A ironia, no entanto, não é aqui usada de forma deslocada, porque, no meio da crise que assustou os mercados nas últimas duas semanas, no rasto da guerra mundial de tarifas declarada pelo Presidente dos EUA, as alterações climáticas estão de novo a entrar no "negócio".

É que, como notam já alguns analistas, as notícias de que o gigante da aeronáutica americano, Boeing, está a sair da malha ambientalista, abandonando os avultados investimentos em aparelhos menos poluentes, é um sinal de que aquele que é o sector que mais combustível gasta, a par do transporte marítimo, vai continuar a queimar crude em grandes quantidades.

E os mercados gostam de ver sinais de que a frente ambientalista, que defende as energias alternativas, está a perder, porque isso leva a que a procura sofra menos e a oferta não encontre resistências, o que é, precisamente, também a política poluente da actual Administração norte-americana liderada por Donald Trump.

Além disso, a outra referência "verde", desta feita, em perda, ao contrário do efeito Boeing, está a ajudar os mercados a empurrar o barril para cima, que é o caso do dólar norte-americano.

As ""greenbacks" valem cada vez menos devido à fúria de Donald Trump com o "seu" chefe da Reserva Federal por não ter agido, na sua opinião, a tempo na descida das taxas de juro, estando os media especializados carregados de indícios de que a Casa Branca poderá remover Jerome Powell da liderança do seu Banco Central.

Essa possibilidade, como relatam analistas insistentemente, está a deixar os investidores em alvoroço porque sem estabilidade não é possível fazer previsões e sem previsões válidas, o dinheiro e retirado dos mercados e colocado em activos de segurança sólida, como o ouro.

Além disso, a guerra de tarifas, mesmo com os alívios subsequentes, seja na suspensão por 90 dias aos países mais amigos, ou a sectorização das taxas aos bens chineses exceptuando a electrónica, continua a fazer mossa em todo o mundo, e no sector petrolífero especialmente.

Assim, perto das 12:00 desta terça-feira, 22, hora de Luanda, o barril de Brent, que serve de referência principal às ramas exportadas por Angola, estava a valer 67,08 USD, já a escassos 2,78 USD dos 70 que serviram para elaborar o OGE 2025.

Com esta subida, afasta-se o perigo, mas não exclui, de uma revisão do OGE.

Por outro lado, a Agência Internacional de Energia (AIE) veio advertir nas últimas horas que o fornecimento global de crude ainda está em risco de ser afectado por choques de vária ordem, incluindo os conflitos, como o da Ucrânia.

É que o director da AIE, Fatih Birol, deu o exemplo da guerra na Ucrânia, que, por envolver um grande produtor e exportador, a Rússia, além das sanções aplicadas por algumas da sgrandes potências económicas, "ainda não foi totalmente compreendida nos seus efeitos de longo termo".'

É que o actual contexto global, como avança Birol, citado pelos media internacionais, compromete as três regras de ouro que garantem a segurança energética, que são a diversificação dos fornecimentos, a estabilidade política e a cooperação alargada, estão longe de estarem garantidas.

E os conflitos que existem no mundo, da Ucrânia à Líbia, do Sudão ao Iémen, da Palestina ao Corno de África... os potencialmente previsíveis, como Taiwan e a China, ou um conflito sem calendário mas "certo", entre EUA e China, ou ainda a Rússia e a Europa Ocidental, não permitem estabilidade política (veja-se os EUA de Trump), a cooperação alargada e a diversificação dos fornecimentos.

Esta questão é de tal modo importante que um conjunto alargado de líderes políticos reuniam esta semana em Londres com elementos da indústria para discutir questões relacionadas com a segurança energética, tanto no gás como no petróleo, com a presença da BP, Shell, ExxonMobil, TotalEnergies, Eni etc.

Ainda não há resultados concretos deste encontro, mas o facto de ter sido visto como necessário por este leque de organizações, países e indivíduos do sector, deixa claro que há riscos sobre os quais não existe controlo assegurado ou mesmo inesperados ao virar da esquina.

Como Luanda olha para este cenário global?

O actual cenário internacional, que, apesar das recentes melhorias, não era tão dramático há anos, desde a pandemia da Covid 19, tende a manter os preços ainda longe do valor estimado no OGE 2025, que é de 70 USD.

Essa a razão pela qual Angola é um dos países mais atentos a estas oscilações, devido à sua conhecida dependência das receitas petrolíferas, e a importância que estas têm para lidar com a grave crise económica que atravessa, especialmente nas dimensões inflacionista e cambial, onde o esperado superavit (preço acima dos 70 USD) poderia ser importante para contrariar.

Isto, porque o crude ainda responde por cerca de 90% das exportações angolanas, 35% do PIB nacional e 60% das receitas fiscais do país, o que faz deste sector não apenas importante mas estratégico para o Executivo, que pode ser obrigado em breve a avançar para uma revisão do OGE.

O Governo deposita esperança, no curto e médio prazo, de conseguir o objectivo de aumentar a produção nacional, actualmente perto dos de 1,1 mbpd, gerando mais receita no sector de forma a, como, por exemplo, está a ser feito há anos em países como a Arábia Saudita ou os EAU, usar o dinheiro do petróleo para libertar a economia nacional da dependência do... petróleo.

O aumento da produção nacional não está a ser travada por falta de potencial, porque as reservas estimadas são de nove mil milhões de barris e já foi superior a 1,8 mbpd há pouco mais de uma década, o problema é claramente o desinvestimento das majors a operar no país.

Aliás, o Governo de João Lourenço tem ainda como motivo de preocupação uma continuada e prevista redução da produção de petróleo, que se estima que seja na ordem dos 20% na próxima década, estando actualmente pouco acima dos 1,1 milhões de barris por dia (mbpd), muito longe do seu máximo histórico de 1,8 mbpd em 2008.

Por detrás desta quebra, entre outros factores, o desinvestimento em toda a extensão do sector, deste a pesquisa à manutenção, quando se sabe que o offshore nacional, com os campos a funcionar, está em declínio há vários anos devido ao seu envelhecimento, ou seja, devido à sua perda de crude para extrair e as multinacionais não estão a demonstrar o interesse das últimas décadas em apostar no país.

A questão da urgente transição energética, devido às alterações climáticas, com os combustíveis fosseis a serem os maus da fita, é outro factor que está a esfumar a importância do sector petrolífero em Angola.