Apesar de o relatório elaborado pela Comissão Independente de Inquérito sobre a Ocupação da Palestina apontar Israel como o país que conduz o genocídio da população palestiniana de Gaza, Netanyhau, Herzog e Gallant aparecem como os seus mandantes de primeira linha.

Em declarações à Al Jazeera, Navi Pillay, a jurista sul-africana que liderou este estudo para as Nações Unidas, avançou que se trata de um momento histórico porque dilui todas as dúvidas sobre aquilo que há muito a justiça internacional tinha identificado haver fortes indícios.

Recorde-se que dezenas de países, incluindo Espanha e África do Sul, há muito que se referem ao conflito de Gaza como um genocídio da população palestiniana pelas mãos das forças israelitas.

E no patamar da justiça internacional, tanto o Tribunal Penal Internacional como o Tribunal Internacional de Justiça, mesmo sem uma sentença clara e definitiva, apontaram efectivamente para a existência de indícios de genocídio em curso.

E isso levou à emissão de mandatos de captura internacionais para Netanyhau e Yoav Gallant, bem como para líderes do Hamas, entretanto abatidos por Telavive.

"Nós identificamos o Presidente de Israel, o primeiro-ministro e o ex-ministro da Defesa, a partir dos seus discursos e declarações públicas", como mandantes do genocídio, disse Pillay, citada pela Al Jazeera, explicando que enquanto agentes do Estado de Israel, "e sob a lei internacional", este é responsável.

"Por isso, sendo estes os mandantes, é o Estado de Israel que aparece como perpetrador do genocídio em Gaza", afirmou ainda esta responsável, notando ao mesmo tempo que, a par das ordens destes três indivíduos, há igualmente "evidências circunstanciais" que conduziram a estas conclusões.

Conclusões que são claramente a "intenção de destruir, total ou parcialmente, a população palestiniana em Gaza" através das acções das Forças de Defesa de Israel e das suas organizações de segurança (ver links em baixo).

A invasão em curso de Gaza começou a 07 de Outubro de 2023, quando Telavive reagiu ao assalto dos combatentes do Hamas ao sul de Israel, onde deixaram um rasto de mais de mil mortos.

Deste esse momento, as Forças de Defesa de Israel mantém uma barragem de misseis e artilharia constante sobre o território, com incursões no terreno envolvendo uma força de mais de 350 mil militares.

Já foram mortos quase 70 mil civis em Gaza, e mais de 80% dos seus edifícios foram demolidos, havendo mais de 300 mil feridos; a fome e a sede, aliadas à falta de medicamentos, por causa dos bloqueios humanitários de Israel, é hoje, segundo as ONG's no terreno, responsável por mais mortes que as armas.

Gaza é um território com 365 kms2, habitado por 2,3 milhões de habitantes, numa estreita faixa mediterrânica de 40 kms por 10 kms de largura, contendo uma das mais densas concentrações humanas em todo o mundo.

Algumas organizações internacionais admitem que, depois de removidos os escombros, podem ser encontrados mais entre 200 mil e 400 mil corpos de palestinianos desaparecidos actualmente.

Israel acusa os "amigos do Hamas"

Na primeira reacção a este relatório demolidor, o ministro dos Negócios Estrangeiros de Israel, Gideon Saar, considerou tratar-se de "mais um fake" elaborado pelos amigos do Hamas.

Saar acrescenta, numa publicação na rede social X, que todo o relatório da Comissão Independente de Inquérito sobre a Ocupação da Palestina está assente em informações recolhidas junto do Hamas.

"Israel rejeita categoricamente este distorcido e falso relatório e exige a abolição imediata desta comissão que o elaborou", aponta ainda Gideon Saar, recusando de forma liminar que, como o documento avança, os soldados israelitas tenham "matado intencionalmente" civis palestinianos inclusive através do uso de munições de grande poder explosivo.

A resposta histórica do mundo muçulmano

Este documento aparece em público num momento igualmente histórico em que a quase totalidade dos países árabes e muçulmanos se reuniram em Doha, capital do Catar, para debater e dar uma resposta ao ataque recente de Israel à delegação do Hamas que estava a negociar um acordo de paz sob intermediação dos EUA e do Governo catari, naquela mesma cidade.

Neste encontro, que ainda decorre neste terça-feira, 16, numa primeira análise, as dezenas de países, onde estão o Irão, a Arábia Saudita, os países árabes do Norte de África, as nações islâmicas do oriente asiático, à Turquia, naquele que já é o maior encontro político islâmico em décadas, confirmaram a iniciativa de unir esforços militares e diplomáticos para reagir às agressões israelitas.

E num momento que muitos pensavam não ser possível, surgiram declarações de conjunto em que os Estados Unidos, como aliado indefectível de Telavive, deixaram de ser vistos como mediadores viáveis para a paz na região.

Tal como, por exemplo, na NATO, também esta organização em construção do mundo islâmico está a dar os primeiros passos para criar o seu Artigo 5º, que é aquele que garante que quando um Estado-membro é atacado, a resposta militar seja dada por todos.

O discurso furioso do Emir do Catar

Num raro momento de fúria, o Emir do Catar, que tem oferecido o seu país como palco das negociações para a paz na Palestina, e onde o Hamas tinha a sua principal sede política no exterior, na abertura deste encontro muçulmano, acusou directamente Israel de querer a guerra.

O Sheikh Hamad Al Thani defendeu que a única preocupação do Governo israelita é garantir que Gaza deixará de ser um território viável para as populações palestinianas sem se incomodar com o destino dos reféns.

Mas a principal questão de al Thani é sobre a forma como Telavive bombardeou a sede do Hamas na capital do Catar apesar de estar a participar nas negociações de paz mediadas pelo próprio Governo catari e pelos Estados Unidos.

Apesar de ser um dos maiores aliados dos EUA no Médio Oriente, o Governo de Doha alinhou na exigência geral dos participantes sobre a ideia de que os EUA já não são um mediador viável na região devido à sua ligação a Israel.

Isto, embora tenham surgido apelos a Washington para reverter esta ideia e usar a sua influência sobre Netanyhau para que acaba com estes actos hóstias às negociações.

"Se Israel quer matar os líderes do Hamas, então porque é que se empenham nas negociações?", questionou o Sheikh Tamim bin Hamad Al Thani, acrescentando como é que pode Telavive querer a paz se matar aqueles com quem a pode negociar?

Acusou ainda Israel, num nunca antes visto discurso furioso, de ser um "Estado terrorista" e afirmou que "não há espaço para negociar com um país que age cobardemente e traiçoeiramente", acusando o país de estar a "conduzir um genocídio em gaza".