As medidas consideradas no âmbito da prioridade "mais rendimento" contemplam, entre outras, o aumento dos salários da função pública em 25%, a manutenção do nível de isenção do Imposto de Rendimento do Trabalho (IRT) nos 100 mil kwanzas e a continuidade da valorização de carreiras na função pública, por via de progressões e promoções.
Ora, tendo em conta as taxas de inflação anuais dos anos entre 2022 e 2024 e a taxa estabelecida pelo Governo como objectivo para 2025, o aumento nominal dos vencimentos da função pública em 25% em 2025 vai apenas atenuar a perda do poder de compra acumulada entre 2022 e 2025 de 51% para 38%. Por seu turno, a manutenção do patamar de rendimento isento do pagamento do IRT nos 100 mil kwanzas, ao não ter nenhum impacto positivo sobre o rendimento disponível dos trabalhadores por conta de outrem comparativamente a 2024, é uma "não-medida", a menos que, no entendimento do Executivo, o normal devesse ser o retorno ao patamar de isenção de 2023, quando, entretanto, pela perda do poder de compra entre 2024 e 2025 (calculada em 33%), o patamar de isenção deveria é ser aumentado. Já no que respeita à "continuidade da valorização de carreiras na função pública, por via de progressões e promoções", é importante notar não ser possível, nas actuais circunstâncias, a progressão na carreira dos funcionários públicos. Isso porque, até ao momento, a Lei n.º 26/22, de 22 de Agosto - Lei de Bases da Função Pública, não foi regulamentada no que diz respeito à definição dos número de escalões em cada categoria das carreiras e ao estabelecimento das correspondentes tabelas de remuneração.
Na prioridade "mais robustez das finanças públicas", as medidas incluem: a reforma da Lei do OGE, a revisão da Lei de Sustentabilidade das Finanças Públicas, a revisão do Quadro Legal e Operacional do Programa de Investimento Público, a manutenção da Contribuição Especial sobre as Operações Cambiais (CEOC) aplicável às transferências efectuadas para o estrangeiro; a manutenção da restrição de regalias aos órgãos do sistema orçamental pagos por Recursos Ordinários do Tesouro (ROT) e de empresas que beneficiem de recursos do OGE, a continuação da remoção gradual dos subsídios aos combustíveis e de outros subsídios, a revisão da Lei do Sector Empresarial Público (SEP), a criação de uma Sociedade Gestora de Participações Sociais (SGPS) para exercer as funções de Estado-accionista das empresas com orientação comercial, a promoção junto da Assembleia Nacional da aprovação da Lei dos Fundos Públicos para viabilizar a Reforma dos Fundos Públicos, a continuidade da modernização do sistema nacional de contratação pública, com a revisão do quadro legal do Serviço Nacional de Contratação Pública e a regulamentação da constituição e funcionamento das Centrais de Compras e actualização do Regulamento da Contratação Electrónica.
Ora, vale notar que a gestão financeira pública tem deficiências críticas que decorrem da inobservância de disposições importantes das leis que se propõem reformar e rever. Então, a sua mera reforma e revisão não há-de garantir que venham a ser observadas. De resto, não é claro o conteúdo da referida reforma e revisão, embora as leis do OGE, da Sustentabilidade das Finanças Públicas e das Finanças Locais careçam de conciliação, mas substituindo-se a de Sustentabilidade das Finanças Públicas uma de Responsabilidade Fiscal.
A imposição da CEOC não é consistente com o princípio económico da tributação, além de que é aparentemente inconstitucional. Entretanto, há margem para o aumento da Taxa Efectiva de Tributação da Receita não-Petrolífera, a qual não vai para além dos 12% do Produto Interno Bruto (PIB) não-Petrolífero, quando a média dos pares de Angola anda nos cerca de 16%. A manutenção da restrição de regalias aos órgãos do sistema orçamental pagos por ROT e de empresas que beneficiem de Recursos do OGE é uma medida que vigora há vários orçamentos - pelo menos desde o de 2018 -, mas cuja observância não é garantida. Assim é que, no caso da suspensão da atribuição de veículos do Estado para apoio domiciliar dos Titulares de Cargos Políticos, Magistrados e outros beneficiários, a Assembleia Nacional violou, sem qualquer consequência, a Lei do OGE de 2022 ao atribuir tais viaturas aos deputados. Relativamente à continuação da remoção gradual dos subsídios aos combustíveis, depois do exercício desastrado realizado em 2023, a medida tinha sido interrompida. Tendo em conta que a verba inscrita no OGE 2025 é de apenas 792,8 mil milhões de kwanzas, contra uma despesa efectiva em 2024, que se antecipa tenha sido de cerca de 2,8 biliões de kwanzas, o aumento dos preços e tarifas subsidiados em 2025 teria de ser substancial para se limitar os subsídios àquele nível. Não é crível, entretanto, que o Executivo venha a proceder a tal aumento, em face dos impactos económicos e sociais potenciais, que é a maneira como sempre geriu este problema.
