O que colocou Vladimir Putin e Volodymyr Zelensky na mesma frequência, e levou os falcões de guerra europeus a retrair as garras, foi a ameaça directa de Donald Trump de retirar os EUA das negociações se não visse "rapidamente" sinais de boa-vontade de um e do outro lado.

Através do seu secretário de Estado, Marco Rubio, depois de uma acalorada reunião em Paris, França, com delegações dos EUA e Reino Unido recebidas pelo Presidente Emmanuel Macron, fez saber que a paciência da Casa Branca está a acabar e ou há avanços concretos ou...

... os EUA deixam os ucranianos e os seus aliados europeus, com destaque para alemães, britânicos e franceses, a lidar sem o resguardo norte-americano, com os russos, o que levaria, sem demora, a uma confrontação entre países da NATO e a Federação Russa.

O que ninguém quer, porque, como alguns analistas, incluindo o major-general Agostinho Costa, na CNN Portugal, sem os EUA, as maiores potências militares europeias são incapazes de desafiar a Rússia, ainda mais depois de mais de três anos de guerra a fortalecer-se.

E foi esse momento, como o Novo Jornal antecipava antes do encontro em Paris organizado pelo Presidente francês, que marcou a acentuada viragem europeia, ucraniana e russa da postura desafiante para uma moderada aceitação de que a guerra tem de acabar em breve.

O que é materializado com as recentes declarações de Volodymyr Zelensky que avançou num dos seus vídeos diários, que esta quarta-feira, 23, uma delegação de alto nível ira de Kiev a Londres para estabelecer com britânicos, franceses e norte-americanos os contornos de "um cessar-fogo incondicional".

Ao mesmo tempo, o Presidente ucraniano, abandonando o tom desafiante, diz que esse cessar-fogo sem condições é o caminho para uma paz "efectiva e duradoura", que será conseguida com o contributo dos aliados para "avançar com determinação".

Claramente pressionados por Donald Trump, e à beira de um confronto directo e devastador com Moscovo se a postura desafiante fosse mantida, este recuo europeu não surge sem um semelhante comportamento do Kremlin.

Pela primeira vez desde que lançou a invasão da Ucrânia, em Fevereiro de 2022, ao fim de oito anos de guerra civil nas regiões russófonas do leste ucraniano com as forças leais a Kiev, o Presidente russo admitiu que está disponível para falar directamente com Zelensky.

Esta postura claramente mais conciliadora de Vladimir Putin, e consequência óbvia da pressão norte-americana, surge depois de quase três anos a afirmar que o diálogo entre russos e ucranianos só seria possível com algumas exigências do Kremlin respeitadas.

Primeiro era a anulação do decreto assinado por Zelensky em finais de 2022 a impedir qualquer diálogo com os russos, que ainda permanece em vigor, e depois se o Presidente ucraniano fosse afastado do poder... condições que não aparecem agora nas declarações de Putin.

Numa televisão russa, citada pelas agências, o chefe do Kremlin, numa alteração subsniva da retórica, sublinhou que sempre teve "uma atitude aberta para encontrar os caminhos da paz e aceitar iniciativas que a ela pudessem conduzir, e sempre dissemos que esperávamos o mesmo de Kiev".

O que Putin está a dizer com esta declaração é que a sua resposta ao que vier a sair do encontro de Londres nesta quarta-feira entre ucranianos, britânicos, franceses e norte-americanos terá o acolhimento adequado de Moscovo, incluindo dar um passo seguro para calar as armas e manter os americanos por perto.

Tanto russos como europeus querem manter os Estados Unidos ligados a este conflito, porque para Moscovo disso depende a evolução da normalização das relações com Washington e um aliviar das sanções económicas à Rússia e sem Washington Kiev perde capacidade de resistir militarmente porque nem franceses nem britânicos podem substituir o apoio americano.

Ao que tudo indica, depois de três meses de insucessos atrás de insucessos na procura de uma fórmula que lhe permitisse cumprir a sua promessa de acabar com a guerra pouco depois de chegar à Casa Branca, Donald Trump encontrou-a com a ameaça de sair de cena deixando aos europeus o seu conflito para resolverem.

Isto, porque, quando Marco Rubio fez esta ameaça, disse claramente que o Presidente Trump já não tem mais tempo a perder com esta guerra, que não é a sua guerra mas sim a guerra do antecessor, Joe Biden, e que os EUA têm outras prioridades na arena global para perseguir sem esta pedra no sapato que é o conflito na Ucrânia.

Para já, está a resultar, pelo menos na mudança evidente na retórica em Moscovo e em Kiev, o que é igualmente reforçado pela devastadora crise económica nos grandes países europeus, como Alemanha, França, Reino Unido e Itália.

Crise essa que está claramente, mesmo que isso seja pouco referido oficialmente, ligada às sanções à Rússia, especialmente no que diz respeito ao corte do fornecimento de gás e petróleo baratos que há décadas Moscovo fornecia à Europa Ocidental.

Foi o petróleo e gás barato russos que permitiram manter em alta a competitividade da indústria alemã mas também a francesa, que agora, obrigados a comprar a energia muito mais cara, se confrontam com o refluxo das sanções que é o desmoronamento das suas economias.

Alguns analistas admitem mesmo que a verdadeira razão para os europeus estarem a alinhar com os EUA para empurrar a Ucrânia para a paz, que só pode ser conseguida cedendo parte das exigências russas, especialmente no que diz respeito aos territórios ocupados, é a degenerescência das suas economias, sendo esta a oportunidade para sair da situação insustentável de desafio permanente a Moscovo evitando a humilhação.

Isto, porque a postura de recuo está a chegar aos media internacionais quase ao mesmo tempo em Moscovo e em Kiev, o que permite uma situação em que nenhuma das partes tem espaço para humilhar a outra, mesmo que a guerra esteja claramente a ser ganha pelos russos.

O que Moscovo e Kiev estão disponíveis para ceder, ainda é cedo para perceber, mas uma questão que era das principais exigências russas, a não adesão da Ucrânia à NATO, mantendo-se constitucionalmente neutra, está resolvida.

Mais complexa será a questão da soberania russa sobre as regiões anexadas em 2014, a Crimeia, e em 2022, Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporizhia, que, para já, Kiev não larga e Moscovo diz que já se trata de um tema inegociável.