Denominada "FinCEN Files", esta é a mais recente investigação do Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ) que, a partir de milhares de ficheiros obtidos pelo BuzzFeed News, um site de notícias e entretenimento norte-americano, começou nas últimas horas a revelar uma intrincada teia de alegada criminalidade ligada a organizações criminosas globais e alguns dos maiores bancos do mundo, como o JP Morgan, o HSBC ou o Deutsche Bank, que, entre outros, estão envolvidos na lavagem de milhões provenientes da corrupção, peculato, tráficos de vária ordem, roubo...

Depois do Luanda Leaks, que envolveu 715 mil documentos electrónicos e onde Isabel dos Santos e o seu marido, o empresáro congolês-democrático Sindika Dokolo, se viram envolvidos numa larga teia de esquemas ilegais de transferências de dinheiro, que levou a acções judiciais em Angola e em Portugal, com contas e bens congelados em ambos os países, agora, uma nova fuga de ficheiros, cerca de dois mil e quinhentos, apanha de novo o casal enquanto clientes de bancos que fazem parte de um esquema planetário de lavagem de dinheiro para os EUA, embora seja fundamental sublinhar que esta presença nos relatórios não é uma prova inequívoca de culpa e ligação a actividades criminosas ou moralmente condenáveis por si só.

Nesta investigação recente da ICIJ, como o jornal português Expresso, que integra esta mega investigação, revelou, Isabel dos Santos e o marido estão envolvidos em pelo menos dois dos relatórios com referências a movimentações de milhões de dólares com data de 2013, incidindo estas referências sobre processos relacionados com a compra pelo casal da joalheira internacional de Grisogono, com um "link" à Sodiam e à aquisição de diamantes.

Estes documentos fazem parte de cerca de 2.500 relatórios enviados entre 1999 e 2017 à agência federal dos EUA que investiga eventuais ilegalidades nas transacções financeiras no âmbito das competências do Departamento do Tesouro, denominada (FinCEN, a sigla inglesa para Financial Crimes Enforcement Network.

Os principais envolvidos em pouco menos de 2.000 biliões (2 mil vezes mil milhões) USD são o Deutsche Bank, ramo americano do maior banco alemão, e o JP Morgan, o primeiro com cerca de 1,3 biliões e o segundo com pouco mais de 514 mil milhões.

E, por entre estes biliões de dólares, o nome de Isabel dos Santos e o de Sindika Dokolo surgem em dois relatórios contendo alegadamente actividades suspeitas, com data de 2013, um deles enviado à FinCEN pelo JP Morgan Chase Bank, que terá actuado enquanto correspondente de transferências envolvendo os dois empresários e o próprio Estado angolano.

O Expresso foi aos relatórios buscar um caso em particular que envolve uma transferência de quatro milhões USD em nome de Dokolo que, na sequência do Luanda Leaks, conseguiu esclarecer que é dinheiro relacionado com o financiamento da Sodiam para a compra da de Grisogono, a joalharia de luxo que adquiriu em 2016 o maior diamante encontrado em Angola, com 404 quilates, por 16 milhões USD, o transformou numa jóia rara que vendeu por 34 milhões e que, com o fim do acesso à compra de diamantes na condição de cliente com privilégio, acabou por falir, já em 2019.

Ainda em 2013, num segundo documento, emitido pelo Standard Chartered em Nova Iorque à FinCEN, o nome de Isabel dos Santos não consta mas sim a transferência de 18,7 milhões de dólares, em 2006, entre a Unitel e uma conta do BPI em Lisboa, em nome da empresa Vidatel Limited.

O Expresso desatacou ainda dois documentos que apontam para transferências ligadas a contas bancárias em Portugal, um deles inclui 56 milhões de dólares associados a duas transferências saídas de uma conta do BES no offshore da Madeira (as suspeitas estão relacionadas com um grupo bancário venezuelano), o segundo envolve a soma de 44 milhõe USD em movimentos datadas de 2014 a 2017 agregando a estes instituições que funcionaram como correspondentes de bancos estrangeiros.

Por detrás destes intrincados esquemas estão 2 biliões de dólares e documentos que ligam directamente alguns dos maiores bancos do mundo a organizações criminosas ajudando-as a lavar milhões e milhões de dólares, muitos destes oriundos de actividades que vão do tráfico de drogas, armamento, extorsão, roubo...

Na mesma onda está a demonstração em como, segundo a BBC News, os oligarcas russos usaram estes bancos para evitarem sanções que era suposto travar as suas actividades e a lavagem de dinheiro para os países ocidentais, nalguns dos segredos mais bem guardados no seio do sector bancário planetário.

Estas investigações realizadas a partir de fugas do interior das instituições são de relevante interesse público porque quem procura amealhar milhões a partir de actividades criminosas, como a corrupção ou o peculato, que são as actividades que em Angola mais dinheiro fazem rolar nestes esquemas, a sua maior inquietação é como inserir esse dinheiro no roteiro legalizado, de forma a poder dele usufruir e, como agora é revelado, estes criminosos contam á vários anos com a cumplicidade dos maiores bancos mundiais para isso, destruindo parte da confiança neles depositada.

E, ainda por cima, estes bancos estão obrigados por lei a verificar a legalidade das avultadas movimentações financeiras dos seus clientes, o que é agora claro que não é suficiente para afastar estas instituições do dinheiro mais sujo do planeta.