Novembro de 2020, onde vai tentar a reeleição, foi a restauração da anteriormente vigorosa indústria do aço norte-americana.

O aço oriundo da China, o maior produtor mundial actualmente, que foi responsável pelo forte declínio do aço norte-americano, por ser muito mais barato, está igualmente envolto por tarifas extra nos EUA, porque, como lembra a imprensa especializada, desde 1990 este sector perdeu 43 por cento dos postos de trabalho, embora estas tarifas não tenham, para já, produzido efeitos palpáveis, visto que Trump conseguiu apenas recuperar 1% desses empregos "queimados" pelas fundições chinesas.

Donald Trump, a par destas medidas consideradas eleitoralistas, visando a sua reeleição, pediu, através do Twitter, à Reserva Federal para tomar medidas contra todos os países que procurem prejudicar o dólar através de profundas desvalorizações das suas moedas nacionais.

Recorde-se que a recente visita de Bolsonaro aos EUA resultou num conjunto de pronunciamentos, de ambos os lados, a manifestar vontade de aproximação e fomento das relações comerciais, com os dois Presidentes a terem mesmo promovido uma potencial aproximação do Brasil à Nato sob a designação de "aliado não-nato"

Um golpe-surpresa contra Bolsonaro

Esta decisão de Trump foi um golpe na estratégia de Jair Bolsonaro em sustentar nessa aproximação a Donald Trump uma boa parte das suas políticas caseiras, especialmente na liberalização económica e no confronto com os interesses ambientalistas por causa da Amazónia ou ainda no uso e porte de arma enquanto elemento de combate à criminalidade.

Face a este problema, como lembram já hoje alguns analistas, Bolsonaro, que não pode deixar de ver neste passo de Trump uma atitude inamistosa, tenderá a encontrar novos aliados, podendo a China, que há muito mantém em cima da mesa o "pedido de namoro" ao Brasil, ser a solução, até porque isso iria ser entendido como um desafio a Washington face à guerra comercial que mantém com Pequim.

Impulsivo como é, Bolsonaro, que disse gostar de ser comparado com Donald Trump, não deixará de ver nesta atitude um golpe na sua estratégia de aproximação aos EUA e de afastamento da China para agradar a Trump.

E os analistas coincidem de forma generalizada na ideia de que se Donald Trump, como já foi dito pela sua equipa governativa, não está satisfeito com a forma como a China e a Rússia estão a "entrar" na América Latina, que nas décadas de 1980 e 1990 era território vizinho considerado como de importância estratégica para os EUA, esta decisão não ajuda a travar esse movimento.

Jair Bolsonaro já fez saber que vai "falar directamente com Donald Trump" sobre esta questão, não avançando mais dados sobre o que pretende dizer ao seu amigo e exemplo norte-americano.

Entretanto, antes de se saber as intenções de Bolsonaro, numa primeira reacção, o Governo de Brasília, segundo uma fonte anónima citada pelo The New York Times,, refuta a ideia de que a moeda esteja a ser artificialmente desvalorizada.

A mesma fonte notou que o Banco Central do Brasil, pelo contrário, interveio no sentido de fortalecer o Real, a moeda brasileira, que entre Janeiro e Novembro deste ano passou de 3,60 reais por cada dólar norte-americano para os 4,22 que vale hoje.