Como é sabido, o combate à pandemia fez-se sentir, desde logo, de forma gravosa no aumento inesperado e muito significativo da despesa pública, a exigir a apresentação de orçamentos rectificativos.

Este foi e é, porém, apenas uma das consequências do impacto das medidas genericamente assumidas pelos Estados que conduziram à paralisação parcial de sectores importantes da economia, ao agravamento dos rácios dos bancos, ao desemprego, à pobreza e à afectação do ensino, para não falar da letalidade da doença.

Marquês de Pombal, que era primeiro-ministro de Portugal à data do terramoto de 1755, que devastou a cidade de Lisboa, perguntado sobre o que deveria ser feito perante a catástrofe, respondeu: "Enterrar os mortos e cuidar dos vivos".

A resposta simples sintetizava todo um programa, não sendo, por isso, de estranhar que ela tivesse entrado para a história como uma, de entre outras, declarações de referência, proferidas por estadistas mundiais que hoje são invocadas por diferentes razões.

Ressalvadas as proporções da tragédia do terramoto de Lisboa e das consequências da Covid-19, o facto é que os políticos vão ser confrontados, após o desconfinamento com a necessidade de "cuidar dos vivos", uma vez que os mortos humanos já foram enterrados, mas, no caso e ainda por cima, os velórios e funerais ocorreram com presenças limitadas.

Só que a pandemia, que está longe de ser vencida, devastou também empresas que morreram, outras foram seriamente afectadas na saúde económica e financeira, como os bancos, outras ainda passaram a carecer de injecções financeiras avultadíssimas como no transporte aéreo e por aí fora.

Todos estes efeitos têm óbvios impactos nos rendimentos dos cidadãos, das famílias e no emprego.

Daí a pergunta que hoje se tem de fazer, implícita na resposta de Marquês de Pombal: "Como cuidar dos vivos?".

A resposta, no que a Angola, em particular, e, obviamente, a África, em geral, diz respeito, não pode deixar de ter presente a necessidade da existência de um Estado forte, que não se confunde com um Estado autoritário, que seja capaz de conceber e levar, por diante, reformas de fundo, de verdadeira transformação estrutural do país.

Não basta invocar a diversificação da economia sem se descortinar qualquer rumo da marcha que essa diversificação implica e quais as prioridades e projectos que foram concebidos para o efeito.

Como é sabido, as receitas orçamentais em África, que até há poucos anos eram suportadas significativamente nas exportações de commodities e no que diz respeito a Angola, de petróleo, não respondem às actuais inesperadas e acrescidas despesas, sendo certo que a lista das esgotadas receitas do Fundo Monetário Internacional (FMI) foram concebidas noutro e para outro quadro económico-financeiro, que não o actual.

A realidade agora é outra e impõe novas respostas.

A clara priorização das reformas que se impõem de natureza estrutural, sob uma direcção firme do Estado, que não autoritária, com reconhecida boa governação, como já referi noutro artigo, não pode prescindir de se articular coerentemente com os agentes económicos e jamais poderá perder de vista a psicologia colectiva e, no mínimo, as necessidades básicas da população.

Estes objectivos estão muito longe de ser percebidos em Angola e devem sê-lo, apesar do esforço de mudança desenvolvida.

Isso não é uma coisa boa, porque "cuidar dos vivos" exige mais.