Essa crise, desencadeada no rescaldo das últimas eleições presidenciais da Guiné-Bissau, continua a somar novos episódios, como aconteceu na semana passada, numa demonstração de que a escalda de tensão entre os actuais homens fortes dos dois países está para durar.

Os contendores parecem mais dispostos a pôr lenha na fogueira do que a enterrar os machados de uma guerra estúpida que arrasta atrás de si dois países amigos, irmanados pela História e com laços reforçados pela luta contra o inimigo comum: o regime colonial fascista português.

João Lourenço, na qualidade de Chefe de Estado angolano, recebeu, a 27 de Outubro, o derrotado das presidenciais guineneses de Dezembro último, Domingos Simões Pereira, líder do PAIGC, partido irmão do MPLA, para, de acordo com o político guineense, "ouvir, compreender e acompanhar a complexa situação" da Guiné-Bissau.

O encontro da Cidade Alta, o segundo neste ano, constitui uma demonstração inequívoca do apoio do Presidente angolano ao líder do PAIGC, crítico e opositor dos actuais detentores do Poder no seu País.

No final da audiência, em tom grave, Simões Pereira disse aos jornalistas que "o que se verifica na Guiné-Bissau é o uso do poder absoluto, pondo em causa as liberdades individuais, colectivas e a separação de poderes".

"É este o quadro existente para o qual o PAIGC vai continuar a lutar e a exigir, nos termos da lei, o respeito pela ordem constitucional", assegurou.

Significa isto que Simões Pereira foi a Luanda pedir apoio do líder angolano para a sua luta contra a instauração de um regime autocrático na Guiné-Bissau.

Enquanto decorria a audiência em Luanda, na capital do País de Simões Pereira, o Presidente Sissoko Embalo reunia-se com o vice-presidente do PAIGC, Califa Seidi, sobre a "situação política do País", nomeadamente as denúncias de "perseguição política" de que serão vítimas destacados membros do partido fundado por Amílcar Cabral.

Isto traduz a existência de diálogo interno entre poder e oposição guineenses para a solução de questões nacionais, diferentemente do que faz o mais alto mandatário angolano.

Três dias depois, a 30 de Outubro, mal soube da morte de Sindika Dokolo, genro de José Eduardo dos Santos, o Presidente guineense não perdeu tempo e, num avião particular, viajou até Barcelona para apresentar as condolências, pessoalmente, ao antigo Chefe de Estado angolano.

Sabendo que João Lourenço não morre de amores por José Eduardo dos Santos, a quem responsabiliza pela bancarrota em que se encontra o País, Sissoco Embalo viu, certamente, o infausto acontecimento como uma oportunidade de "dar o troco" a Lourenço por ter recebido e apoiado o seu rival.

Da mesma forma que a audiência de Luanda foi publicitada, também Sissoco Embalo fez questão de partilhar, na sua página oficial no Facebook, a notícia da visita a José Eduardo dos Santos, ilustrada com três fotografias do momento.

No texto, o líder guineense refere-se a Angola como "República Irmã" e diz que o ex-Presidente angolano considerou a sua deslocação a Barcelona um "gesto nobre". Também não se esqueceu de enfatizar que JES "faz votos" de que o seu "mandado seja coroado de êxitos".

Por outras palavras, reconheceu-o como Presidente legítimo da Guiné-Bissau, diferentemente de João Lourenço.

Nesta escalada da guerrilha diplomática, há ainda a observar que Angola retirou o seu embaixador de Bissau, transferiu-o para Singapura e não nomeou ninguém em sua substituição.

As autoridades de Luanda recusaram, também, conceder o indispensável Agrément para a nomeação e consequente acreditação da embaixadora indigitada pelo Chefe de Estado guineense, para cuidar dos interesses do seu país em Angola.

Estes episódios de guerrilha diplomática na praça pública, com marcação taco-a-taco, fazem parte das desavenças entre os dois líderes generais, surgidas durante a crise pós-presidenciais da Guiné-Bissau, ganhas por Sissoco Embalo e contestadas por Simões Pereira.

De recordar que, no início de Março, quando as diplomacias tentavam encontrar soluções para o litígio pós-eleitoral, o Governo angolano, através do seu ministro das Relações Exteriores, condenou, em Brasília, as "tentativas de assumpção do poder por meios não constitucionais", por parte de Sissoco Embalo, então vencedor declarado.

A condenação angolana surgiu depois de Sissoco Embalo ter tomado posse como Presidente da Guiné, ao arrepio da constituição e sem esperar pela solução diplomática do conflito que estava a ser negociada.

Em resposta, poucos dias depois, o actual Presidente guineense, homem sem falas diplomáticas, foi muito duro e ofensivo com o Presidente angolano, chamando-lhe de "ingrato", por estar a "perseguir a pessoa que lhe entregou o poder de uma forma gratuita".

"Eu fui eleito pelo povo guineense. Ao João Lourenço foi dado o poder de bandeja pelo Presidente José Eduardo dos Santos, um homem que lutou pela Paz em Angola e que merece respeito", atirou agressivamente.

É a primeira vez na História dos dois países, que desentendimentos ao mais alto nível se desenrolam na praça pública, afectando as relações bilaterais e ameaçando, por arrasto, o funcionamento da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), organização de que ambos fazem parte como membros fundadores.

Com apoios da CEDEAO, de que é membro a gigante Nigéria, do mundo árabe, incluindo o africano, do Congo Brazzaville e da África do Sul, com os quais tem relações familiares, Sissoco Embalo está muito confiante que levará a sua "birra" avante.