A partir de Deir el-Balah, localidade no centro da Faixa de Gaza, Tareq Abu Azzoum fez chegar à Al Jazeera uma relato em carne viva de um momento extraordinário pela sua crueza, que é o dia a dia de 2,2 milhões de pessoas em Gaza.

Perto de um dos vários pontos criados pela norte-americana Fundação Humanitária de Gaza (GHF, na sigla em inglês), uma ONG que procura aliviar o sofrimento no território, Tareq Abu Azzoum descreve um cenário onde "milhares de pessoas esbracejam, uns por cima dos outros" para tentarem chegar a um pedaço de pão.

"Eu estava perto, muito perto deste ponto da GHF, onde me deparei com uma situação terrível, sem qualquer tipo de organização, apenas milhares de pessoas esfomeadas saltavam umas por cima das outras, gritando, puxando, subindo sobre quem estava à frente, numa luta desenfreada pela possibilidade de comer alguma coisa", relata o repórter.

Mas o pior estava para chegar quando, pouco depois, Tareq viu soldados israelitas a chegarem e a posicionarem-se nas imediações de onde começaram a disparar de forma indiscriminada sobre a multidão de esfomeados a quem deram alguns minutos, nem de perto nem de longo o suficiente, para tentarem obter alguma comida antes de abrirem fogo.

"A situação humanitária neste controversos centro de distribuição de ajuda humanitária não está a melhorar e não parece que possa melhorar", conclui o repórter palestiniano para a Al Jazeera, num relato pungente onde deixa uma dúvida saliente sobre o propósito destes centros de apoio humanitários da ONG norte-americana.

Esta é uma fotografia falada por um jornalista no terreno, um dos poucos que sobreviveram aos assassinatos de jornalistas em Gaza, já mais de 230 desde a invasão israelita a 08 de Outubro de 2023, após o assalto do Hamas ao sul de Israel que fez mais de mil mortos, centenas de feridos e mais de 200 reféns, muitos deles ainda nas mãos do Hamas, sem que, apesar da pressão internacional, Telavive permita a entrada de jornalistas ocidentais no território.

Mas é apenas um frame de um longo filme de terror que abrange os mais de 2,2 milhões de pessoas que habitam Gaza, uma faixa de 40 kms de extensão por nove de largura, em 365 kms, o que faz desta uma das maiores densidades populacionais do mundo e onde já morreram, segundo as autoridades locais, 61 mil palestinianos, a maioria mulheres e crianças, embora algumas ONG internacionais falem em mais de 400 mil mortos debaixo dos escombros que é hoje o que resta.

A este relato em carne viva de Tareq Abu Azzoum, junta-se o alerta do chefe da rede de ONG's em Gaza, Amjad Shawa, sobre a fome severa em que sobrevivem hoje 200 mil crianças nas áreas em que esta organização tem presença, o que coincide com os alertas da ONU recentes (ver links em baixo).

Isto, quando o Governo israelita, sob uma forte pressão internacional, com o próprio Presidente dos EUA, Donald Trump, a dizer que já não se pode negar a fome no território, procura desmentir esta realidade com afirmações veementes onde nega a fome e a limitação propositada da ajuda humanitária.

Ao mesmo tempo, em Telavive, o primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyhau mantém a decisão, altamente contestada internamente, de ocupar toda a faixa de Gaza.

De acordo com o jornal Times of Israel, o primeiro-ministro informou os seus ministros dessa decisão pedindo-lhes apoio total para a oficialização dessa decisão que tem riscos inerentes bem conhecidos.

Entre esses riscos está o que pode suceder aos cerca de meia centena de reféns que ainda estão nas mãos do Hamas e da Jihad Islâmica desde o ataque conjunto ao sul de Israel de 07 de Outubro de 2023 onde morreram pelo menos mil pessoas, entre militares, civis e imigrantes.

Além da vida dos reféns, cujo salvamento e recuperação era, a par da destruição cabal do Hamas, o principal objectivo de Benjamin Netanyhau quando lançou a invasão militar de Gaza, esta decisão pode ainda despoletar uma crise regional envolvendo os países árabes vizinhos.

No entanto, uma ocupação total de Gaza, que envolveria sempre uma escalada militar para garantir a sua efectivação, não seria a primeira vez, porque durante 38 anos, entre 1967 e 2005, Israel manteve o território sob férreo domínio militar.

No entanto, essa ocupação, embora sem comparação com a realidade actual, onde se assiste a um genocídio no território, teve igualmente consequências trágicas tanto para a população palestiniana como para os israelitas, permanentemente alvos da de ataques da resistência palestiniana.

Essa memória está ainda fresca entre as chefias militares israelitas e é por isso que, segundo os media em Telavive, os comandantes das Forças de Defesa de Israel (IDF) discordam dessa decisão e já a verbalizaram a Benjamin Netanyhau, a quem chamaram à atenção para os riscos que esse passo acarreta.

Todavia, esta opção não seria igualmente uma surpresa total porque ela estava implícita nas palavras do Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, quando, há alguns meses, avançou com a ideia bizarra de transformar Gaza num gigantesco complexo turístico na costa do Mediterrâneo Oriental.

Ou ainda porque alguns dos membros do seu gabinete, como Bezalel Smotrich, ministro das Finanças, ou Itamar Bem Gvir, ministro da Segurança Nacional, ambos extremistas políticos e radicais religiosos, defendem, com insistência, a expulsão dos 2,3 milhões de habitantes do território e a sua terraplanagem total, de forma a ali fazer regressar milhares de colonos e colonatos.