Diversas foram as vezes em que, olhando para esse tempo, senti a nossa governação capturada por uma cultura arrogante e excludente, estimulada por uma visão tão lunar que pode desembocar na sua fossilização.

Diversas foram as vezes em que alertei a quem governa, para o perigo que representa ignorar aqueles que, esmagados pelo cilindro das injustiças sociais e ensanduichados num beco de privações sem fim, recorrem hoje à rua para sobreviver, resmungar, protestar e manifestar a sua revolta.

Diversas foram as vezes em que chamei a atenção a quem governa para a rebeldia dessa geração, que recusa alinhar na via única em que se estão a confinar os nossos poderes públicos.

Diversas foram as vezes em que manifestei a minha apreensão pelo desdém projectado pela nossa governação sobre uma geração que começa a apresentar-se com uma macro-visão do mundo que não deve ser subestimada.

Diversas foram as vezes em que adverti que, absorvida pela auto-estrada da informação e do conhecimento, essa geração anda a sinalizar vontades que anunciam que, a partir de agora, nada será como dantes...

Na quarta-feira da semana passada, voltei a desafiar nesta coluna os ocupantes dos mais altos poderes públicos com este repto: "Se nas ruas há uma geração a exigir mudança, por que razão, a geração que está no poder também não faz a sua parte"?

No dia seguinte, abandonando o seu gabinete, em traje informal e solto, durante seis horas, o Presidente veio dar uma resposta parcial a algumas destas preocupações.

Apareceu sem a tradicional asfixia das gravatas, sem as vénias de cortesãos sem espinha, sem a vassalagem doentia da criadagem e sem a sofisticada etiqueta dos mordomos.

Apareceu livre da blindagem de aço de guarda-costas taciturnos para descer à terra e com um algum humor, ensaiar a primeira grande "Presidência Aberta" desde que assumiu o poder.

Foi um ensaio perfeito? Não, não foi. O Presidente esteve cem por cento perfeito? Não, não esteve. A dinâmica de interacção em actos como este recomendaria, por exemplo, que o Presidente se levantasse e que, nalguns momentos, se dirigisse nominalmente a alguns jovens com recurso a arma mais usada pelos americanos para criar empatia: "taown halls".

Apesar disso, com alguma substância, o Presidente com este encontro, terá dado o primeiro pontapé contra o antigo "status-quo" num esforço, que, todavia, acabou por ficar manchado pelo síndrome das chefias intermédias com o vazamento, na véspera, de uma lista de jovens que se haviam habilitado à obtenção de casas, como se o direito à habitação dependesse dos ditames de quem manda no Conselho Nacional da Juventude...

Sob fogo cruzado, o Presidente aceitou dar o peito às balas para promover uma primeira grande discussão pública em torno dos problemas de um novo eleitorado juvenil.

Ao fazê-lo acabou por revelar que o modelo adoptado poderá vir a ser provavelmente o modelo que, doravante, melhor se enquadrará para ser replicado também pelos seus auxiliares, como garantia da tão esperada governação de proximidade juntos dos cidadãos.

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