A revisão da Lei do SEP e a criação de uma SGPS para exercer as funções de Estado-accionista das empresas com orientação comercial são medidas contidas no Roteiro para Reforma do SEP, aprovado pelo Decreto Presidencial n.º 13/22, de 18 de Janeiro, cuja implementação, no essencial, deveria ter sido concluída no final do 1.º trimestre de 2024. Acontece é que o referido roteiro não foi implementado, não tendo o Executivo apresentado qualquer justificação para o efeito. De igual modo, o Programa de Reestruturação dos Fundos Públicos (PRFP) havia sido aprovado pelo Decreto Presidencial n.º 61/22, de 22 de Fevereiro, e, de acordo com o respectivo Cronograma de Implementação, a conclusão deveria ter ocorrido no final de Junho de 2024. O programa - que tem, contudo, uma abordagem equivocada - sequer arrancou e, ao que parece, imputa-se agora responsabilidade à Assembleia Nacional, por, supostamente, não ter aprovado a Lei dos Fundos Públicos. Quanto à contratação pública, o que é exigível, antes de tudo, é que se assegure a observância das disposições da lei e a responsabilização pela sua não-observância. De resto, falta transparência e escrutínio adequado dos processos de contratação pública a todos os níveis e medidas que previnam a ocorrência de negócios consigo próprio por parte das entidades públicas.
A prioridade referida como "mais segurança alimentar e economia" é a que contempla as medidas directas de promoção e fomento da actividade económica. As principais entre elas são: o estabelecimento de uma linha de crédito de 15 mil milhões de kwanzas de apoio ao fomento do sector produtivo; a transformação do Instituto de Cereais de Angola em Agência Reguladora de Cereais e Grãos; a transformação da empresa GESTERRA em Empresa Pública de Mecanização Agrícola; a continuidade do fortalecimento da capacidade financeira dos veículos públicos de financiamento, capitalizando as empresas e os fundos públicos; a disponibilização de um pacote de garantias soberanas no montante de 1,46 biliões de kwanzas para apoiar projectos privados de interesse estratégico nacional; a aceleração da política de incorporação de bens produzidos nacionalmente "Feito em Angola" em contratos de investimento ou aquisição de bens por entidades públicas; a continuidade da regularização das dívidas decorrentes da acumulação de atrasados internos para libertar liquidez, com um pacote financeiro de 82,93 mil milhões de kwanzas; e a transformação do Fundo Angolano de Capital de Risco (FACRA) para Fundo de Capital de Risco (FCR).
Percebe-se, com isso, de que, no que se refere a medidas para a promoção e fomento da actividade económica, o Executivo insiste na mesma fórmula que vem usando desde a adopção do modelo de economia de mercado em 1992. Isso porque, como notáramos em artigos anteriores, a diversificação da economia nacional e o seu crescimento sustentado são prejudicados pelo insuficiente nível do investimento produtivo privado e de longo-prazo, consequência da instabilidade macroeconómica e de factores estruturais que tornam o seu risco elevado, subjacentes a um quadro político-institucional que mina a confiança dos investidores e a eficácia das políticas públicas. Deste modo, o uso persistente de recursos públicos nas mais diversas formas - concessão de crédito a taxas preferenciais, bonificação das taxas de juro de mercado, provisão de garantias públicas para créditos ou disponibilização de capital de risco -, não passa de um atalho, numa tentativa de contornar um problema transversal a toda a actividade económica, o que é manifestamente ineficiente e ineficaz. Tivesse a história rezado sucesso dessa fórmula no passado e o país não estaria hoje confrontado com os mesmos problemas de então. Tal fórmula contemplou, no passado, por exemplo, o Fundo de Apoio ao Empresariado Nacional (FAEN), os créditos dirigidos do Banco de Poupança e Crédito (BPC), o Programa Executivo para Acelerar a Implementação do Processo de Diversificação Económica Nacional 2013-2017 (PEADEN), o Programa de Reestruturação do Sistema de Logística e Distribuição (PRESILD), o Programa de Aquisição da Produção Agropecuária (PAPAGRO), os Avisos n.º 10 do Banco Nacional de Angola e o Plano de Apoio aos Operadores de Transportes de Mercadorias do Comércio Rural (o da aquisição de 500 viaturas para escoamento de produtos).
A medidas de transformar o Instituto de Cereais de Angola em Agência Reguladora de Cereais e Grãos e do FACRA em FCR, de "ressuscitar" a MECANAGRO - sem que, sequer, alguma vez se tivesse feito uma avaliação dos resultados e impactos da sua longeva existência, da qual resultou que se "enterrassem" somas avultadas na importação de tractores -, de aceleração da política de incorporação de bens produzidos nacionalmente "Feito em Angola", com a obrigatoriedade de as instituições públicas contratarem tais bens - medida também tentada no passado, que vai, entretanto, continuar a esbarrar na manifesta capacidade limitada de satisfação da procura e da própria gestão da sua observância - e de dar continuidade à regularização das dívidas decorrentes da acumulação de atrasados internos para libertar liquidez, são outros logros que se juntam às medidas ora referidas no âmbito de "mais rendimento" e "mais robustez das finanças públicas". De resto, mais do que regularizar atrasados de pagamentos internos, o governo deveria é propor-se a não acumular mais atrasados às empresas fornecedoras de bens e serviços e recordar-se da medida definida no passado dos pagamentos devidos às micro, pequenas e médias empresas serem efectuados obrigatoriamente num prazo máximo de 30 dias...
*Economista