A repressão contra os manifestantes, as cargas policiais e detenções supostamente feitas de forma ilegal chegaram de ter mais eco e repercussão no espaço público do que a morte das pacatas anciãs, em circunstâncias ainda não esclarecidas.
Este tipo de homicídios que, no caso do Kwanza-Norte, teve a particularidade de ter ocorrido no meio rural não só roubou a paz aos habitantes locais, ao ponto de infundir neles um sentimento de medo generalizado, como também despertou sentimentos de revolta.
Durante estas mais de duas décadas de paz efectiva no País, não se tem memória de que a pacata província do Kwanza-Norte, em particular o município do Cazengo, tenha registado um fenómeno macabro do género, ou seja, de mortes gratuitas e em série que têm como alvo um dos grupos mais vulneráveis da população.
Em qualquer parte do mundo, este tipo de crimes pode indiciar a existência de um "serial Killer", a avaliar pelo número de vítimas, o espaçamento da ocorrência dos homicídios, a forma misteriosa como os mesmos foram executados, os locais ermos onde ocorreram e o "modus operandi" dos seus executores.
Tudo aponta que os homicídios em série não foram praticados de forma acidental ou aleatória, mas premeditada, com requintes de malvadez, e executados de forma fria e calculista. Há relatos de que as vítimas terão sido violadas antes de serem assassinadas por asfixia mecânica.
É dado adquirido que o atraso da Polícia em dar resposta aos nefandos crimes fez que os alarmes soassem naquelas paragens, arrastando para as ruas os manifestantes como forma de "pressionar" as autoridades locais no sentido de desvendarem o "mistério" , assim como punirem os seus autores.
Em decorrência da autuação policial, foram postos a circular nas redes sociais, em tempo real, vídeos com imagens que davam conta da detenção e da violência usada contra os manifestantes, alguns dos quais deitados no chão, outros atirados para o "quintal" de uma das viaturas da Polícia, em meio ao cheiro de pólvora dos disparos das armas de fogo .
Os meios de comunicação social deram eco ao acontecimento, embora os órgãos estatais tivessem apresentado apenas uma versão inquinada que mais agradava ao regime, fazendo passar os manifestantes como meros vândalos e arruaceiros.
Dito de outro modo, estes órgãos não se deram ao trabalho de cruzar a informação com os visados ou chamando à colação fontes independentes, de forma a produzir uma informação séria e credível, como recomendam os cânones do jornalismo.
As imagens da brutalidade policial correram mundo, tendo colocado Angola, uma vez mais, nas bocas da imprensa internacional, pelas piores razões, pelo que se presume que a mais recente acção da Polícia poderá engordar as estatísticas anuais, já de si cinzentas, dos organimos internacionais que regularmente fazem a monitoria aos níveis das liberdades individuais e colectivas em Angola.
A detenção dos dois deputados do maior partido na oposição não só causou indignação no espaço público, como também suscitou uma série de críticas por violar normas que protegem os parlamentares que, como se sabe, só podem ser detidos em flagrante delito em crimes cuja moldura penal seja superior a dois anos de prisão. Até prova em contrário, eles estavam apenas a exercer o seu direito de cidadania, conforme está consagrado na CRA.
A intolerância da Polícia não se limitou à detenção dos dois deputados da oposição, mas também se estendeu a um jornalista que estava apenas a exercer o seu direito de recolher de informações para divulgá-las, no âmbito do interesse público.
Num atabalhoado comunicado de imprensa, que divulgou na segunda-feira, 17, o Comando Provincial da Polícia no Kwanza-Norte diz que os agentes foram chamados a intervir numa manifestação de protesto, no decurso da qual estariam a ser cometidos actos de vandalismo e arruaça, e como consequência disso procederam à detenção de alguns manifestantes, dentre os quais dois deputados da UNITA.
O órgão policial alegou que procedeu à detenção dos referidos deputados, de forma a "protegê-los" do clima de agitação que se gerou no local e que, para garantir a sua segurança, foram levados para uma das suas unidades policiais.
Segundo o comunicado, só na esquadra, os agentes policiais viriam aperceber-se de que se tratava de dois deputados do "Galo Negro" à Assembleia Nacional e, em função disso, foram de imediato devolvidos à liberdade.
Deixando transparecer a postura de um gato escondido com o rabo de fora, o Comando da Polícia não explicou as razões que fizeram que os seus efectivos não estivessem no local da manifestação para dar protecção aos manifestantes, como era seu dever, ao abrigo da Lei do Direito à Reunião e Manifestação.
O argumento não colhe, se atendermos o facto de que muitos dos agentes policiais não têm a cultura de lidar com as manifestações de protesto, estando apenas preparados para dar protecção aos actos de massas promovidos pelo partido governante. É só vê-los como se esmeram em mostrar serviços nos comícios e marchas levadas a cabo pelo MPLA.
Se autuação da Polícia foi negativa a todos os títulos, por ferir a ética republicana, o mesmo se pode dizer do governador João Diogo Gaspar, que, ao invés de condenar os excessos policiais, acabou de dar mais "oxigénio" aos agentes que neste domingo reprimiram uma manifestação pacífica.
Soou a uma certa arrogância e insensibilidade à dor alheia por parte de o governador do Kwanza-Norte que não só negou a detenção dos dois parlamentares do Galo Negro, como também chegou ao extremo de exigir-lhes que fizessem provas documentais das suas detenções. Será que as vítimas poderão ser convertidas em carrascos?
No seu inútil esforço de desmentir o indesmentível, João Gaspar alegou que, se os deputados tivessem sido maltratados, não teriam permanecido nas celas com os "seus pertences, incluindo telemóveis que usaram para captar e publicar as imagens, que posteriormente viralizaram nas redes sociais".
Em reacção aos tristes acontecimentos registados naquela cidade, a UNITA, por via do seu Grupo Parlamentar na Assembleia Nacional, assim como o Sindicato dos Jornalistas Angolanos (SJA) prometeram accionar processos-crime junto dos órgãos afins contra os agentes policiais que agiram de forma desproporcional contra os manifestantes.
A iniciativa é boa, mas, verdade seja dita, ela está condenada ao fracasso, visto que não terá respaldo legal, uma vez que o MPLA chumbou ou inviabilizou a aprovação no Parlamento de uma proposta da UNITA que visava a responsabilização criminal e civil dos agentes que cometessem excessos no exercício das suas funções.
Será caso para dizer que os agentes policiais continuam a ter rédea solta para cometer impunemente excessos e abusos durante as manifestações, sem que disso resulte consequências para os seus autores? Quem colhe dividendos com a falta de responsabilização criminal e civil dos agentes policiais?