Acuso, pois, o Executivo angolano de violar de modo grosseiro e sistemático o artigo 44º da Constituição, sobre a liberdade de imprensa em geral, e em particular no que respeita ao "funcionamento independente e qualitativamente competitivo de um serviço público de rádio e televisão". Agindo como age, coloca os seus interesses, incluindo os pessoais e partidários, acima dos interesses nacionais, o que lhe retira, de imediato, toda a legitimidade de fazer acusações sobre distintas matérias, do presente e do passado. aos seus adversários políticos. Não hesita em fazer repetidamente declarações de retórica sobre a importância da liberdade de expressão, como aconteceu, é bom lembrar, na mensagem de Fim de Ano de 2022 do Presidente da República e recentemente no discurso de abertura do ministro de tutela seminário sobre "Comunicação Social e Revolução Digital - Os Desafios Actuais e Futuros da Gestão de Empresas de Comunicação Digital". Tudo isto é caricato porque o Executivo faz letra morta da sua própria divisa pós 2022 - produzir mais e comunicar melhor - e não percebe que esta política vai contra os seus interesses. Um simples estudo de opinião permitiria concluir que quase ninguém vê a - ou se revê na - comunicação social pública, abrindo espaço para que perguntemos: sendo assim, para que serve gastar tanto dinheiro com ela?
Acuso o Executivo angolano de pouco ou nada fazer para que o serviço público plasmado na Constituição possa contribuir para a necessária e urgente educação dos angolanos e para a sua formação cidadã, tantas vezes referenciada como o mal dos males pela sociedade. A educação promove liberdade de pensar e agir, facilita autonomia para tomar decisões e transforma "povo" em cidadãos conscientes dos seus direitos e deveres. Agindo como age, o Executivo mostra que não é isso que pretende, procurando, pelo contrário, inibir a consciência cidadã, manter as pessoas dóceis e passivas, sempre à espera dos favores do Executivo, a quem tudo deve agradecer, como se este não tivesse obrigações - constitucionais, é bom sempre lembrar - de servir, digo bem, servir o público. O Executivo esquece - ou não sabe? - que a cidadania foi um direito negado à maioria dos angolanos até à independência e uma bandeira dos que lutaram para que ela fosse possível. A juventude que enche o Executivo não faz a mínima ideia do que representava a luta e a conquista do bilhete de identidade, tão bem representadas na saga do mulato Zeca Bardineiro, saborosamente parodiada pelo inesquecível Gaby Marques (1947-2017).
Acuso o Executivo angolano de, com a sua política de comunicação social, contribuir para a degradação alarmante dos chamados valores morais, sem que pondere sobre a sua própria responsabilidade por tal degradação, devida, por um lado, às políticas económicas e sociais que promovem a pobreza e a exclusão, e, por outro, devida à ausência de um sentido crítico estruturado relativamente aos comportamentos anti-sociais, antes pelo contrário. Na verdade, o Executivo não manifesta real preocupação com o assunto, endereçando a responsabilidade pela promoção dos ditos valores para as igrejas e para movimentos propagandísticos financiados de modo obscuro, como aconteceu no passado com outros agora caídos em desgraça. Percebe-se facilmente que as verbas em causa contribuem para a degradação dos valores que tais movimentos deveriam resgatar. Seria muito fácil investigar o património de tantos "líderes" religiosos e da sociedade civil cujas organizações desapareceram do mapa. Com gastos muito inferiores, a comunicação social pública poderia promover programas com exemplos de boas práticas reconhecidos pela opinião pública, pois eles existem comprovadamente.
Acuso o Executivo angolano de promover uma cultura de alienação, como acontecia nos anos 60-70. Nesse passado, os nossos compatriotas eram manipulados pela propaganda da portugalidade e de uma utópica felicidade, que procurava afastá-los da luta pela liberdade e independência, tal como hoje se procura desviar as atenções dos cidadãos de escândalos como os recentes, ligados à AGT, aos SME, ao INAGBE, à TAAG ou do obsceno caso de incorporação viciada de mancebos nas FAA. Ou ainda em relação às verdadeiras causas da vandalização generalizada de infra-estruturas. É uma das estratégias definidas por Noam Chomsky para a manipulação mediática, que agora são recuperadas, com o mesmo despudor com que se recuperam figuras odiosas do colonialismo. Estratégias que hoje levam o serviço público de comunicação a tratar o "consumidor" como crianças e a manter o povo na ignorância. Depois de, anos a fio, ter estimulado de modo agressivo os jovens a participarem em maratonas musicais regadas a cerveja barata, o Executivo tenta corrigir essa desastrada ideia fazendo aprovar uma lei de condicionamento da venda de bebidas alcoólicas que, como tantas outras, não será cumprida por falta de realismo, pois em caso de cumprimento milhares de micro- empresas e de negócios informais serão destruídos.
Acuso o Executivo angolano de, em vez da propaganda balofa e da manipulação, não encorajar o serviço público de comunicação a denunciar de modo sistemático o menosprezo que os seus auxiliares dedicam às crianças quando agem com indiferença perante o drama da falta de água corrente e de casas de banho nas escolas, ainda que fosse numa única apenas. Uma situação que, entre muitas outras óbvias consequências, conduz ao abandono escolar de meninas que atingem a idade da menstruação. Idêntico menosprezo existe por milhares de pessoas, mulheres e homens, maioritariamente jovens, que trabalham ou divagam pelas ruas das cidades, sem que possam dispor de um local para fazerem as ditas necessidades maiores ou menores. O que custaria a essa comunicação social olhar um pouco para tais cidadãos e fazer uma campanha no sentido da mitigação de tão delicado problema? Ou será que o maior desprezo que se dedica aos cidadãos pobres em geral fala mais alto?
Outras acusações poderia continuar a fazer, mas fico por esta última. Acuso o Executivo angolano de prejudicar, para usar palavra suave, a reconciliação nacional. No seu afã de se agarrar ao poder, e ao arrepio dos superiores interesses nacionais, está a desbaratar o capital social que tanto custou a ser construído. O teatro mediático com as supostas ameaças de terrorismo, a ressurreição das infelizes reportagens da CIVICOP e a notícia de que os nomes de Holden Roberto e Jonas Savimbi não estarão ao lado de Agostinho Neto e José Eduardo dos Santos na outorga da medalha relativa do 50º aniversário da independência são decisões destituídas de bom senso, de tolerância e de espírito de reconciliação. Numa altura em que vivemos problemas de grande complexidade, para os quais o Executivo e o partido no poder já deram fartas indicações de por si só, serem incapazes de resolver, e por mais que se invoquem razões ideológicas, não faz sentido continuar a ignorar as capacidades intelectuais, físicas, morais, seja lá o que for, de figuras representativas e relevantes de muitos segmentos da sociedade para solução de problemas que afectam os angolanos e podem pôr em causa a estabilidade política, económica e social de Angola. Até a existência de rádios comunitárias impedem ou dificultam, elas que poderiam ser tão úteis, por exemplo, na prevenção e no combate à cólera.