Segundo os organizadores, Bob Geldof e Midge Ure, os concertos com 70 mil pessoas em Londres e 100 mil em Filadélfia, arrecadaram mais de 200 milhões de dólares.

Nesse período, o continente vivia grande instabilidade política provocada não só por conflitos internos, grande parte reflexos da Guerra-Fria, como a guerra em Angola, mas também pelos constantes golpes de Estado.

A maior parte dos países africanos não estava democratizada e a forma mais comum de se chegar ao poder era através de golpes de Estado. As alternâncias no poder eram feitas por essa via.

Neste contexto, no período entre 1963 e 1970 (sete anos), o continente foi acossado por 25 golpes de Estado em 16 países das cinco regiões continental: Norte, Centro, Oeste, Leste e Austral.

Durante 30 anos de independência, entre 1960 e 1990, em África sucederam-se 267 golpes e tentativas de golpes.

Com a queda do Muro de Berlim, o fim do apartheid na África do Sul e o culminar da Guerra-Fria, o panorama político em África começa a sofrer assinaláveis transformações, dando-se início ao período de democratização. Assim, 1990, ano em que a democracia surge como forma de alternância do poder, é apelidado por muitos estudiosos e analistas como o tempo da segunda independência em África. Nessa altura, são depositadas enormes esperanças nos regimes democráticos como solução para combater os golpes e instabilidades políticas no continente.

No entanto, em muitos países africanos, a democracia não passou de simulacro. Nesses Estados, o Poder continua(va) concentrado num só homem, ignorando os anseios e votando as populações ao ostracismo, consequentemente transformando as instituições em figura de corpo presente.

Ao invés de regimes democráticos caracterizados pela partilha do Poder, responsabilização e solidariedade, criaram-se novas tiranias centradas no nepotismo, assentes na corrupção, em que as receitas dos recursos naturais são utilizados para criar uma classe política de clientela corrupta.

Líderes que se vão eternizando no Poder, através de diversos estratagemas, nomeadamente a alteração da Constituição, como são exemplos disso Angola, Rwanda, Congo, Guiné Conakry, entre outros.

Esses mesmos líderes, numa autêntica cópia dos colonizadores, consideram-se insubstituíveis, colocando-se em lugar de divindades.

Sem preparar as populações em termos de formação, não permitem o desenvolvimento da sociedade civil actuante, capaz de reivindicar o lugar de cada um na História. Esta situação criou o caldo suficiente para o aparecimento de revoltas populares, como foi o caso das primaveras árabes iniciadas na Tunísia de Ben Ali, em 2011, tal era o grau de saturação dos tunisinos que em revolução depuseram o Ben Ali depois de 23 anos de poder absoluto. Tal como com os processos independentistas, as novas revoluções que beneficiariam do maravilhado mundo novo da Era da Comunicação tambem se iniciaram no Norte e na África Ocidental.

No Mali, depois de semanas a ser contestado nas ruas, Ibrahim Boubakar Keita (IBK) não soube interpretar os sinais e antecipar-se aos protestos, preferindo esperar por um golpe militar de coronéis que destituiu o seu Governo.

IBK estava no segundo ano do segundo mandato presidencial de cinco anos e estava mais preocupado com o formalismo do cumprimento dos dois mandatos, dez anos, estipulados pela constituição, do que olhar para os sinais de degradação da vida no Mali, causados pelo incumprimento de promessas eleitorais, ignorando toda a impopularidade e insatisfação total do povo.

Na Costa do Marfim, Alassane Outtara, depois de dois mandatos, ao arrepio da Constituição, decide-se por um terceiro mandato, dando o dito pelo não dito e as ruas transformaram o país num caos. Ao apresentar-se para um terceiro mandato, Ouattara deixou o país em chamas.

As organizações e os líderes africanos deviam olhar para esses exemplos e questionarem o que é legitimidade nos tempos de hoje.

Ki Zerbo define que são a ética e a moral que fundamentam a legitimidade.

Significa que o tempo dos mandatos deveria ser repensado, assim como a sua legitimidade.

Que legitimidade tem alguém para governar em determinado momento quando, estando muito longe do fim do seu mandato, a sua aprovação popular não atinge sequer 10/15 por cento, mesmo que tenha sido eleito com mais de 60 por cento?

Com as novas formas de "golpe popular", o tempo dos mandatos não são necessariamente apenas os definidos pelas constituições, mas pelo soberano, o povo, em cada momento e em função das circunstâncias.

Não terá chegado a hora de repensar os modelos de sociedades políticas, actualmente em vigor?

Olhando para o caso do Mali, faltavam três anos para o IBK terminar o segundo mandato, o povo saiu à rua, contra a governação, contra os privilégios dos políticos. A instabilidade instalou-se, e os militares tiraram-no.

Estaremos a viver as primaveras da África sub-sahariana?

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